domingo, 25 de outubro de 2009

Nova lei do estupro ainda sustenta polêmica

Mudanças na tipificação de crimes sexuais motiva ampla discussão. Número reduzido de denúncias persiste.

GUTO LOBATO
Da Redação


(Jornal Amazônia - Edição de 25/10/2009)

Do início de agosto até outubro, a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) de Belém registrou duas ocorrências por estupro. Até aí, nada de mais – estatísticas relacionadas a crimes sexuais contra a mulher não são grande novidade no Pará. O diferencial está na forma com que esses casos correrão no Judiciário. Eles serão os primeiros que a Justiça do Estado interpretará sob o prisma da Lei nº 12.015, publicada em agosto deste ano e que promove amplas reformulações na tipificação penal dos crimes de natureza sexual. Fato pertinente no caso do Pará, que padece diante de incontáveis registros de crimes sexuais, em sua maioria praticados contra mulheres e/ou crianças e adolescentes – neste último quesito, o Estado é o quarto colocado nacional em número de ocorrências, segundo dados do Disque Denúncia.

Foram necessários cinco anos para que a Lei nº 12.015/2009 saísse do boca-a-boca e das gavetas do Senado para conquistar espaço no Código Penal brasileiro. Não sem motivos: a redação da nova lei de crimes sexuais veio – ou deveria ter vindo – para corrigir uma série de falhas históricas do documento original, que veio sofrendo alterações da década de 1940 para cá, sem, no entanto, perder seus traços mais antiquados. Entre eles, por exemplo, a aplicabilidade do crime de estupro (artigo 213) somente a vítimas do sexo feminino.

De agora em diante, o estupro é entendido como um crime aplicável, também, a vítimas do sexo masculino. Antes, os autores de abusos contra homens eram enquadrados pela categoria de atentado violento ao pudor (art. 214), que deixou de existir. Houve, também, modificações sensíveis no que tange às penas – agora, quem engravidar a vítima durante o estupro tem sua pena aumentada em até 50%, por exemplo. Além disso, as penas máximas aumentam – na medida em que a idade e as condições psicossociais das vítimas diminuem – de forma muito mais intensa (veja quadro).

No entendimento de especialistas da área, no entanto, ainda há muitas falhas no documento. Um possível retrocesso é o fato de o crime de atentado violento ao pudor, que caracterizava atos libidinosos diversos da conjunção carnal, ter sido extinto. Isso significa, por exemplo, que um acusado de estuprar e sodomizar determinada vítima não poderá mais receber uma pena para cada crime; será, “apenas”, indiciado por estupro. “Interpretamos a nova lei de crimes sexuais benéfica no sentido de ampliar o leque de enquadramentos e penas de acordo com as circunstâncias do estupro. Mas, de fato, a extinção do atentado violento ao pudor pode levar a penas menores para quem comete mais do que a conjunção carnal”, diz a delegada Alessandra do Socorro Jorge, titular da Deam de Belém.

Outro problema é a equiparação de crimes de gravidade inferior ao estupro. No texto do novo artigo 213, lê-se que este é o ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Diante disso, vale um questionamento: será que um beijo forçado deveria resultar nos mesmos anos de cadeia dados a um acusado de violar alguém forçadamente? “A interpretação dos casos é essencial nesse sentido. Cabe à autoridade judicial avaliar a situação de abuso e aplicar a pena que seja mais adequada ao acusado”, afirma o promotor de Justiça Miguel Baía, do Ministério Público do Estado (MPE).

Ações dependem de encaminhamento do MP

Segundo o promotor Miguel Baía, um dos aspectos essenciais relativos à nova lei de crimes sexuais é o da natureza das ações encaminhadas à Justiça. Antes, segundo ele, elas eram de natureza privada – ou seja, eram de propriedade única da própria vítima, sendo ela detentora, também, do poder decisório de levar as denúncias adiante ou não. “A exceção era em caso de estupro com violência real praticada. Nesse caso, a representação junto à Justiça dependia da intervenção do Ministério Público”, argumenta.

Com a nova redação, as ações penais se tornaram condicionadas – ou seja, dependem da representação dos MPs. A regra geral é que as vítimas ainda possuem poder decisório sobre o encaminhamento das denúncias; porém, devem recorrer à promotoria para que elas sigam à esfera judicial. “Em caso de vítimas menores de idade ou vulneráveis, entretanto, o caso vai para a Justiça sob nossa representação, independentemente da vontade da vítima de levá-lo adiante ou não. É a chamada ação pública incondicionada”, completa o promotor.

De forma geral, Miguel Baía considera que a transferência das ações da esfera privada para a pública ajudará as vítimas de violência sexual a levar suas denúncias adiante. “Meu entendimento é que, com o apoio do Ministério Público, as pessoas deverão se sentir mais encorajadas a procurar a polícia, depor, procurar a promotoria e, assim, dar um fim correto aos crimes de natureza sexual”, conclui.

Números policiais não correspondem à realidade

Com ou sem a Lei 12.015/2009, um problema ainda persiste: a relutância das vítimas de crimes sexuais em denunciar seus casos à polícia. As estatísticas da Deam da capital do Estado são um bom exemplo disso: só neste ano de 2009, 5.705 ocorrências foram registradas por mulheres na unidade policial. Destas, no entanto, somente quinze são associadas a crimes sexuais. “É claro que este número não corresponde à realidade. É fato que são uma parcela insignificante dos crimes. Isso é efeito tanto do medo de denunciar quanto do desconhecimento em relação ao que caracteriza o estupro”, aponta a delegada Alessandra Jorge.

“Muitas mulheres são vítimas do que chamamos de cultura de machismo: muitas vezes são forçadas por seus maridos a manter relações, a fazê-lo em posições e circunstâncias que não são de sua vontade, mas não veem isso como estupro”, diz a delegada, frisando já ter ouvido relatos difíceis de acreditar, como o de uma mulher forçada a fazer sexo com o companheiro às vésperas de entrar em trabalho de parto.

“Algumas vítimas vêm até nós falar de agressão ou ameaça e relatam o abuso sexual, mas nem pensam em fazer a denúncia sobre isto. É um sinal de que a submissão e o medo ainda existem e se refletem em nossas estatísticas, assim como se refletem nos dados das delegacias vinculadas à proteção da criança e do adolescente. Se pudéssemos registrar tudo o que ocorre de fato em nossa capital em termos de crimes sexuais, pode ter certeza que as estatísticas seriam muito mais impactantes do que as que atualmente temos”, reitera Alessandra Jorge.

Pará é quarto colocado em crimes sexuais contra jovens

As mudanças na forma de interpelar acusados de crimes sexuais também têm forte reflexo no sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes. Dados do serviço Disque Denúncia (100) apontam que mais de 30% das 87 mil denúncias feitas por telefone entre 2003 e 2009 são de cunho sexual. 57% delas se referem ao abuso e 40% à exploração. Da mesma forma, um estudo elaborado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), vinculada à Presidência da República, aponta que 165 crianças e adolescentes são vítimas de violência sexual por dia no País – e o Pará figura como o quarto colocado no ranking nacional, perdendo apenas para o Maranhão, o Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal nesse quesito.

A presença do abuso nas esferas familiares e a relativa ineficiência dos sistemas de proteção social e de garantia de direitos são alguns dos motivos que fazem com que a pedagoga Nazaré Sá de Oliveira, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA) do Pará, veja a aprovação da nova lei com certo ceticismo. “Bom, agora que temos uma lei que agrava a punição a quem pratica crimes sexuais contra jovens e crianças, é preciso investir nos conselhos tutelares do Pará, pôr juízes e promotores nos municípios do interior e oferecer às vítimas um programa de proteção que não se restrinja à capital. Caso contrário, a lei nunca vai sair do papel”, diz.

Segundo Nazaré Sá, a dificuldade em se obter provas materiais dos crimes de abuso costuma impedir que muitos casos cheguem à esfera judicial e resultem em penas adequadas. “Obter a materialidade desse tipo de crime é um desafio. No interior, faltam médicos para fazer exames que confirmem o abuso. A polícia, por sua vez, procede de forma errada e não ensina a vítima a se defender, fornecendo caminhos para levar o caso ao Ministério Público e à Justiça. O resultado são vários crimes que prescrevem ou que têm seus acusados inocentados por falta de provas”, diz. “Tudo isso poderá ser mudado com maiores investimentos nos órgãos que apoiam e sustentam as denúncias de crimes sexuais”, alerta a presidente do CEDCA.

Dona de casa relata uma vida de abusos


Vítima em um dos casos cujo inquérito começou a correr na Deam desde a aprovação da Lei 12.015/2009, a dona de casa Marluce (nome fictício) diz ver na nova lei uma forma de se emancipar de uma relação abusiva e degradante. Tudo começou quando ela tinha apenas sete anos. Criada em uma família desestruturada, Marluce foi morar junto à irmã e ao marido dela. Não tardou para que este começasse a abusar sexualmente da dona de casa - e, pior ainda, com o consentimento da irmã.

"Ele mantia relações comigo e me chantageava, dizendo que, se eu falasse algo para minha irmã, ela ia me jogar na rua. Até que, aos 17 anos, engravidei dele e ela tomou ciência do abuso. Mas fez vista grossa", relata. A situação se prolongou por mais nove anos e resultou em duas crianças geradas por conta dos abusos. Dentro da casa, a regra era que Marluce não podia ter amigos, estudar ou namorar. "Não tive como estudar direito. Ele impedia que eu saísse de casa", diz.

Há três anos, ela decidiu ir embora da residência da irmça junto às filhas, depois que o abusador as agrediu na véspera de Natal. O resto da família tomou ciência e, diante do risco de ser preso, o abusador começou a ameaçar Marluce de morte. "Aí não tinha mais jeito. Tomei coragem e fui à delegacia para relatar a situação". A princípio, a ideia da dona de casa era denunciá-lo por agressão, mas os policiais civis a incentivaram a tornar público o abuso sexual prolongado.

O caso já está nas mãos da Defensoria Pública e, em breve, deve ir parar no Ministério Público do Estado, após a conclusão do inquérito da Deam. Hoje com 29 anos e vivendo junto a um companheiro no bairro da Terra Firme, Marluce luta para levar uma vida normal, trabalhando como babá nas horas vagas. O problema é que, além dos traumas deixados pelo abuso sexual, ela ainda luta para que suas filhas voltem para casa. Revoltado com a denúncia do caso à Deam, o abusador as tirou da dona de casa há cerca de três meses. A situação já foi denunciada à polícia.

"Hoje tenho consciência do que ele fez comigo, de como ele destruiu minha vida e de como fui vítima de um crime hediondo. Não tive como estudar, como dar uma educação decente para minhas filhas. Às vezes olho para as jovens estudando nas universidades e penso: eu podia ter chegado lá. O problema é que eu não tive uma família que me ajudasse a sair daquele inferno", conta. "Para completar, ele tirou as minhas filhas de mim. Tudo o que quero é tê-las de volta e ver este homem pagar pelo que fez", diz, emocionada.

O QUE MUDA COM A NOVA LEI DE CRIMES SEXUAIS

Antes:

- Duas tipificações criminais eram utilizadas para enquadrar o acusado de crimes sexuais: estupro (art. 213 do Código Penal) e atentado violento ao pudor (art. 214);
- Somente mulheres poderiam ser vítimas de estupro, segundo a lei, já que este era caracterizado exclusivamente pelo coito vaginal. Abusos praticados contra homens eram enquadrados como atentado violento ao pudor;

- As penas previstas oscilavam entre quatro e dez anos, dependendo das condições do crime e da situação etária e psicossocial da vítima;

- A ação penal imposta contra o acusado era de natureza privada. Ou seja, só era encaminhada à Justiça se a vítima quisesse. A única exceção, em que o caso tinha a representação do Ministério Público, era para os casos em que houvesse violência física real ou em que a vítima fosse menor de idade ou vulnerável (portadora de necessidades especiais, etc.);

- O crime de estupro só era considerado hediondo (com base na Lei 8.072/90) se resultasse em morte ou lesão grave;

Depois:

- O crime de atentado violento ao pudor foi extinto. Hoje, somente o crime de estupro pode ser aplicado à hora de enquadrar os acusados de crimes sexuais;

- A redação do novo artigo 213 não faz distinção de sexo, entendendo o estupro como ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal“ ou a praticar “outro ato libidinoso”;

- As penas previstas são diferenciadas: há a de reclusão de seis a dez anos (em caso de maior idade da vítima); de oito a 12 anos (se a vítima tiver idade entre 14 e 18 anos de idade); de oito a 15 anos (em caso de pessoas consideradas "vulneráveis" ou menores de 14 anos) de 12 a 30 anos (se o crime resultar em morte). Elas podem, ainda, ser aumentadas em até 50% caso resultem em gravidez da vítima do sexo feminino;

- A ação contra os acusados se tornou pública e condicionada. Ou seja, a vítima deve recorrer à representação do Ministério Público para encaminhar casos à Justiça - mas ainda é quem decide se a denúncia deve ou não ser feita. Em caso de violência contra menores de 14 anos e/ou portadores de necessidades especiais, no entanto, a ação pública se torna incondicionada, independendo da vontade da vítima para ser ir parar na Justiça;

- O crime de estupro se tornou hediondo, mesmo quando entendido como estupro "simples" (sem resultar em lesão grave ou morte da vítima);


ESTATÍSTICAS DA DEAM/PC

Período: Janeiro a setembro de 2009


Estupro - 12
Atentado violento ao pudor - 3
Lesão corporal - 1.541
Ameaça - 1.569
Injúria - 170
Vias de fato - 1.124
Outros - 1.286
Total: 5.705 casos

domingo, 18 de outubro de 2009

Pará: rota de passagem para o pó

Rede internacional de tráfico de cocaína possui pelo menos três rotas que passam pelo Estado. Hidrovias e rodovias são usadas para escoar droga para Nordeste brasileiro e exterior.

GUTO LOBATO
Da Redação

O tempo é de baixas para quem atua na rede internacional de tráfico de cocaína que tem o Estado do Pará como ponto de passagem. Operações executadas pelas polícias Civil (PC) e Federal (PF) nos últimos trinta dias, com apoio do Ministério Público Federal (MPF), resultaram em pelo menos vinte prisões ou condenações de traficantes sediados no Estado. Todos atuavam no mercado de comercialização de cocaína pura procedente de países latino-americanos como Colômbia, Peru e Bolívia. A situação deixa bem claro que, mesmo não sendo um pólo produtor, o Pará é rota de passagem da droga - ou, em menor medida, concentra mercados de abastecimento, como no caso da Região Metropolitana de Belém (RMB).

Ao menos para a polícia, isso não é grande novidade. Três grandes rotas do tráfico internacional que passam pelo Estado já foram identificadas, todas associadas à cocaína - droga que tem como principal centro de produção na América Latina países vizinhos ou fronteiriços do Brasil. O percurso que concentra os grupos criminosos mais articulados parte de Tabatinga, no Amazonas, e chega ao Pará por rotas hidroviárias. Situado ao lado da cidade de Letícia, na Colômbia, o município amazonense é alvo da ação de grupos que mantêm sedes na fronteira.

Por meio de contatos com os produtores colombianos, os traficantes fazem transações financeiras, adquirem o material e o enviam rumo ao Pará por transporte hidroviário - seja nos cascos e salas de máquinas de embarcações, seja escondido em fundos falsos, recheios de aparelhos eletrônicos e móveis ou mesmo em roupas. O pó faz "escala" em Santarém, no Oeste do Estado, e em seguida parte para municípios da Ilha do Marajó como Breves, Soure e Gurupá, onde é reenviado para Belém.

As outras duas rotas são "secas" - feitas por terra - e vêm do Peru e da Bolívia. A primeira parte dos municípios de Brasileia e Rio Branco, no Acre, com cocaína peruana rumo ao Pará. Já a segunda começa nos municípios de Pontes e Lacerda, Conquista do Oeste e Nova Lacerda, no Mato Grosso, e termina na capital paraense, sempre via rodovias federais, trazendo entorpecente produzido na Bolívia. De qualquer forma, Belém nem sempre é o destino final: uma pequena parte do pó é aproveitada para abastecer o mercado local, mas a maioria acaba indo para cidades como São Luís (MA), Fortaleza (CE) e até São Paulo (SP), majoritariamente por estrada.

Os efeitos destas redes no Pará são bem conhecidos: concentração de bocas de fumo nos principais centros urbanos - Santarém, Belém, Castanhal, Ananindeua, Marabá, etc. -, aumento da violência e, a longo prazo, a criação de redes criminosas com contatos internacionais sediadas no Estado. As polícias Civil e Federal vêm tentando desmontar o esquema, mas a tarefa não é nada fácil: apesar de obedecer a um padrão, as quadrilhas sempre encontram alternativas para desviar rotas e camuflar os entorpecentes para enviá-los sem deixar rastros.

"Conforme apertamos o cerco em uma rota, eles logo descobrem um caminho alternativo, uma nova forma de esconder. Some-se isso ao pequeno efetivo das polícias, à dimensão do Estado, e temos em mãos o desafio de coibir o tráfico associado às redes internacionais", resume o delegado Madson Vieira, da PF. Também conspiram a favor dos criminosos a capilaridade das vias hidroviárias amazônicas e a baixa fiscalização nas estradas. "É um trabalho de controle, nunca de erradicação total. Nós 'derretemos um gelo' e eles logo aparecem com outro carregamento ainda maior", avalia o delegado Hennisson Jacob, da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), vinculada à Divisão de Repressão ao Crime Organizado (DRCO) da Polícia Civil.

Operação "Letícia" desmantelou família de traficantes

As prisões efetuadas nos últimos trinta dias são resultado de um longo trabalho de investigação das polícias Civil e Federal com apoio do Ministério Público Federal. Das operações recentes, a que resultou em mais prisões foi a "Letícia", cuja etapa final transcorreu em 18 de setembro. No total, quinze prisões foram executadas por meio da apuração da grande rede que "importa" cocaína da Colômbia por meio da fronteira do país com o Estado do Amazonas. O detalhe impressionante é que, na última ação, descobriu-se que cinco dos acusados pertenciam à mesma família.

Sob o comando do patriarca Eliézer de Oliveira Pereira, 51, o "Zezé", a família composta por Rizoneide de Souza Pereira, 47, Keiseane de Souza Pereira, 24, Kelvin de Souza Pereira, 22, e Kelson Kennedy Pereira era um dos nomes fortes do tráfico internacional. Com bases na cidade de Tabatinga (AM) e no bairro da Cidade Nova, em Ananindeua, onde morava, a família Pereira liderou por muito tempo o mercado de cocaína na Grande Belém - tanto que a área próxima à sua casa ficou conhecida pelo nome de "Portelinha", em alusão à favela de uma telenovela exibida em 2007 na Rede Globo.

"Zezé" era temido no mundo do crime e, além de abastecer o mercado local, também enviava parte da droga para Fortaleza, de onde remessas saíam periodicamente para o resto do País e, inclusive, para a Europa, segundo apontam evidências apuradas pela polícia. A condenação de toda a família foi comunicada ao início de setembro pelo juiz federal Rubens Rollo D´Oliveira, da 3ª Vara Especializada em Ações Criminais, sendo que as prisões foram cumpridas uma semana depois, na própria residência de "Zezé". Recentemente, eles conseguiram responder ao processo em liberdade.

"Um fato que nos chamou a atenção foi o envolvimento da família inteira na rede de tráfico. Isso é cada vez mais comum. E não é apenas na receptação da droga aqui em Belém, como também na negociação com os traficantes colombianos e no recrutamento de transportadores da droga da fronteira até a capital", diz a procuradora da República Maria Clara Noleto, responsável pelo caso no MPF. "A verdade é que este mercado é extremamente complexo, conta com a ação de vários grupos, e precisa ser investigado por todas as esferas. Sabemos que a ação de algumas quadrilhas é apenas a ponta de um grande iceberg", ressalta.

Dificuldades nas investigações apontam especialização da rede

Segundo a procuradora, nos últimos dois anos, cerca de 40 prisões foram efetuadas nas maiores operações federais de combate ao tráfico de cocaína - a "Letícia", a "Marisco", a "Alcateia" e a "Mato Grosso". Todas estas já resultaram em prisões de caráter provisório ou em condenações - como no caso da "Letícia". Outra operação executada recentemente foi a "Miriti", que resultou em cinco prisões, também no mês de setembro.

As denúncias encaminhadas ao MPF são apuradas pelas procuradorias responsáveis em parceria com as polícias Federal ou Civil, dependendo da amplitude dos casos. "Às vezes contamos, também, com a colaboração da Interpol e das polícias boliviana, peruana e colombiana, até porque há criminosos de outros países envolvidos", aponta.

Fora as quatro grandes operações executadas, Maria Clara Noleto aponta que há outras investigações sigilosas em curso - algumas, prestes a ter encaminhamento na Justiça Federal, com mais denúncias e pedidos de prisão. Obter provas e indícios do envolvimento com a rede de tráfico, no entanto, é um trabalho complexo e de difícil apuração.

"As investigações são longas e envolvem o trabalho conjunto das polícias e do Judiciário. É um processo de longa duração, por conta das ações fragmentadas e cuidadosas dos grupos", aponta. "No caso da operação 'Letícia', por exemplo, temos seis acusados cujas condenações não foram decretadas pela Justiça Federal, por falta de provas. Mas vamos tentar obter estas condenações novamente", conclui a procuradora.

Polícia Civil já apreendeu 270 kg de cocaína neste ano

O trabalho da Polícia Civil do Pará também já resultou em uma série de apreensões de grande porte associadas à rede internacional de tráfico de cocaína. O delegado João Bosco, diretor da Divisão de Repressão ao Crime Organizado (DRCO), aponta que, só no ano de 2008, cerca de uma tonelada de cocaína foi apreendida pela PC. Até setembro de 2009, o montante já chega a 270 kg. "Isso foi resultado de uma série de operações de desmantelamento de quadrilhas sediadas na capital e no interior, como a 'Leão da terra', a 'Armageddon', a 'Mosaico' e e a própria 'Letícia', que foi executada junto à Polícia Federal", afirma.

À época do Fórum Social Mundial 2009, uma quadrilha foi flagrada em Belém com nada menos que 120 kg de cocaína pura, avaliada em R$ 2,1 milhões. A associação do material com a rede de importação de droga colombiana por rotas fluviais é evidente. Um dos acusados, identificado como José Giovany de Carvalho, permanece foragido da PC e é apontado como um dos líderes do esquema criminoso. Isso sem contar outros traficantes de conhecimento das autoridades, como Ronaldo Oliveira da Silva, o "Camaleão", e Manoel da Lima Rêgo, o "Manoel da feira".

Ambos são "peixes grandes" e têm longo histórico de passagens pela polícia, mas conseguem escapar do xadrez. "Temos esse problema. Fizemos a prisão do 'Manoel da feira' em maio deste ano, mas, sabe-se lá como ou por quê, ele já está solto. Ele lidera uma família de traficantes que tem base nos bairros da Sacramenta, Telégrafo e no distrito de Mosqueiro, já bem conhecida pela polícia, mas consegue uma brecha para escapar da prisão. Ele não passou nem quatro meses atrás das grades", aponta o delegado João Bosco. "Aí precisamos voltar a encontrar subsídios para pegá-los em flagrante na atividade de tráfico", conclui.

Rotas do tráfico de cocaína que passam pelo Pará

1
Onde começa:
Tabatinga (AM)
Por onde passa: Santarém, Breves, Soure, Gurupá, Belém
Destino final: Mercado paraense, Nordeste brasileiro e exterior
Principal percurso: A droga sai de Tabatinga (AM), município na fronteira com a Colômbia, e segue em rota hidroviária até Belém, fazendo escalas em municípios do Pará.

2
Onde começa: Conquista do Oeste (MT), Pontes e Lacerda (MT) e Nova Lacerda (MT)
Por onde passa: Marabá, Belém
Destino final: Mercado paraense, Nordeste brasileiro e exterior
Principal percurso: A droga sai dos municípios na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia e segue em rodovias federais até Belém, fazendo escalas em municípios do interior.

3
Onde começa: Brasileia (AC) e Rio Branco (AC)
Por onde passa: Marabá, Santa Maria do Pará, Belém
Destino final: Nordeste brasileiro e exterior
Principal percurso: A droga sai da fronteira do Brasil com Peru e segue em rodovias federais até Belém, fazendo escalas em municípios do interior.

domingo, 4 de outubro de 2009

Insatisfação atinge servidores de segurança pública

Estudo revela que maioria dos profissionais de segurança pública não aprova o trabalho que faz. Desmilitarização da PM chega a ser cogitada.

GUTO LOBATO
Da Redação

(Jornal "Amazônia" - Edição de 04/10/2009)

Não é só do lado da sociedade civil que o sistema de segurança pública do Brasil tem sido visto com maus olhos. Contrariando o senso comum de muita gente, um relatório lançado há poucas semanas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) junto ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil aponta que boa parte dos servidores de órgãos como as polícias Civil (PC) e Militar (PM) também não aprova o trabalho que faz. Intitulada “O que pensam os profissionais de segurança pública no Brasil”, a pesquisa apontou que 70% dos participantes desejam mudanças urgentes em suas corporações. Grave sinal dos novos tempos, em que a farda não é sinônimo de orgulho para quem a veste – assim como a presença ostensiva da polícia nas ruas não significa segurança total para a população.

Executado a partir de mais de 64 mil questionários preenchidos por policiais, agentes penitenciários, bombeiros e guardas municipais de todo o País, o estudo traz dados, no mínimo, alarmantes - tanto no que tange à satisfação profissional dos servidores quanto em relação a temas polêmicos, como a proposta de desmilitarização da PM, a unificação de polícias e o sistema hierárquico da corporação (veja quadro). O foco do estudo, apresentado durante a primeira Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg) em Brasília (DF), no mês de agosto, é em todas as classes de segurança pública, mas concentra os indicadores mais preocupantes na parte relativa às polícias.

A aprovação do modelo dualista de polícia no Brasil, que engloba as corporações civil e militar, é de apenas 20%. Praticamente 50% dos participantes da pesquisa aprovariam a unificação entre PC e PM, tão discutida no alto staff da segurança pública - mais da metade, no entanto, enfatizando que a nova instituição deveria ser civil. Isso resulta de vários fatores: a hierarquia levada às últimas consequências na PM, o código e regimento arcaicos da corporação, os abusos de poder das altas patentes e as condições precárias de trabalho.

Nada menos que 20% dos participantes do estudo da Senasp relataram já ter sofrido tortura - na acepção psicológica do termo, vale ressaltar - no ambiente de trabalho, e 54% dizem ter sido humilhados e desrespeitados por superiores. Da mesma forma, 90% dos PMs reclamam por mais qualificação. Enfim, tudo indica que há uma séria crise de motivação entre os servidores no País - bem semelhante àquela que a sociedade percebe ao se deparar com oficiais truculentos, mal treinados e de comportamento instável nas ruas.

O coronel Mário Solano, chefe do Estado Maior Estratégico (EME) da PM do Pará, reconhece a gravidade de tais dados; porém, para ele, o atual modelo de segurança pública já passa por transformações. "Hoje as coisas já são diferentes. A formação dos policiais agrega disciplinas de polícia comunitária, direitos humanos, cidadania. Não se pode mais ver a polícia, seja civil ou militar, como um órgão meramente repressivo", analisa. "Temos que lembrar que o pensamento da segurança como uma questão de importância é recente. A 1ª Conseg, por exemplo, foi em 2009, enquanto que a 1ª conferência de Saúde do Brasil foi em 1941", aponta. "A verdade é que a valorização dos profissionais de segurança pelo poder público é uma coisa recente", afirma.

Segundo o chefe do EME - que participou da 1ª Conseg em Brasília -, os investimentos na capacitação dos policiais são capazes de reverter boa parte dos indicadores do estudo da Senasp. A formação de praças e oficiais dentro da PM no Pará, por exemplo, recebeu investimentos de R$ 8 milhões no ano de 2008. "Essa é a forma que encontramos de ter policiais mais preparados, instruídos e motivados a trabalhar melhor pela sociedade. Hoje já sabemos que não há progresso para a polícia sem investimentos em educação", acredita.

Em relação a temas polêmicos como a desmilitarização, no entanto, o coronel é enfático: "Primeiro, é preciso saber do que se trata essa 'desmilitarização'. É em relação à formação pedagógica dos praças e oficiais, que seria muito rígida, ou seria uma extinção completa dos militares estaduais? Se for o primeiro caso, não precisa desmilitarizar, porque nossa formação aqui no Pará é feita há anos com base nos princípios da Senasp. E se for o segundo, isso significa que teríamos 500 mil policiais armados e sindicalizados em todo o Brasil. A PM do Pará não aprova tal ideia", diz. "Essa questão precisa ser debatida com todos seus fatores. Não é uma medida que se toma da noite para o dia", opina Solano.

PMs paraenses defendem mudanças, mas não aprovam desmilitarização

Conseguir obter opiniões sobre os dados obtidos na pesquisa do Senasp não é nada fácil na PM do Pará. A verdade é que o medo de represálias de superiores, tão citado ao longo do texto do relatório, aplica-se também à realidade local: nenhum dos agentes entrevistados pela reportagem quis ter seu nome publicado. Nem mesmo os de patentes mais altas, vinculados a destacamentos como o Comando de Policiamento da Capital (CPC) e a Ronda Tática Metropolitana (Rotam), concordam com a identificação.

As conversas tiveram de ser feitas em ambientes reservados, longe do olhar de comandantes, para que fluíssem de forma adequada. O motivo é simples: "Mesmo com todos os mecanismos que temos para defender nossos direitos, não podemos criticar nosso trabalho. Senão somos punidos de forma indireta. Eles não podem nos excluir sem motivo, mas nos mandam para o interior, trocam-nos de setor. Enfim, dificultam nossa vida de todas as formas", diz um policial da 4ª Zona de Policiamento (Zpol), atuante nos bairros da Cremação, Batista Campos, Condor e Jurunas.

Temas como a desmilitarização da PM são discutidos com certa propriedade pelos agentes. Conscientes dos benefícios e dificuldades trazidos pelo vínculo militar, eles frisam, no entanto, que a questão é extremamente complexa e de difícil solução no contexto que se vive no Estado. "Não acredito que seja possível desmilitarizar a polícia do Pará, até porque o treinamento no Exército é essencial para termos noções de hierarquia, além de maior capacidade de lidar com situações que envolvem o risco de vida", diz um capitão da 1ª Zpol, sediada na Seccional Urbana da Sacramenta. “Isso é importante, já que a violência não está dando trégua”, completa.

Outro PM de 28 anos, vinculado à mesma Zpol, sustenta opinião semelhante. "Querendo ou não, a hierarquia é essencial para o trabalho policial. A gente vê, por exemplo, os conflitos que os delegados de Polícia Civil têm com investigadores e escrivães, e isso é um sinal de que eles não têm noção de quem manda e quem obedece. O treinamento militar nos ensina muito disso, a aprender a respeitar os superiores e dar ordens de forma respeitosa aos subordinados", acredita.

Há, no entanto, quem considere o sistema de segurança pública “arcaico” e atrasado em relação ao de outros países. “De uns tempos para cá a situação melhorou porque os PMs buscam mais seus direitos, mas de forma geral tem muito abuso de poder, muita ‘politicagem’ dentro da polícia”, diz um cabo lotado no Comando de Policiamento da Capital (CPC). “É diferente, por exemplo, do que vemos nos Estados Unidos, que tem uma polícia unificada. Esse problema das patentes e das hierarquias excessivas é menor”.

Participante da pesquisa do Senasp, o cabo diz não ter economizado nas críticas ao atual sistema de segurança pública. Mesmo “votando” contra a desmilitarização da PM, ele diz reconhecer que a burocracia desnecessária e os resquícios do rigor militar mais atrapalham que ajudam. “Além de termos de obedecer a uma estrutura de ordem institucional arcaica, não podemos nos organizar em sindicatos, enquanto que a Polícia Civil possui o seu. É o reflexo de um cerceamento das instituições militares por conta do pós-ditadura, que há muito já devia ter sido ajustada”, disse o policial.

"O policial se sente cada vez menos motivado a exercer sua função"

É difícil elencar, em poucas linhas, os motivos para o grau de insatisfação apresentado pelos servidores de segurança pública no estudo da Senasp. Mas um dos indicadores aponta que a falta de qualificação é fator relevante: cerca de 90% dos PMs entrevistados disseram desejar mais cursos de formação e capacitação em segurança pública. A socióloga e mestre em ciência política Jane Melo ressalta que a falta de políticas de capacitação, quando aliada aos baixos salários – 78% dos participantes da pesquisa recebem salários inferiores a R$ 2 mil – e à falta de acompanhamento psicossocial dos servidores, tende a gerar serviços de segurança cada vez mais deficitários.

“A verdade é que observamos que o policial se sente cada vez menos motivado a exercer sua função. Por conta dos baixos salários ele procura ‘bicos’, corre sérios riscos, e na corporação, muitas vezes, é vítima de humilhações e represálias por motivos banais”, avalia. “Com a falta de investimento em capacitação e apoio psicológico, eles tendem a se tornar profissionais mais violentos, sendo, ao mesmo tempo, autores e vítimas dos mais variados tipos de crimes”, completa.

Junto à também socióloga Rosália Corrêa, Jane liderou uma equipe de profissionais das mais diversas áreas – advogados, antropólogos, cientistas políticos, assistentes sociais – durante a elaboração de um estudo avaliativo das condições do sistema de segurança pública no Pará. O trabalho, elaborado pela Universidade da Amazônia (Unama) em parceria com Universidade Federal do Pará (UFPA), Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e Ouvidoria do Sistema de Segurança Pública do Estado, baseou-se em dados relacionados a casos de violência envolvendo policiais civis e militares entre os anos de 1998 e 2001.

“Violência institucional” assola corporação

A metodologia da pesquisa se concentrou na avaliação de crimes associados a armas de fogo praticados por ou contra os policiais – muitos interpretados pela Justiça como “legítima defesa”. Sem precisar números, a socióloga aponta que se descobriu que boa parte destes crimes estão associados à má formação e às condições de trabalho dos policiais. “Constatamos, no período estudado, que muitos delegados iniciavam seu trabalho sem nunca ter participado de um curso de tiro, por exemplo; que os policiais civis passavam apenas seis meses em formação; e que os PMs da linha de frente – cabos, soldados e sargentos – são os menos preparados da corporação”, diz, frisando que o efetivo policial reduzido – 2,4 mil civis e 13,3 mil PMs em todo o Pará – é outro agravante.

O papel da chamada violência institucional, no entanto, figura como um dos problemas-chave da crise motivacional em corporações como a PM, segundo Jane Melo. “As violências associadas aos abusos de poder gerados dentro de corporações como a PM do Pará são uma realidade”, explica. “É uma inversão de valores, já que a base do trabalho da polícia militarizada é trazer ordem e segurança interna à sociedade a partir da ordem e da organização da corporação. O que vimos, a partir dos casos estudados, é que a hierarquia é usada como arma para promover humilhações, para exercer o domínio, e não para ordenar o policiamento”.

Mesmo assim, é fato que, ao contrário do que muitos pensam, a procura pela carreira de PM não se dá majoritariamente por falta de opção melhor. Cerca de 58% dos PMs e 50% dos policiais civis entrevistados não trocariam de profissão se pudessem “voltar no tempo”, segundo o estudo da Senasp. A maioria deseja se aposentar dentro da corporação. Eles encaram rotinas duras, sofrem ameaças e represálias, recebem salários aquém da média, mas têm apreço pelo que fazem. “É sinal de que, regra geral, não é motivação pessoal que falta para nossas polícias. Falta treinamento, motivação institucional e cumprimento dos regimentos à hora de pôr seu trabalho na prática”, analisa a socióloga.

Entenda a pesquisa

- A pesquisa "O que pensam os profissionais de segurança pública no Brasil" foi realizada nos meses de maio e abril deste ano pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD);

- Os dados serviram como base para as discussões da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg), transcorrida em Brasília (DF) no mês de agosto;

- O material pode ser acessado na seção de estatística do site do Ministério da Justiça (http://www.mj.gov.br) ou no site do PNUD (http://www.pnud.org.br/home);

- Participaram 64 mil agentes das polícias Civil (PC) e Militar (PM), dos Bombeiros Militares, das Guardas Municipais, dos centros de perícia e de sistemas penitenciários de todo o país, selecionados via amostragem;

- Eles responderam a um questionário de cerca de 40 perguntas via e-mail, enviado por meio do sistema de educação à distância da Senasp;

Dados do estudo por tema

1) Desejo de mudança

- Apenas 15% dos policiais militares brasileiros defendem a manutenção do atual modelo de polícia. 77% querem mudanças urgentes;
- Nas polícias civis brasileiras, 56,4% dos delegados e 51,2% dos agentes desejam mudança. O que resulta em um total de 51,9% dos policiais civis no lado pró-mudanças;
- Somando todos os profissionais da segurança (policiais, bombeiros, guardas municipais, agentes penitenciários), 69,8% desejam mudança no sistema de segurança brasileiro;

2) Unificação de polícias e desmilitarização

- Para 60% dos entrevistados, a vinculação da PM ao Exército é inadequada;
- Somente 20% aprovam o modelo dualista de polícia (civil investigativa e militar ostensiva);
- 42,1% dos PMs não-oficiais (soldados, cabos, sargentos e subtenentes) são a favor da unificação da PC e PM;
- 18,8% desses PMs, no entanto, manteriam a militarização na polícia unificada. Entre os oficiais, o índice pró-unificação não passa de 15,8%;
- No total, 34,4% dos participantes aprovariam uma unificação entre PC e PM, sendo a nova polícia de caráter civil;
- Outros 15,4% preferem a unificação em caso de a corporação unificada ser militarizada;

3) Condições de trabalho

- 53,9% dos participantes da pesquisa já dizem já ter sido vitimados por humilhação e desrespeito por parte de superiores;
- A grande maioria dessas vítimas pertence à PM, onde o sistema de patentes fomenta estruturas hierárquicas;
- 20,5% dos respondentes da amostra relataram ter sofrido tortura (física ou psicológica) dentro do ambiente de trabalho;
- 41,8% disseram já ter sofrido ameaça por parte de pessoas suspeitas ou condenadas por atividade criminosa;
- 81% dos PMs entrevistados acreditam que "há muito rigor em questões internas e pouco rigor em questões que afetam a segurança pública”;
- 90% dos PMs entrevistados desejam qualificação profissional constante;
- 65,2% dos PMs dizem que “há um número excessivo de níveis hierárquicos em sua instituição”.