domingo, 30 de agosto de 2009

Crimes a toda hora, em qualquer lugar

Violência já faz parte do dia a dia de quem vive no centro de Belém


GUTO LOBATO
Da Redação

Fotos de Antônio Silva, Igor Mota e Divulgação

(Jornal Amazônia - Edição de 30/08/09)

Tiroteios em plena luz do dia, sequestros relâmpago, execuções sumárias no meio da rua, assaltos com reféns e perseguições dignas de roteiro cinematográfico. Cenas como essa já fazem parte do cotidiano de quem vive na periferia das cidades brasileiras, mas, de uns tempos para cá, têm gerado temor entre os moradores das zonas centrais. Em Belém, não é diferente: difícil é encontrar lugares em que a violência não tenha dado as caras na forma de alguma modalidade criminosa. O reduzido efetivo policial – há cerca de 1,1 mil policiais civis e 2,2 mil militares para cobrir toda a capital paraense –, aliado ao aumento da marginalidade, faz com que bairros como Umarizal, Campina, São Brás, Batista Campos e Nazaré se tornem, também, alvos da ação constante de bandidos.

Duas ocorrências que resultaram em mortes na região central de Belém, transcorridas ao início da semana passada, bem evidenciam isso. No domingo, 23, um homem identificado como Carlos Sérgio Gomes dos Santos foi morto a tiros no cruzamento da rua Oliveira Belo com a avenida Alcindo Cacela, no Umarizal. Ele trafegava em alta velocidade em uma motocicleta, provavelmente fugindo dos autores dos disparos. A situação causou ainda mais polêmica por conta do horário: 14h.

Como se não bastasse, o amanhecer do dia seguinte, 24, também foi marcado por troca de tiros e um baleamento na rua Brás de Aguiar, no bairro de Nazaré. Três assaltantes invadiram o restaurante Spazzio Verdi, por volta de 6h, mantiveram vários funcionários reféns e trocaram tiros com a Polícia Militar (PM) enquanto os moradores da vizinhança se preparavam para mais uma semana de trabalho. Depois de muita confusão, um dos bandidos acabou baleado e morreu horas depois no Pronto Socorro Municipal da 14 de Março.

São apenas alguns exemplos do longo histórico de violência que os bairros da zona central tem construído nos últimos anos (veja quadro). As seccionais urbanas do Comércio e de São Brás, responsáveis pela segurança de boa parte dessa área, têm tido dificuldade em lidar – leia-se prender, autuar e manter bandidos sob custória – com a migração do crime para o coração da capital. O relatório lançado ao início deste ano pelo Sistema Integrado de Segurança Pública (Sisp), referente a 2008, sinaliza o problema: fora o aumento global nas ocorrências registradas em Belém e na Região Metropolitana, houve uma mudança no ranking de bairros mais problemáticos.

Fora Guamá, Jurunas e Coqueiro, áreas problemáticas que sempre figuraram no topo e têm entre 5 e 7 mil ocorrências registradas em suas delegacias e seccionais em 2008, entraram na “lista negra” dois bairros outrora considerados pacatos: Campina e Pedreira. Ambos registraram mais de 5 mil ocorrências cada durante 2008 – quase o mesmo número que o Guamá, por exemplo, havia ostentado em 2007. E o pior: apesar de majoritariamente ligadas a roubos, muitas dessas ocorrências resultam em reféns, feridos e até mesmo mortos.

PM reconhece aumento, mas destaca combate


Comandante da 6ª Zona de Policiamento da PM – que cobre os bairros Cidade Velha, Campina, Umarizal e Reduto –, o capitão Vicente Neto reconhece que houve aumento na criminalidade no centro da capital. Um balanço feito pela PM na área dos quatro bairros, referente ao mês de agosto, confirma que, de 33 ocorrências na semana de 17 a 23 de agosto em 2007, o número saltou para 105 no ano passado. Em 2009, no entanto, houve queda para 57 ocorrências no mesmo período. “Sozinha, a Campina acumulou 58 ocorrências em 2008 na semana de agosto que analisamos. Agora, em 2009, tivemos número pouco menor para toda nossa área de cobertura. É sinal de que o policiamento está conseguindo coibir os crimes menos graves e, ao mesmo tempo, fazer a prevenção de delitos de maior complexidade”, acredita o PM.

Mesmo com a predominância do crime de roubo, o capitão Vicente chama a atenção para ocorrências mais sérias registradas com frequência na zona central, como assaltos com reféns e sequestros relâmpago. “No caso da Campina, há muitos casos de assaltos a lojas e estabelecimentos que têm reféns, já que é uma área em que circula muito dinheiro. No Umarizal e Reduto, os sequestros relâmpago são frequentes por essas serem áreas de grande poder aquisitivo, visadas pelos bandidos”, afirma. “Para coibir isso, trabalhamos com policialmento velado (à paisana), com o serviço de inteligência e com patrulha motorizada, além de mapear pontos e horários de maior risco para centralizar o policiamento ostensivo”, diz o comandante da 6ª Zpol.

Sequestro relâmpago e assalto são crimes típicos no centro

Os assaltos à mão armada e os sequestros relâmpago são os principais inimigos de quem trafega pelo centro de Belém à noite. Cada vez mais frequentes em bairros como Umarizal, Nazaré e Reduto, detentores das maiores renda per capita de Belém, os sequestros são considerados crimes difíceis de prevenir pela própria polícia; têm relação direta com a migração de bandidos da periferia ao centro, no intuito de esvaziar contas bancárias, utilizar veículos em assaltos e até praticar violência contra suas vítimas. “É preciso tomar muito cuidado com os sequestros, estar atento à hora de entrar no carro, até porque os criminosos vêm de outras áreas para praticá-los e tendem a levar suas vítimas para outros lados da cidade”, explica o capitão Vicente.

O pânico do momento foi um dos motivos que levou uma médica residente no Umarizal, que prefere não se identificar, a reagir contra uma tentativa de sequestro relâmpago em 2005. Ela trafegava em um veículo particular na travessa Rui Barbosa, próximo à esquina com a avenida José Malcher, em Nazaré, quando foi abordada por um jovem armado. Às 17 horas de um domingo. Assustada ao ser empurrada para dentro do carro à hora em que foi entregar-lhe as chaves, a vítima avançou na direção do assaltante, deu uma cabeçada nele e conseguiu fugir. “É algo que eu nunca faria de novo”, diz ela, que já foi assaltada outra vez à porta de um consultório que tinha na rua Apinagés, no bairro do Jurunas.

Uma advogada residente no bairro da Campina, que também prefere não ser identificada, já foi vítima de pelo menos três ações de bandidos desde 2006 – todas no centro da cidade. A primeira foi um sequestro relâmpago, na Campina. “Estava na esquina da Arcipreste Manoel Teodoro com a Gama Abreu, perto da Praça da República, quando um homem se jogou no meu carro, que estava quase parado. Disse que eu o tinha atropelado, que era estivador e não ia conseguir trabalhar pois seu corpo doía. Ingenuamente, abri a porta do carro para ajudá-lo. Ele me empurrou para dentro, pôs uma chave de fenda na minha garganta e me mandou dirigir. Fui até a Almirante Barroso”, conta.

“Ele puxou meu brinco, doeu muito. Comecei a gritar e falar um monte de coisa para ele, sem pensar no perigo. A sorte foi que um cobrador de ônibus viu a movimentação dentro do meu carro, que não tinha película, já na esquina da Almirante Barroso com a Antônio Baena, e o cara fugiu. Nem imagino o que ele queria fazer comigo”, diz a advogada. De lá para cá, ela foi alvo de dois assaltos: no mais recente, um homem tentou puxar seu cordão na avenida Presidente Vargas, em plena hora do rush. No outro, teve um revólver apontado contra sua cabeça e a bolsa roubada. Ela estava acompanhada de uma amiga e tinha acabado de sair de um bar na rua Benjamin Constant, próximo à Brás de Aguiar, por volta de 3h. “Foi de madrugada, mas em uma área que se acreditava ser segura”, diz. Hoje, a jovem diz tomar cuidados especiais para sair de casa.

Associações encaminham demandas da população ao poder público

Não é só com medidas da polícia que a criminalidade vem sendo combatida na zona central de Belém. A população de bairros como Cidade Velha e Umarizal tem se organizado em torno de associações, no intuito de cobrar soluções do poder público e expor os problemas vividos no local. O caso da Associação dos Moradores, Empresários e Profissionais Liberais do Umarizal (Umari), é marcante: depois de registrar quatro assaltos em menos de três meses, o dono de um escritório de advocacia situado na rua Dom Romualdo de Seixas decidiu reunir com os vizinhos para discutir a criminalidade do bairro. Estes logo contaram histórias semelhantes. Conclusão: percebeu-se que o Umarizal havia se tornado um ponto de assaltos na área nobre da capital. Só na rua do advogado, quinze assaltos semelhantes haviam ocorrido a casas, lojas, empresas e até a condomínios.

Diretor atual da Umari, o representante comercial André Cayuela diz que a associação está em fase de registro no cartório, mas já se reune periodicamente com as polícias Militar e Civil desde julho deste ano. Com cerca de 40 membros, o grupo é formado por pessoas que vivenciaram ou já ouviram falar de casos de violência no bairro, antes tido como uma das poucas áreas seguras da capital. “Cobramos não somente o aumento do efetivo policial no bairro, como também melhorias na iluminação pública, na reordenação especial. Todas questões ligadas à redução dos índices de violência”, afirma. Outra demanda defendida pela Umari é a criação de uma delegacia de Polícia Civil no bairro. Moradores interessados em se filiar à associação podem entrar em contato pelo e-mail umari.umarizal@gmail.com ou pelo telefone (91) 9981-9033.

Criação de novas unidades não está nos planos da Polícia Civil



No que depender da Polícia Civil, por sinal, o desejo de moradores do Umarizal terem uma nova delegacia ou seccional à sua disposição ainda vai demorar para ser realizado. Isso porque, conforme explica o delegado Paulo Tamer, diretor de Polícia Metropolitana (DPM) da Polícia Civil do Estado, o plano que o sistema de segurança pública pretende aplicar em Belém não tem o foco na construção de novas unidades. “Hoje, com o efetivo que temos, não dá para construir mais delegacia. Não está em nossos planos. Temos 1,1 mil homens para mais de 30 unidades policiais. O correto seria termos pelo menos o dobro deste número”, afirma. “Por isso, nossos investimentos estão concentrados em concursos (o mais recente, referente a todo o Estado, teve inscrições encerradas no domingo passado) para aumentar o efetivo. Só depois é que poderemos pensar na necessidade de mais delegacias, senão teremos ‘elefantes brancos’ sem ninguém trabalhando dentro”, conclui Tamer.

Em relação aos casos registrados recentemente no centro da capital, o diretor de Polícia Metropolitana reconhece que não há como ignorar a crescente na violência; porém, chama a atenção para as operações que têm resultado em mais criminosos atrás das grades. “Dizer que os problemas não aumentaram é mentira. Mas nossas operações têm respondido na mesma moeda. Em 2007, havia 130 presos custodiados em seccionais e delegacias de Belém, sendo que hoje esse número fica entre 460 e 500. É um número bruto, claro, mas mostra que combatemos a criminalidade, não importando qual a região da cidade”, afirmou. “Mas sempre friso que o problema não vai ser solucionado somente com mais policiamento, mais cela. A insegurança é produto de uma sequência de erros, que vai desde a falta de políticas públicas até a ausência do Estado na ressocialização do infrator”, conclui Paulo Tamer.

Ocorrências em alguns bairros centrais de Belém (comparativo 2007-2008-2009)
Período: Uma semana (17 a 23 de agosto)
Fonte: 2ª e 6ª Zpol/PM


Cidade Velha
2007: 9
2008: 21
2009: 14

Campina
2007: 12
2008: 58
2009: 27

Reduto
2007: 2
2008: 2
2009: 0

Umarizal
2007: 10
2008: 24
2009: 16

São Brás
2007: 14
2008: 68
2009: 28

Nazaré
2007: 6
2008: 17
2009: 8

Dicas de segurança

- Evite sacar grandes quantias em dinheiro de caixas eletrônicos expostos, principalmente à noite;
- Não estacione o carro em ruas escuras e pouco movimentadas;
- Olhe para os lados antes de entrar ou sair do veículo. E seja rápido ao entrar nele e ligar o motor;
- Não reaja a assaltos, tampouco tente intervir quando ver um. O correto é acionar a polícia pelo Disque 190;
- Evite conduzir de vidros abertos após as 20h;
- Evite andar a pé em ruas vazias sozinho de madrugada;

Casos policiais recentes da região central de Belém

12 de dezembro de 2008 – Tentativa de assalto com homicídio

O médico cardiologista Salvador Nahmias, 54 anos, foi assassinado às 13h na esquina das ruas Riachuelo e Campos Sales, no bairro do Comércio. Ele não resistiu a um tiro na perna durante uma tentativa de assalto no estilo “saidinha” – após a vítima sacar dinheiro no banco, os bandidos a seguiram. O médico sangrou até morrer dentro do carro, na esquina das ruas João Diogo e São Pedro. Os autores do crime fugiram sem roubar nada.

7 de janeiro de 2009 – Tentativa de assalto com homicídio

O procurador da Prefeitura Municipal de Belém (PMB) Marcelo Castelo Branco foi morto às 19h40 na esquina da avenida Alcinda Cacela com a rua Boaventura da Silva, no bairro do Umarizal. Ele foi baleado na cabeça por bandidos que fugiam de um assalto a uma farmácia e tentaram entrar em seu carro. Um dos assaltantes também morreu na hora ao trocar tiros com a PM.

3 de julho de 2009 – Assalto com reféns

Um assalto com reféns no bairro da Campina envolveu Augusto Bessa, 47 anos, Edinalva Bessa, 44, e o filho do casal, todos naturais de Macapá (AP). Eles viraram reféns de Evandro Modesto das Chagas, 19 anos, e Silas Robert Ferreira Cardoso, 20 anos. Os assaltantes abordaram a família, que vinha de carro pela rua Tiradentes, às 16h, entraram no veículo e fizeram-na refém assim que a PM os interceptou, na esquina da Presidente Vargas com a Marechal Hermes. Por sorte, a situação foi contornada e ninguém ficou ferido.

16 de julho de 2009 – Tentativa de assalto com morte

O assalto a uma joalheria localizada na esquina da rua Manoel Barata com a travessa Campos Sales, no bairro da Campina, resultou em troca de tiros, baleamento e, por fim, na morte de Ozimar Barbosa Guedes, dias depois. O assalto começou na joalheria e acabou na sede do Ministério Público do Estado (MPE), no entorno da praça Felipe Patroni. Ozimar era um dos assaltantes e trocou tiros com a PM na frente do órgão.

6 de agosto de 2009 – Assalto com homicídio

Um segurança do Supermercado Nazaré 24 horas da avenida avenida Duque de Caxias, no bairro do Marco, foi morto com um tiro no olho durante um assalto por volta de 21h40. O supermercado estava lotado por clientes quando dois assaltantes – o autor dos disparos era um adolescente de 17 anos – chegaram ao local para levar o dinheiro recolhido nos caixas.

23 de agosto de 2009 – Homicídio

Interceptado por dois homens em uma perseguição, Carlos Sérgio Gomes dos Santos foi morto a tiros, às 14h, na esquina da avenida Alcindo Cacela com a rua Oliveira Belo, no bairro do Umarizal. A vítima conduzia uma motocicleta em alta velocidade. De acordo com informações de moradores do local, Carlos havia acabado de abandonar a moto e começado a fugir a pé quando levou os tiros.

24 de agosto de 2009 – Tentativa de assalto com morte

Um assaltante foi morto a tiros durante um assalto ao restaurante Spazzio Verdi, localizado na avenida Brás de Aguiar, no bairro de Nazaré. A investida dos assaltantes ocorreu por volta de 6h, quando o estabelecimento se preparava para abrir para o café da manhã. Além de fazer mais de dez pessoas reféns, os bandidos trocaram tiros com a PM. Pelo menos sete disparos foram ouvidos pela população durante o confronto.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Abuso sexual no Pará: cultura do obsceno ou reflexo do abandono?


Crimes sexuais contra a criança e o adolescente persistem no estado. Além de acelerar processos, investigação aberta em CPI da Assembleia Legislativa do Estado motiva aumento nas denúncias e ajuda a ampliar debate sobre formas de erradicar abuso.

Por Guto Lobato
(Matéria originalmente produzida para a edição de junho da revista Via Pará, porém não publicada devido ao fechamento da publicação)

Nos últimos meses, parlamentares do Legislativo paraense têm voltado olhares para um assunto polêmico e que sempre figurou, mesmo que de forma velada, em rodas de discussão e investigações de todas as esferas do estado. Com a instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia em janeiro passado na Assembleia Legislativa (Alepa), as denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes voltam a ter os holofotes voltados para si. Fato inédito e oportuno, que ajuda autoridades públicas a traçar com mais precisão o mapa deste tipo de crime no Pará – estado que está em quarto no ranking de denúncias, segundo dados do Governo Federal.

Com mais de 1,2 mil denúncias registradas de 2003 até janeiro deste ano no telefone Disque 100 – número em que podem ser relatadas violências de toda ordem, desde o abuso até o tráfico de pessoas e a exploração sexual comercial –, o Pará figura como um dos estados mais problemáticos no que tange à garantia de direitos da criança e do adolescente. Não é diferente com os casos de abuso sexual. Além das dificuldades comuns a vários estados brasileiros, como a falta de acesso à informação, a ausência de políticas públicas e o “abafamento” dos casos, ainda há um fator cultural que agrava a questão no Pará: a relativa aceitação e facilidade em ocultar a prática, principalmente no interior.

O fato de uma CPI local ter sido instaurada (há uma no Senado em curso deste o ano passado) já trouxe resultados. Em pouco mais de três meses, mais de 1,1 mil denúncias foram recolhidas pela Alepa, entre casos já protocolados na Justiça, mas que não iam adiante, e outros cuja divulgação foi motivada pela presença constante do assunto na mídia. Da mesma forma, o Centro Integrado de Atenção a Vítimas de Violência Sexual (Pró-Paz), do Governo do Estado, tem registrado, desde janeiro deste ano, de 8 a 10 denúncias por dia, contra a média de 5 casos/dia dos anos anteriores.

Denúncias envolvendo figuras públicas, como o deputado estadual Luiz Seffer (sem partido) e o irmão da governadora Ana Júlia Carepa (PT), João Carepa, têm de fato encorajado vítimas de abuso a recorrer às entidades responsáveis e expor seus dramas de forma mais intensa. A expectativa na Assembleia Legislativa é que até 9 mil denúncias tenham seus trâmites acelerados até o final da CPI. Mas, em meio a tantos esforços, fica a pergunta: até quando o abuso sexual persistirá assombrando famílias no Pará? Quais fatores dificultam sua erradicação e como revertê-los?

A reportagem ouviu especialistas para conhecer a fundo a questão. Há divergências entre posições do governo e de entidades não-governamentais, mas os consensos prevalecem. Um deles é a natureza silenciosa do crime de abuso sexual. Estima-se que mais de 70% dos casos ocorram dentro de casa, praticados por familiares do sexo masculino contra crianças e adolescentes – 85% destes do sexo feminino – de todos os estratos socioeconômicos. A grande maioria das vítimas sequer chega a denunciar, já que represálias e ameaças por parte do abusador são constantes. Muitos casos, portanto, ficam restritos ao ambiente doméstico, com o conhecimento – e até consentimento – dos demais membros da família.

A ausência de políticas públicas também dificulta o combate ao abuso sexual, principalmente no interior. Por conta disso, as estatísticas registradas no Disque 100 e em órgãos como o Pró-Paz (que só possui sede em Belém) estão permanentemente desatualizadas, geralmente pondo à frente da frequência de denúncias municípios como Belém, Ananindeua, Marituba e Benevides – todos pertencentes à Região Metropolitana da capital. Mas eles não representam a totalidade da faixa de abrangência do crime, que também atinge regiões distantes da capital como a do Marajó e do Baixo Amazonas. “Por isso dizemos que os dados registrados não são reais. Eles indicariam que a maior incidência de abusos é na área da capital, por exemplo, mas isso, sabe-se, não é verdade. Há pontos em que o Estado nem sempre se faz presente, e a falta de entidades responsáveis e informação sobre a prática resultam em um subregistro que só dificulta sua erradicação”, pondera a assistente social Eugênia Fonseca, coordenadora do Programa Pró-Paz.

A sensação de impunidade que resiste às campanhas nacionais de erradicação do abuso sexual possui raízes históricas e culturais no Pará. Em algumas regiões, a falta de informação e de acesso a Conselhos Tutelares e entidades de proteção aos direitos da infância e juventude faz com que muitas famílias convivam com o crime sem fazer maior alarde. A assistente social Karina Gama, pertencente ao projeto Jepiara, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente/Movimento República de Emaús (Cedeca/Emaús), conta ter vivenciado situações deste tipo enquanto trabalhava em um programa de erradicação do abuso no interior do estado.

Pode parecer perturbador, mas Karina chegou a atender famílias que não possuíam discernimento sobre a gravidade do crime praticado contra suas crianças e jovens, vendo-os como “normais”. “No interior, a falta de informação gera percepções perturbadoras sobre a violência sexual. Há casos em que o pai abusa da filha e não só ele, como a própria mãe desta criança, veem a situação como normal”, relata. “Nos casos em que a mãe entende a gravidade desta prática, ainda há a chance de ela não denunciá-la por medo de represálias ou por conta da dependência financeira em relação ao marido”, completa.

A mesma opinião é compartilhada pelo diretor de cidadania e direitos humanos da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) Luiz Romano. “Não é difícil você encontrar casos de abuso sexual em que o pai diga que queria ser o primeiro a fazer sexo com a filha de dez anos. Isso resulta da falta de informação sobre a gravidade do crime de abuso sexual, assim como da existência de uma certa tolerância cultural em relação à prática”, avalia. “Junte-se isso à imensa rede da exploração sexual e tráfico de crianças e adolescentes que existe no Pará, e vemos que há um problema de natureza ética e socioeconômica que resulta no total desrespeito aos direitos da infância e juventude previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). São questões relacionadas, que precisam ser combatidas pela raiz”.

Pedofilia não é crime, e sim transtorno de comportamento

Ainda há muita confusão na terminologia aplicada aos crimes de abuso sexual. A própria CPI da Pedofilia não deveria ser denominada como tal, já que “pedofilia” é um termo associado a um desvio sexual pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Criminosa é a prática de ato lascivo/libidinoso ou de corrupção de menores, que infringe o Código Penal (artigos 213, 217, 218, 227, 228, 233 e 234) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, artigos 232, 241, 232 e 243) – geralmente o abuso é enquadrado na Justiça como estupro ou atentado violento ao pudor. Além disso, nem todo abusador é pedófilo por excelência: em muitos casos, o crime de abuso é cometido mais pela vulnerabilidade da vítima que pela atração sexual primária – leia-se preferencial – do abusador por crianças e adolescentes.

As características que diferenciam o abusador convencional do pedófilo transparecem, inclusive, em sua forma de abordar as vítimas, conforme explica a coordenadora do Pró-Paz Eugênia Fonseca. “O comportamento do pedófilo é muitas vezes diferente daquele que caracteriza quem comete abuso sexual intrafamiliar, por exemplo. O pedófilo manifesta seu interesse pela criança de forma diferente, busca se aproximar dela e conquistar a confiança de seus familiares, muitas vezes equiparando-se à sua vítima em hábitos e preferências, enquanto que o abusador possui traços agressivos e opressores, ameaçando a vítima frequentemente”, explica a assistente social.

Para a medicina forense, a pedofilia está incluída como um “transtorno de personalidade e de comportamento”, segundo o psiquiatra e psicanalista Edilberto Maia. Os fatores que influem na configuração do distúrbio – que, eventualmente, pode definir o comportamento de acusados de abuso sexual – podem ser vários, desde problemas na atividade cerebral do indivíduo até o ambiente em que ele estrutura sua personalidade. “Hoje, com a evolução da psiquiatria biológica, sabe-se que existe uma região no cérebro responsável pela afetividade, e algumas pessoas nascem com um defeito. É como se ela estivesse desconectada”, explica. “Outro fator é o ambiente. Quem foi espancado, sofreu agressões graves, foi violentado ou abusado sexualmente tem mais chance de, na vida adulta, vir a se tornar pedófilo”, completa.

Segundo ele, ainda, os números que associam a maioria dos abusos contra a criança e o adolescente ao ambiente doméstico correspondem à natureza psicossocial do distúrbio. “A verdade é que a família tende a vivenciar casos de pedofilia se houver algum desajuste na estrutura de personalidade de um desses pais ou de ambos. Geralmente, homens molestam sexualmente seus próprios filhos pré-púberes e, surgindo a oportunidade, também seduzirão outras crianças fora do espaço familiar”, encerra o psiquiatra.

Pará é o quarto estado em denúncias por habitante no Brasil

Há sete anos sob a responsabilidade da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), da Presidência da República, com o apoio da Petrobras e do Centro de Referência, Estudos e Ações Sobre Crianças e Adolescentes (Cecria), o Disque Denúncia tem contabilizado um crescimento vertiginoso no número de notificações de violência em solo brasileiro. De 2003 até janeiro deste ano, a média de casos relatados por dia no Brasil subiu de 12 para 89 (ano de 2008), o que indica os efeitos de uma extensa campanha de combate à violência contra a infância e juventude. Das 87 mil denúncias encaminhadas pelo serviço ao longo de sete anos, 31% são de violência sexual, dos quais, por sua vez, 57% são de abuso sexual. Logo atrás, vêm os casos de exploração sexual (antes denominada “prostituição infantil”), com cerca de 40%.

Os dados que existem sobre o Pará denotam igual aumento. Apesar de não figurar entre os líderes regionais no número absoluto de denúncias, o estado fica em quarto lugar no ranking das denúncias por grupo de 100 mil habitantes no território federal, assim como a região Norte em geral (veja quadro). Vale lembrar que, dois anos atrás, ele era o décimo segundo estado nas mesmas estatísticas. Segundo o diretor de cidadania e direitos humanos da Sejudh Luiz Romano, isto não indica um aumento nas ocorrências de abuso, e sim a maior conscientização por parte de quem o testemunha. “Hoje, as pessoas têm menos medo de denunciar a violência sexual. Mesmo um vizinho já tem coragem de ligar ao ver um pai abusar de sua filha. Para nós, portanto, ver o Pará no topo das denúncias pode ser um bom sinal, um sinal de conscientização”, acredita.

O mapa da violência contra crianças e adolescentes no Brasil

- A cada dia, 165 crianças e adolescentes são vítimas de violência sexual no Brasil – a maioria dentro de casa. Dados do Disque Denúncia apontam mais de 87 mil denúncias entre 2003 e 2009; 31% delas são de violência de natureza sexual. Destas, 57% se referem a abusos sexuais e 40% à exploração sexual;

- Os estados que lideram em denúncias são, à exceção do Maranhão (MA), situados nas regiões Norte e Centro-Oeste, líderes em número de denúncias para cada 100 mil habitantes;

- As regiões que registram a maioria dos casos por grupo de habitantes são o Centro-Oeste (65 denúncias para cada 100 mil habitantes) e o Norte (59 denúncias/100 mil hab.). A região que tem o menor número proporcional de denúncias por habitante é o Sudeste (36 por 100 mil hab.);

Estados que mais denunciam no Brasil
Fonte: Secretaria Especial de Direitos Humanos/ Presidência da República

1 - Distrito Federal (DF)
2 - Mato Grosso do Sul (MS)
3 - Maranhão (MA)
4 - Pará (PA)
5 - Amazonas (AM)

Denúncias nas regiões brasileiras
Fonte: Secretaria Especial de Direitos Humanos/ Presidência da República

1. CENTRO-OESTE: 65,42 denúncias/ 100 mil habitantes
2. NORTE: 59,43 denúncias/ 100 mil habitantes
3. NORDESTE: 56,33 denúncias/ 100 mil habitantes
4. SUL: 43,51 denúncias/ 100 mil habitantes
5. SUDESTE: 36,23 denúncias/ 100 mil habitantes

- No Pará, o tipo de violência mais frequente ainda é a violência física e psicológica, com 2.580 casos registrados entre 2003 e 2009. O abuso sexual figura em terceiro lugar, com 1.215 denúncias;

Tipos de denúncias no Pará (2003-2009):
Fonte: Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh)

1. VIOLÊNCIA FÍSICA E PSICOLÓGICA – 2.580 casos
2. NEGLIGÊNCIA – 2.422 casos
3. ABUSO SEXUAL – 1.215 casos
4. EXPLORAÇÃO SEXUAL COMERCIAL – 844 casos
5. TRÁFICO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES – 22 casos
6. PORNOGRAFIA – 19 casos

Entrevista: Arnaldo Jordy


“Vamos manter a cobrança sobre os órgãos de Justiça competentes”

Com mais de 30 anos de carreira política no Pará – boa parte deles na Câmara Municipal dos Vereadores de Belém – e atualmente na Assembleia Legislativa do Estado (Alepa), o deputado estadual Arnaldo Jordy (PPS) é relator da CPI da Pedofilia e figura recorrente na Casa durante as sessões dedicadas à investigação de casos de abuso contra crianças e adolescentes. Em entrevista exclusiva, o parlamentar fala dos principais resultados que se pretende alcançar com a CPI, além de comemorar o aumento nas denúncias após sua instauração e criticar a falta de políticas públicas de proteção social. Quanto ao prazo para o fim das investigações – que inicialmente durariam 120 dias, mas já foram prorrogadas –, Jordy é enfático: “Se ainda faltar algum detalhe, algum caso que seja, vamos pedir mais tempo”:

O que vocês desejam com a CPI da Pedofilia na Alepa? Acelerar os processos já protocolados na Justiça ou incentivar a denúncia de novos casos de abuso sexual?

Não há foco principal. Estamos trabalhando em cima de três metas: primeiro, mostrar à sociedade a escala, o tamanho e a gravidade deste tipo de crime. Muitas vezes, não temos a menor ideia do quanto ele é comum e, às vezes, aceito. Só em Belém, por exemplo, nos últimos cinco anos, há uma média de 900 casos/ano, e isso porque esse é o crime mais dificil de ser denunciado, até pelo constrangimento social e moral – não tem testemunha e, dificilmente, tem flagrante em caso de abuso sexual. O Estado não consegue combatê-lo sem o consenso e colaboração da sociedade civil, é preciso que haja a denúncia anônima, a repercussão.

Além disso, a CPI tem o sentido de cobrar da Polícia Civil, do Poder Judiciário, dos Ministérios Públicos e quem mais lidar com estas denúncias um grau maior de celeridade, porque o que hoje se vê é uma letargia, quase que uma conivência com os autores dos abusos. Quanto maior o grau de influência das figuras envolvidas, mais difícil e lento é o processo de apuração. Há quem compre delegado e juiz, infelizmente isso acontece e tem de acabar.

E por terceiro e último, queremos concluir essa CPI com a certeza de que o Estado se aperfeiçoou na proteção de vítimas de violência sexual. É inaceitável, por exemplo, que o Pró-Paz, principal programa do Governo do Estado, só funcione de segunda a sexta, até as 19h, se a maioria dos crimes ocorre à noite. O Pró-Paz não tem nenhuma sede no interior do Estado. Ao menos nos municípios-pólos deveria ter. Também não temos uma delegacia especializada em abuso sexual de crianças e adolescentes no Pará. É difícil conseguir algo sem que o Estado atue de forma mais enérgica no sistema de proteção.

Vocês têm saído da capital e acompanhado os casos do interior?

Temos feito viagens frequentemente, e essa é uma meta para que a CPI tenha o âmbito que merece. Já fomos a Altamira, Itaituba, Breves e Portel, mas a intenção é ir a todos os municípios paraenses onde houver denúncias, contemplando pelo menos os municípios-pólos.

Quantas denúncias vão ser investigadas durante a CPI?

É difícil precisar, até porque todo dia chega denúncia aqui na Assembleia, mas creio que vamos chegar ao final dessa CPI com entre 8 e 9 mil casos registrados e analisados – todos referentes aos últimos anos.

As denúncias envolvendo figuras públicas ajudaram a conferir visibilidade à questão do abuso sexual. Mas o tratamento dado a elas será igual, também, na hora de investigar?

Ainda é muito comum haver a sensação de impunidade nos processos judiciais, mas nós não podemos aceitar que o criminoso de invasão seja condenado sumariamente e o cara que tem carro do ano, conta bancária fora do Brasil e mandato político fique sem pagar pelo crime que cometeu. Não é porque o cara é irmão da governadora ou membro da Assembleia Legislativa que a CPI vai ter qualquer tipo de conivência. A ordem, aqui, é investigar e, se necessário, exigir a punição sumária de todos.

E no que tem resultado a CPI até agora?

Como eu disse: todo dia tem gente vindo denunciar casos a nós. A visibilidade da CPI está trazendo resultados ótimos. A gente agradece de antemão aos órgãos de imprensa, à sociedade e às entidades pelo apoio integral, muita gente tem se encorajado por conta do foco que o tema ganhou em nosso Estado. O caso do irmão da governadora (João Carepa) foi assim. A menina que foi abusada estava no culto, aí, por acaso, o pastor resolveu falar sobre o assunto. No retorno para casa, a criança foi pensando naquilo e nos assuntos que ouvia falar todo dia: a CPI, as acusações, as investigações. Ela chegou em casa, contou pra mãe que estava sendo abusada e o caso veio para nós.

Vocês pretendem ver todos os culpados punidos? Até quando?

Olha, isso não depende da Assembleia Legislativa, depende do Poder Judiciário. O resultado da CPI vai ser encaminhado ao Senado [onde também transcorre uma CPI da Pedofilia], aos Ministérios Públicos, ao Judiciário como um todo e também às ONGs e sociedades ligadas ao combate do abuso sexual contra crianças e adolescentes. Daí em diante, fica a cargo da Justiça avaliar cada situação. Mas, mesmo após o término da CPI, vamos manter a cobrança sobre os órgãos de Justiça competentes, até para que estes casos não “desapareçam” sem deixar rastros. A intenção é que todos tenham um desfecho justo.

Por quanto tempo ainda haverá CPI da Pedofilia na Assembleia Legislativa?

O quanto sentirmos que ela precisa ser prorrogada, vamos levá-la adiante. A CPI, inicialmente, foi criada com o prazo de 120 dias, mas vamos programar por mais 60, no mínimo, e se ainda faltar algum detalhe, algum caso que seja, vamos pedir mais tempo.

Alguns casos marcantes – e chocantes

- O abuso sexual contra jovens tem tradição nas manchetes da imprensa internacional. Casos envolvendo figuras públicas e anônimas e famílias das mais variadas origens e classes socioeconômicas chocam a opinião pública por seus requintes de crueldade – e, também, longevidade, principalmente quando o crime ocorre dentro de casa. Anos (às vezes décadas) de clausura, violência física, estupros, ameaças e até mesmo filhos gerados de relações incestuosas – como foi o recente caso do austríaco Josef Fritzl – compõem o quadro perturbador em que se encaixam alguns casos recentes. Conheça alguns deles:

• Índia, 19 de março de 2009

Em março passado, um empresário indiano do ramo automobilístico foi preso em Mumbai, Índia, sob a acusação de ter abusado da filha durante nove anos seguidos, de 2000 até o início deste ano.

A polícia local apurou que o abusador, cuja identidade não foi revelada, teria praticado tais atos após receber conselhos de um amigo dotado de “poderes espirituais” – a prática de relações sexuais com a garota, que tinha 14 anos ao início dos abusos, iria ajudar o empresário a se reerguer.

Descobriu-se, posteriormente, que a outra filha do acusado foi violentada pelo tal “curandeiro” pelo mesmo motivo. A esposa do empresário também acabou atrás das grandes, sob a suspeita de ter sido cúmplice.

• Itália, 28 de março de 2009

A polícia italiana prendeu, em março, após meses de investigações, os vendedores Michele Mongelli, 64 anos, e seu filho Giuseppe, 41, acusados de abusar sexualmente da filha e irmã durante nada menos que 25 anos.

Desde os nove anos de idade da filha, Michele – apelidado de “monstro da Itália” pela imprensa local – a violentou e manteve sob condições de escravidão e abandono. Giuseppe, o filho, além de estuprar a própria irmã, fez o mesmo com os filhos de 6, 8, 12 e 20 anos.

Os dois abusadores foram processados por estupro, abuso familiar e atos obscenos praticados em público – isso porque, disse a polícia, alguns dos estupros ocorreram dentro de um carro.

• Áustria, 19 de março de 2009


Foi nesta data, pouco mais de onze meses após o estouro do caso, que o eletricista aposentado austríaco Josef Fritzl (foto), 73 anos, foi condenado à prisão perpétua por um tribunal da cidade de Sankt Pölten, após decisão unânime do júri.

A barbaridade que cometeu não deixava dúvidas sobre o assunto: durante 24 anos, ele manteve a própria filha, Elisabeth, presa em um cubículo no porão de sua casa, em Amstetten, leste da Áustria, simulando seu desaparecimento à esposa Rosemarie, aos vizinhos e até à polícia.

Durante todo o período, ele a estuprou. Sete filhos nasceram das relações incestuosas. Um bebê, morto logo após o nascimento, teve o corpo eliminado por Fritzl. Seu caso resultou nas acusações de estupro, incesto, coação grave, privação de liberdade e homicídio por negligência – todas acatadas pelo júri. Apesar de a vítima ter 18 anos à época em que foi enclausurada, o caso gerou clamor popular pelos requintes de crueldade.

• Colômbia, 30 de março de 2009


O colombiano Arcebio Alvarez (foto) foi preso pela polícia na região de Mariquita, Colômbia, sob a acusação de ter violado a filha durante 30 anos seguidos. A denúncia foi feita pela própria vítima, Alba Nidia Alvarez, agora com 35 e mãe de oito crianças entre um e 19 anos – todas resultado das relações incestuosas mantidas à força com o pai. Outras três morreram logo após o nascimento.

Segundo a imprensa local, Arcebio já abusava sexualmente de três de seus “filhos-netos” quando Alba decidiu denunciá-lo. Ela foi apoiada e encorajada por um pastor evangélico. Agora, a vítima e seus filhos estão sob proteção judicial e aguardam o julgamento do “monstro de Mariquita” – que chegou ao ponto de falar, em juízo, que Alba e ele mantiveram relações “consentidas”.

• Argentina, 21 de maio de 2008

Eleuterio Soria, de 74 anos, residente na Argentina, foi condenado no ano passado a 16 anos de prisão por ter abusado sexualmente da filha, segundo a Justiça do país. A vítima foi violada dos 11 aos 22 anos em um quarto no qual passou todo o tempo presa, dentro de sua própria casa.

Duas crianças nasceram do incesto e têm, hoje, 7 e 14 anos. A filha do abusador está com 28 anos de idade e vive ao lado de um companheiro, com quem tem dois filhos. Apesar da semelhança com o caso do austríaco Josef Fritzl, a acusação que foi imposta ao abusador argentino foi amena: “abuso sexual agravado”. Por isso a pena de apenas 16 anos.

• Brasil, 20 de março de 2002


À noite deste dia, o “Programa do Ratinho”, do canal SBT, exibiu imagens que chocaram o País. Logo em seguida, o caso migrou à TV Globo e ao Ministério Público, pondo na mídia nacional o nome de um médico pediatra de ascendência ucraniana dono de carreira estável no Brasil: Eugênio Chipkevitch (foto), então com 47 anos e diretor do Instituto Paulista de Adolescência, em São Paulo. Sua acusação: abusar sexualmente de mais de 40 meninos de 8 a 17 anos – todos clientes de sua clínica.

Um técnico de empresa telefônica encontrou 35 fitas de vídeo no lixo, assistiu-as e as divulgou. Em todas, Chipkevitch aparece manipulando sexualmente os corpos dos garotos dentro da clínica após sedá-los, sob o pretexto de aplicar vacinas.

Ao assistir ao “Ratinho”, uma mãe reconheceu o abusador no vídeo e correu atrás da polícia. O médico foi preso em casa no dia seguinte. Passou alguns meses sob investigação e, ao final, foi condenado pela Justiça a 114 anos de prisão em regime fechado – pena cumprida até hoje, em um presídio paulista.

Uma curiosidade chamou ainda mais a atenção das autoridades: antes de ser identificado como pedófilo, Eugênio havia escrito o livro "Adolescência: Os segredos que seus filhos não contam". A co-autora, Vera Scognamiglio, ficou chocada e cancelou o lançamento do livro na hora. “Jamais pensei que ele poderia estar envolvido em algo assim”, garantiu.

Denuncie

Se você deseja denunciar casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes, é só entrar em contato gratuitamente – e a qualquer hora – pelo Disque Denúncia 100, de qualquer lugar do Brasil, ou pelo número 55-61-3212-8400, caso esteja no exterior. E-mails podem ser enviados ao endereço disquedenuncia@sedh.gov.br. No Pará, denúncias podem ser feitas ao Programa Pró-Paz pelos telefones (91) 3241-5058 ou 4009-2268, de segunda a sexta-feira, das 8h às 19h.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Atropelamentos em rodovias preocupam

Só nas estradas federais, foram contabilizados 54 atropelamentos, segundo PRF. Ocorrências do tipo aumentam por falta de estrutura e imprudência de motoristas e pedestres.

GUTO LOBATO
Da Redação

(Publicada no jornal Amazônia de 09/08/2009)

Se você acompanhou o noticiário da imprensa local durante o mês de julho, deve ter achado que este veraneio foi um dos mais violentos já registrados nas rodovias paraenses. Não é impressão. Os balanços divulgados por órgãos como a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e hospitais como o Metropolitano de Urgência e Emergência (HMUE), referência em atendimento a traumas de média e alta complexidade, deixam bem claro que as campanhas de prevenção a acidentes de trânsito não têm surtido efeito no Estado. Fora as colisões entre veículos, no entanto, as estatísticas apontam um outro tipo de ocorrência de grande letalidade: os atropelamentos. Das 16 mortes em estradas federais de 3 de julho a 2 de agosto, seis foram de pedestres – quase todos atingidos ao atravessar a pista ou se aventurar pelos canteiros e acostamentos dos trechos urbanizados.

O número bruto pode parecer pequeno, mas vale lembrar que ele só representa os casos registrados em rodovias como a BR-316 e a BR-010. Somando-se as ocorrências sem mortes das estradas estaduais e vias públicas urbanas, o espectro de vítimas cresce de forma assustadora. Somente no HMUE, 72 pacientes com este perfil foram atendidos – um aumento de 26% em relação ao ano passado, que supera o número de acidentados em colisões e só perde para os acidentes de moto (veja quadro). Da mesma forma, a operação Estrada 2009, da PRF em parceria com o Corpo de Bombeiros, a Polícia Rodoviária Estadual (PRE) e o Departamento de Trânsito do Estado (Detran/PA), contabilizou 54 atropelamentos nas estradas no mês de julho. Só para se ter uma ideia, no ano inteiro de 2007 a PRF registrou “apenas” 86 ocorrências desse tipo.

Tantos dados dispersos só confirmam o que autoridades de trânsito já cansaram de falar: o perigo em torno dos pedestres só faz crescer, e não somente por culpa dos motoristas e condutores. A falta de atenção à hora de pôr o pé na pista tem gerado perdas humanas tão graves quanto as causadas por colisões entre veículos. Políticas públicas que valorizem o pedestre, com mais passarelas, calçadas, ciclovias e acostamentos, de fato são raras, mas se combinam à imprudência: não é difícil avistar transeuntes cruzando pistas do trecho urbano da BR-316 em horários de tráfego intenso, muitas vezes acompanhados de idosos, grávidas, crianças ou até bebês de colo – que deveriam, ainda mais que os pedestres “convencionais”, utilizar as passarelas e faixas de pedestres.

O inspetor Max Silva, do núcleo de comunicação da PRF, aponta que mais de 70% dos acidentes na BR-316 – única via de saída da Região Metropolitana de Belém (RMB) –, ocorreram entre os quilômetros zero e 21, cujo traçado abrange os municípios de Belém, Ananindeua, Marituba e Benevides. Não é diferente com os atropelamentos. A maioria ocorre em áreas urbanas, onde a população depende da travessia das pistas para ir de um bairro a outro da cidade ou procurar determinados serviços.

“As zonas urbanas são especialmente críticas nesse ponto. A rodovia é um ponto central do município, em que se concentram serviços, comércio, escolas. Fora a área da capital, que protagoniza as estatísticas, tivemos muitos atropelamentos na área da Transamazônica que corta o município de Marabá e no trecho da Belém-Brasília próximo a Dom Eliseu, por exemplo”, afirma. “A questão é que, fora a imprudência dos condutores, com infrações de excesso de velocidade e consumo de álcool, ainda há o problema da falta de espaços adequados para o pedestre e, às vezes, da falta de cuidado deste para com o trânsito das rodovias”, completa.

Dois casos que correspondem a este perfil de acidente transcorreram à madrugada do último domingo (2) na BR-316, no trecho que corta o centro de Ananindeua, e resultaram em duas mortes a mais para as estatísticas de atropelamento. Em um deles, por volta de meia-noite, um homem que atravessava a rodovia de bicicleta passou pela frente de um caminhão de lixo e foi atingido por um veículo que vinha em alta velocidade na pista ao lado. A outra ocorrência resultou na morte de uma mulher, às 3h. Ela foi atropelada ao atravessar a pista no quilômetro 8 e surpreender um investigador da Polícia Civil que conduzia um veículo particular rumo a Belém. Casos que poderiam ser resolvidos com medidas simples, como a redução de velocidade nos trechos urbanos e o uso de passarelas e semáforos, relativamente fáceis de encontrar no início da rodovia. “Alguns casos precisam ser apurados para apontar de quem é a culpa, mas de forma geral o que vemos é uma combinação de erros. Neste mês chegamos a registrar o caso de um homem que foi atropelado ao atravessar a BR-316. Ele estava a 50 metros de uma passarela. Sinal de que nem sempre os condutores são os únicos culpados”, disse o inspetor Max Silva.

Maioria de atropelados está na idade produtiva

Outra surpresa em relação aos atropelamentos se refere à faixa etária. Analisando os dados coletados pelo Serviço de Arquivo Médico e Estatística (Same) do Metropolitano em julho, o médico José Guataçara Gabriel, que coordena o Acolhimento e Pronto-Atendimento do hospital, constatou que a maioria dos pacientes atendidos pelo hospital após serem atropelados pertencem à chamada “idade produtiva”. “Com isso, vemos que há um impacto econômico muito forte nas famílias destas pessoas, já que muitas têm o acidentado como principal provedor de renda”, alerta. Mas a preocupação não se limita somente a esta faixa etária. “Também vemos que há um número expressivo de idosos nas estatísticas, não só nos atropelamentos em estradas como nos que acontecem nas ruas da capital. O que indica que há muitas pessoas de faixas etárias avançadas que estão desassistidas”, completa.

Em termos quantitativos, os atropelamentos só perdem para os acidentes de moto nas estatísticas do Metropolitano, superando por pouco os pacientes acidentados em colisões de veículos. As colisões de maior gravidade, conforme observado pelo médico, são os que envolvem condutores de motocicletas. Neste ano, foram registrados 15 óbitos entre os 788 atendimentos do hospital em julho, um crescimento de 200% em relação ao ano passado. “A gravidade dos traumas resultantes de acidentes de trânsito é alta e só tem aumentado ultimamente, o que mostra a falta de campanhas que enfatizem as perdas humanas deste tipo de intercorrência. Há um período de recuperação longo, que depende do número e da intensidade destes traumas. O caso dos motociclistas é grave, principalmente, porque eles estão menos protegidos em uma colisão. O pedestre, idem”, alerta José Guataçara.

Atropelamento gera transtornos para acidentado

Um caso que bem ilustra o impacto social dos atropelamentos é o do motorista autônomo Gleyson Oliveira Lima, de 26 anos. Tocantinense residente no Pará, ele se mudou para o Estado há cerca de um ano e meio para trabalhar com transporte alternativo. Tudo corria normalmente em suas vida conjugal e profissional, até que, em 14 de julho, por volta de 5h, ele foi violentamente atingido por um veículo próximo à barreira da PRF de Castanhal, na BR-316. O condutor, um adolescente sem carteira de habilitação, fez um cavalo de pau para fugir da fiscalização policial e acabou atingindo Gleyson, que ia visitar a esposa grávida de nove meses após uma noite de trabalho.

Conduzido às pressas ao HMUE, ele foi diagnosticado com duas fraturas – no fêmur e na tíbia – e teve de ser submetido a uma cirurgia. Desde então, ele ocupa um dos leitos do hospital e permanece impossibilitado de se locomover, o que lhe fez perder o nascimento do filho. “Meu menino nasceu no dia 31 de julho e ainda não tive a oportunidade de vê-lo”, lamenta. Sem perspectivas de voltar ao batente, Gleyson está preocupado com o acúmulo de dívidas e a dificuldade em conseguir retomar o trabalho a tempo. “Ainda vou ter que passar por outra cirurgia para me recuperar de vez, e devo passar mais uns três meses sem poder dirigir. Enquanto isso, tenho mulher e filho pequeno para sustentar, é uma situação terrível”, completa ele, que espera ser ajudado financeiramente pela família do causador do acidente.

Num leito no mesmo andar de Gleyson, o pequeno Matheus Carlos Barros, de nove anos, se recupera após ter sido atropelado por uma moto na estrada do município de Mãe do Rio, a 198 km de Belém, no sábado de 1º de agosto. A mãe dele, a doméstica Josete Lima Carlos, 38 anos, conta que o filho atravessava a pista de bicicleta, junto a um primo de 12 anos, quando foi atingido por uma motocicleta. Ele não olhava para a direção certa da pista, ansioso para chegar em uma fazenda da família. Questionada sobre quem teria culpa no acidente, dona Josete assumiu: “Foi ele quem se precipitou”. O detalhe é que o garoto e seu primo não atravessavam a pista acompanhados de um responsável.

ATENDIMENTOS A VÍTIMAS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO NO HMUE
Fonte: Serviço de Arquivo Médico e Estatística (Same/HMUE)

Julho de 2008

Acidentes de moto: 90
Atropelamentos: 57
Colisões: 61
Acidentes de bicicleta: 11
Total: 219

Julho de 2009

Acidentes de moto: 119
Atropelamentos: 72
Colisões: 69
Acidentes de bicicleta: 12
Total: 272


BALANÇO DA OPERAÇÃO ESTRADA 2009 – 3/JUL A 2/AGO
Fonte: Policia Rodoviária Federal (PRF), Policia Rodoviária Estadual (PRE) e Departamento de Trânsito do Estado (Detran/PA)

Colisões: 146
Queda em via pública: 62
Atropelamentos: 54
Mal súbito: 43
Outros: 160
Total de ocorrências: 465 (83% a mais que em 2008)

ALGUMAS DICAS PARA PEDESTRES

· Evite andar na pista. Em rodovias como a BR-316, a maioria do traçado da pista está cercado por acostamentos e/ou calçadas. Neles, é possível se caminhar com um pouco mais de segurança;
· Ande em sentido contrário ao dos veículos. Assim, ao caminhar à beira das pistas, você terá uma visão privilegiada do trânsito e poderá desviar de veículos que eventualmente avancem em sua direção;
· Quando caminhar à noite, faça o possível para ser visto. Como a iluminação em rodovias é geralmente escassa, utilize roupas de cor clara e tente ficar perto das fontes de luz que houver por perto. Assim, os condutores poderão lhe ver com mais facilidade;
· Se estiver com crianças, mantenha-as sob controle. Crianças são imprevisíveis, então, quando andar próximo à pista, nunca deixe de segurá-las pelo braço;
· Na hora de atravessar, recorra às passarelas ou aos semáforos com faixa de pedestres. Em caso de não haver nenhum em grande distância, o jeito é procurar um trecho em que haja total visibilidade – esqueça as curvas e áreas com inclinação – e esperar o momento adequado para pôr o pé na pista;
· Poucos carros não são sinal de segurança. Ao atravessar a pista, preste atenção para o trânsito, mesmo que o movimento esteja fraco. Às vezes é melhor que haja trânsito, mas os carros estejam em baixa velocidade, do que ter a pista quase limpa e veículos a mais de 100 km/h passando aos poucos;
· Evite atravessar em frente a obstáculos visuais. Quando pôr o pé na pista, assegure-se de que você está visível. Não comece a atravessar em pistas com ônibus, caminhões e outros veículos pesados, pois estes podem “esconder” você do olhar dos motoristas das outras faixas;
· Não “desfile” na pista. Quando for atravessar, o melhor é correr ou andar rápido, mesmo que a pista esteja vazia. Não fale ao celular enquanto estiver andando, tampouco vire o rosto para conversar ou olhar o movimento. Tenha em mente que ali é lugar de carro, não de pedestre;

ALGUNS ACIDENTES FATAIS RECENTES

5/7 – O ciclista João Nazareno, de 27 anos, atravessava a BR-316 à noite do primeiro domingo de julho quando foi atropelado pelo sargento Paulino Gomes, de 40 ano, em Ananindeua. Os dois ainda chegaram a ser levados para o Hospital Metropolitano, mas não resistiram.

6/7 – Uma caminhonete Hilux se chocou com um micro-ônibus, invadiu o canteiro da BR-316 e matou o vigilante Marcelo Cordovil Soares, de 32 anos. O acidente transcorreu por volta de 15h, em Ananindeua. A vítima estava no canteiro da rodovia. O motorista e um outro pedestre ainda ficaram feridos.

11/7 – Um dos mais graves acidentes de trânsito registrados na BR-316 em julho, à altura do quilômetro 8, deixou três pessoas gravemente feridas, um menino de 11 anos morto e fez a população revoltada fechar uma das pistas da rodovia. Um Fiat Uno em alta velocidade perdeu a direção, derrubou uma palmeira do canteiro central e atropelou duas crianças e duas mulheres que estavam no local.

18/7 – A autônoma Wanderlúcia Costa Souza, de 26 anos, protagonizou uma morte dramática na rua da Cerâmica, em Marituba. Ela foi atropelada por um caminhão por volta de 20h, mas conseguiu salvar o filho, que estava em seu colo, jogando-o ao acostamento da rua antes de ser esmagada pela roda do veículo.

19/7 – Um homem de identidade desconhecida foi atropelado e morto na rodovia BR-316, em frente à loja Belém Importados, por volta das 21h30. O acidente foi na pista do sentido Belém-Ananindeua. A vítima do atropelamento morreu no local, vítima de múltiplas fraturas.

24/7 – Maria Luiziane Pinheiro, de 24 anos, que estava grávida de nove meses, morreu em um acidente ocorrido às 7h15 no quilômetro 45 da BR-316, em Santa Izabel. O irmão de Luziane tentou “atravessar” ela e mais dois filhos de um lado a outro da pista em uma motocicleta, quando o veículo foi atingido por um micro-ônibus. Nenhum dos “passageiros-pedestres” estava de capacete.

25/7 – O ciclista Vicente Marques de Lima, de 53 anos, foi atropelado e morto às 18h30 no quilômetro 92 da BR-316, próximo ao ramal da Yamada. A vítima pedalava pela rodovia quando foi atingida por um Ford Fiesta em alta velocidade.

30/7 – O aposentado Agnaldo de Araújo Monteiro, 54, e seu neto de apenas um ano e cinco meses morreram após serem atropelados por um trator pertencente à Prefeitura Municipal de Belém (PMB) no bairro do Murubira, no Distrito de Mosqueiro. O veículo era conduzido por um funcionário cuja habilitação estava vencida. As vítimas foram esmagadas pela roda traseira do trator e socorridas, mas não resistiram aos ferimentos.

1/8 – Posidônio Barbosa foi a vítima fatal da tarde do 1º de agosto na rodovia BR-316, quilômetro 2. Ele morreu após ter sido atropelado por uma caçamba, quando atravessou a pista com o sinal fechado para pedestres. Ao tentar desviar do ciclista, o condutor do veículo invadiu a calçada da rodovia.

2/8 – Duas mortes encerraram o veraneio sangrento de 2009. A primeira vítima foi o ciclista Carlos Augusto Siqueira Costa, atropelado por um veículo enquanto tentava atravessar a BR-316 à altura de Ananindeua, por volta de 0h. A segunda foi uma mulher não identificada, atropelada no quilômetro 8 por um investigador de Polícia Civil ao tentar atravessar a pista, às 3h.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Tráfico e consumo de drogas ainda geram controvérsia

Lei Antidrogas é pouco clara à hora de separar categorias. Juristas apontam que pequenos traficantes recebem mesmo tratamento dado aos "peixes grandes".

GUTO LOBATO
Da Redação


(Jornal Amazônia - edição de 16/08/2009)

É fato que o tráfico de drogas, além de uma questão de segurança pública que envolve – e fomenta – vários outros tipos de violência, figura como uma das principais razões de prisões no Brasil. Uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Justiça às universidades de Brasília (UnB) e Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgada ao início deste mês, reitera tal ideia: 70 mil dos 180 mil presos que hoje cumprem pena no País foram condenados por tráfico. O perfil dos detentos, no entanto, é o que mais chama a atenção: ao analisar os processos do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, constatou-se que a maioria dos acusados de tráfico portava quantidades pequenas de droga, não possuía antecedentes criminais e estava desarmada à hora da prisão.

Aí figura o ponto fundamental da pesquisa, que ilustra uma situação comum nos quatro cantos do País: a aplicação equivocada da Lei Antidrogas brasileira persiste. O resultado não poderia ser pior - usuário, pequeno traficante e grande traficante, figuras tão distintas na rede de comércio e consumo de entorpecentes, ainda podem ser confundidos durante a interpelação judicial. E o sistema carcerário, já falido, recebe cada vez mais infratores de menor gravidade que cumprem penas iguais às dos "peixes grandes". E que, muitas vezes, saem dos presídios direto para o mundo do crime organizado.

Diferenciar o consumidor do vendedor de entorpecentes é um problema de longa data na legislação brasileira. O antigo dispositivo legal que versava sobre o tráfico, a lei 6.368, de 1976, incluía penalidades restritivas à liberdade para o consumidor de drogas - e isso incluía períodos de reclusão de até dois anos, dependendo da interpretação judicial.

Desde a sanção da lei especial 11.343 em 2006, popularmente conhecida como Lei Antidrogas, no entanto, o consumo ganhou fama de "descriminalizado" - um grande mito, por sinal, já que na verdade há penalidades brandas aplicáveis a quem for pego com drogas (veja quadro). Para diferenciar o "comerciante" do usuário, o principal critério é avaliar a conduta de quem é pego e o contexto do flagrante - a quantidade de material entorpecente é "apenas" um entre estes fatores e não possui valores previstos em lei, ficando a cargo da autoridade de segurança avaliar cada caso.

O problema é que a Antidrogas não estabelece uma distinção entre o vendedor de rua, que mantém contato direto com os compradores, e os líderes do tráfico, sujeitando-os à mesma pena: cinco a 15 anos de reclusão. Por este e por outros fatores, a lei até hoje gera muita polêmica entre juristas e autoridades de segurança pública. O promotor Sérgio Tibúrcio dos Santos Silva, titular da 3ª Promotoria de Entorpecentes do Ministério Público do Estado (MPE), assegura que existem lacunas na legislação vigente que podem complicar o enquadramento de acusados.

"A grande falha da Lei Antidrogas é que ela não faz distinção entre o 'trafiqueiro' e o grande traficante. Precisamos analisar cada processo com cuidado para não encaminhar o réu primário e o traficante reincidente ao mesmo enquadramento na Justiça, por exemplo", acredita. "Recebemos muitos casos encaminhados pela polícia que acabam não indo à Justiça com a tipificação de tráfico. Como é nosso papel analisar a conduta do acusado após a avaliação policial, muitas vezes percebemos que ele, na verdade, é um usuário. Ou então, que é um réu primário, o que ao menos exige que a pena de reclusão seja abrandada", explica Tibúrcio.

Números apontam presença do tráfico no Estado

No Pará, não há dados elucidativos sobre o tráfico; somente números isolados, entre autuações feitas pela Polícia Civil e denúncias encaminhadas pelo MPE à Justiça. Mesmo assim, eles servem para dar uma ideia da dimensão local do problema. Um balanço lançado neste ano pelo Sistema Integrado de Segurança Pública (Sisp), referente a 2008, aponta que 453 ocorrências associadas ao tráfico foram registradas só na Região Metropolitana de Belém (RMB). Dois anos antes, este número era próximo a 200.

Já a Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), vinculada à Divisão de Repressão ao Crime Organizado (DRCO) da Polícia Civil e que atua no desmantelamento de redes e quadrilhas de tráfico em todo o Pará, contabilizou 115 prisões ligadas ao crime no ano passado. Neste primeiro semestre de 2009 já foram efetuadas 57. A maioria ligada a grandes redes de tráfico em áreas de grande população, como a RMB e os municípios de Marabá, Santarém e Paragominas, entre outros.

São números expressivos, que mostram a presença do tráfico em todas as esferas de combate e repressão ao crime do poder público. "A verdade é que vemos que, mesmo com a atuação da polícia e da Justiça em coibir o tráfico e punir quem o pratica, ele reside como um desafio em todo o País", avalia o delegado João Bosco, diretor da DRCO. "É um tipo de crime muito complexo, que além de resultar em outras modalides criminosas, costuma criar uma rede que envolve desde o usuário até o grande traficante. São sujeitos que precisam ser vistos de forma individualizada perante a lei", assinala.

Tanto o excesso de processos empacados nas Varas Criminais do Estado quanto a superlotação no sistema carcerário podem ser interpretados como reflexo deste contingente. A 2ª e a 3ª Promotorias de Justiça de Entorpecentes, vinculadas ao MPE, receberam 35 denúncias encaminhadas pela polícia somente no mês de julho. Segundo a promotoria, no entanto, o número não corresponde somente a casos de tráfico que resultam em prisões, já que há muitos acusados que, à hora da avaliação no MPE, são tipificados como usuários.

Autuações na Cremação triplicaram entre 2008 e 2009

Um exemplo deste aumento nas autuações por tráfico é o que foi identificado na Seccional Urbana da Cremação, unidade da Polícia Civil que cobre as ocorrências de quatro bairros centrais de Belém. Por lá, o número de autuações em flagrante por tráfico sempre foi alto. Não é surpresa para os policiais que cobrem uma área conhecida pela concentração do crime organizado e de bocas de fumo em bairros como Jurunas, Cremação e Condor. As estatísticas, porém, dispararam de forma assustadora em relação ao ano passado. Só entre fevereiro e julho deste ano, foram lavrados 25 flagrantes de tráfico, resultando na prisão de 38 pessoas – o que corresponde a 10% do total de ocorrências registradas.

É mais que o triplo do mesmo período em 2008, quando foram lavrados oito flagrantes e presos doze acusados pelo mesmo crime. Diretor da seccional há seis meses, o delegado Marco Antônio Duarte avalia de forma positiva este aumento. “Isso mostra que conseguimos ter maior domínio da área mapeada e coibir o tráfico com eficiência”, diz. “O tráfico sempre existiu na área da seccional, o que aumentou foi a política de combate a este crime. Entendemos que é uma prioridade, já que se constatou há muito que ele subsidia outras modalidades criminosas”, acredita o delegado.

Em relação à pesquisa divulgada pelo Ministério da Justiça, que alerta para possíveis excessos à hora da interpretação da Lei Antidrogas, Duarte é categórico: “Esta é uma conclusão deles. Aqui, estamos fazendo nosso trabalho de profissionais de segurança pública. A lei é aberta à interpretação da autoridade policial, que é o que fazemos no dia-a-dia. Não prendemos de forma impulsiva, não colocamos usuário atrás das grades. Pelo contrário, fazemos o possível para ajudá-lo e fazer com que ele nos ajude”, avalia. “Nosso foco é sempre no grande traficante. A política para o consumidor é diferenciada, e tomamos cuidado ao praticá-la”, garante o titular da Seccional da Cremação.

Quantidade de droga não é determinante na hora de separar usuário e traficante

Mesmo com toda a divulgação e os treinamentos sobre abordagem, ainda é comum entre policiais de rua o erro de recorrer à medição da quantidade de droga que o acusado tem à hora de detê-lo. No entanto, sabe-se que muitos casos são resolvidos mais pelo contexto da prisão que pelo próprio material entorpecente. Ou seja: uma pessoa pega com dez gramas de maconha que tenha ligações com o crime organizado, mantenha utensílios de beneficiamento da droga em casa, seja reincidente e tenha sido encontrada em circunstâncias duvidosas - em locais suspeitos, armada e/ou na companhia de traficantes, etc. - tem mais chances de ir parar no xadrez que um réu primário flagrado com 20g, por exemplo.

O promotor Sérgio Tibúrcio Silva, do MPE, relata já ter recebido casos em que a denúncia por tráfico foi desmanchada após uma investigação mais densa. "Uma vez chegou em nossas mãos o caso de um cidadão que havia sido flagrado com 38 petecas de pasta de cocaína. Ele foi autuado por tráfico e encaminhado ao MPE. Só que, antes da denúncia ser formalizada, a mãe dele veio aqui e mostrou documentos e laudos que provavam que ele era dependente químico. Ele tinha renda fixa, um bom salário. Comprava em grandes quantidades por vergonha e medo de ir à boca de fumo", diz. "É por isso que se deve ter muito cuidado neste tipo de enquadramento. Se não ponderarmos bem, podemos estar cometendo uma injustiça para com um usuário que precisa de políticas públicas para vencer a dependência", conclui o promotor.

Alguns números da Polícia Civil

- Autuações na Seccional Urbana da Cremação

Período: Fevereiro a Julho de 2009
Flagrantes por tráfico de entorpecentes: 25
Pessoas presas a partir das autuações: 38
Número total de prisões: 260
Proporção relativa de flagrantes por tráfico: 10%

Período: Fevereiro a Julho de 2008
Flagrantes por tráfico de entorpecentes: 8
Pessoas presas a partir das autuações: 12

- Autuações na Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE)

Período: 2008
Prisões de traficantes no Estado: 115 (88 homens)

Período: Primeiro semestre de 2009
Prisões de traficantes no Estado: 57

O que diz a Lei Antidrogas sobre tráfico e consumo

- Toda a tipificação vinculada ao tráfico e uso de drogas, atualmente, está resumida na Lei Antidrogas, de número 11.343, publicada em agosto de 2006. Ela veio em substituição à antiga lei nº 6.368, de 1976, e instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas (Sisnad);

- Em relação à antiga lei, a Antidrogas traz como principais inovações a diferenciação das penalidades aplicadas ao consumidor e ao traficante de drogas, a maior rigidez com relação às penas em casos de tráfico e a tipificação deste crime em várias “modalidades”;

- Antes da Lei Antidrogas, uma pessoa que fosse pega com material entorpecente de consumo próprio podia ser autuada em flagrante e pegar entre seis meses e dois anos de prisão. Atualmente, a perda de liberdade não é mais aplicada quando se comprova o uso próprio do material;

- No entanto, não é correto falarmos de “descriminalização do consumo”, já que estão previstas novas modalidades penais no Artigo 28 da 11.343/06. Com a lavratura de um Termo Circunstancial de Ocorrência (TCO), o consumidor de drogas responde na Justiça e pode ser submetido a penas brandas, como advertência, prestação de serviços à comunidade e medidas socioeducativas. Em caso de uso compartilhado - usuários cedendo material uns aos outros -, no entanto, a lei enquadra o crime de tráfico;

- Na Lei Antidrogas, não é especificada uma quantidade da droga que defina a diferença entre usuário e traficante; o principal critério para diferenciá-los é a conduta da pessoa flagrada, ou seja, o contexto em que ela foi presa, sua ficha policial, a presença ou não de evidências de que o material seria comercializado, etc. Ponderar tais fatores fica a cargo da autoridade policial e/ou de Justiça;

- Quanto ao tráfico, o Artigo 33 da Lei Antidrogas é bem claro ao associar o crime a dezoito verbos: “Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Tudo isto caracteriza tráfico, e não somente a comercialização “tradicional” de drogas;

- As penas previstas para o tráfico variam. A clássica é a aplicada por Tráfico de Entorpecentes, que varia entre cinco e 15 anos de reclusão – na lei 6.368/76, a pena mínima era de apenas três anos. Outra pena que, por vezes, passa despercebida é a de Associação ao Tráfico (de três a dez anos de prisão). Outra, mais grave, aplicada a quem financia ou custeia o crime, oscila entre oito e 20 anos. Porém, de forma geral, o traficante que não obedecer a estas duas "exceções" acaba indo parar na mesma pena: a de cinco a 15 anos;

Serviço

Se você deseja colaborar com o trabalho da polícia no combate ao tráfico de drogas, pode fazer denúncias anônimas pelo Disque-Denúncia (181) ou então ligar para as seccionais e delegacias de seu bairro ou município. Estes contatos estão disponíveis no portal da Polícia Civil na internet (http://www.policiacivil.pa.gov.br).

Juiz federal discute com esposa e agride polícia na Batista Campos

Mulher de magistrado diz ter levado soco na barriga. Acusado causou tumulto ao xingar e ameaçar agentes da PM e da Guarda Municipal.

Uma briga de casal com direito a xingamentos, desacato a autoridades policiais e até mesmo uma suposta agressão física causou tumulto ao final da manhã de ontem na Praça Batista Campos, na região central de Belém. O bate-boca foi protagonizado pelo juiz federal Rubens Rollo d´Oliveira, da 3ª Vara Especializada em Ações Criminais da Capital, e por sua esposa, que começaram a discutir enquanto o magistrado fazia cooper. Bastante irritado, Rubens foi até o posto da Guarda Municipal de Belém (GMB) e alegou que estava sendo perseguido.

Sua esposa, em contrapartida, pediu a ajuda de dois policiais militares, alegando ter levado um soco na barriga. Durante conversa com a polícia e a GMB, Rubens agrediu verbalmente dois agentes e acabou sendo encaminhado à Seccional Urbana da Cremação, onde foi lavrado um Termo Circunstancial de Ocorrência (TCO) por desacato. A esposa do magistrado se dirigiu à Divisão Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) da Polícia Civil, onde registrou ocorrência. Um exame de corpo de delito seria feito ainda ontem para apurar se, de fato, houve agressão física contra ela.

A situação, iniciada por volta de 10h30, gerou bastante confusão na Batista Campos, movimentada àquela hora. Segundo testemunhas relataram à polícia, o juiz Rubens Rollo fazia cooper pela praça quando sua esposa o abordou. Uma discussão acalorada logo começou entre os dois, com troca de xingamentos e até mesmo ameaças. Foi nessa hora que, segundo a esposa do magistrado, ele desferiu um soco contra sua barriga e correu rumo ao posto da Guarda Municipal que fica no canto da praça em frente à rua Tamoios, em frente ao Colégio Santa Rosa.

Encarregado da GMB na Batista Campos, o agente Pedro Gomes afirmou que o magistrado chegou “bastante alterado” ao local, dizendo que uma “gorda doida” o estava perseguindo. Ele teria chegado a afirmar, inclusive, que tinha medo do que poderia fazer se a visse novamente. Momentos depois, a esposa chegou ao posto junto a dois policiais militares da 4º Zona de Policiamento (Zpol) que havia encontrado na praça.

Diante da abordagem da PM e da GMB, que pretendiam mediar a conversa entre os dois, Rubens se exaltou e começou a xingar os agentes, conforme relata o encarregado Gomes. “Ele chamou a gente de ‘palhaço’ para baixo. Virou para mim uma hora e disse ‘Se tu queres aparecer, coloca melancia no pescoço. Vocês não podem me prender porque sou juiz. Conheço a governadora e vocês estarão na rua amanhã’”, disse. O soldado Coutinho, da PM, diz ter sido empurrado pelo magistrado. “Ele estava muito agressivo. Parecia estar fora de controle”, disse à imprensa.

Reforços de viaturas da PM e da Guarda foram convocados para o local e ajudaram a deter Rubens, que resistiu à hora de ser conduzido à Seccional da Cremação. Quando chegou ao local para ser interrogado pelo diretor da unidade, o delegaco Marco Antônio Duarte, o magistrado disse que só falaria em juízo e que a briga foi motivada por “assuntos pessoais”. A versão que circulava na seccional era de que o casal – que tem dois filhos – está em processo de divórcio. Muito nervosa, a esposa do magistrado chegou a recuar da ideia de denunciar o marido por agressão física, mas foi encorajada pela Polícia Civil a seguir até a delegacia da Deam para registrar a ocorrência.

A presença de várias equipes de imprensa local e até nacional na Seccional da Cremação, no entanto, voltou a deixar o juiz federal assustado. Assim que o TCO por desacato foi lavrado, Rubens foi liberado e exigiu que equipes da Polícia Federal (PF) fossem buscá-lo. O argumento para tal era que sua imagem e integridade física “precisariam ser preservadas”. O resultado: investigadores e delegados da PF – alguns, membros do alto staff da corporação – chegaram ao local e exigiram que a seccional fosse literalmente “fechada” para que Rubens fosse escoltado até seu carro. Houve tumulto, e alguns cinegrafistas e repórteres fotográficos dizem ter sido expulsos de forma agressiva.

Em resposta aos questionamentos se tal procedimento era necessário, o delegado Marco Antônio Duarte explicou: “Nós (da Polícia Civil) não temos nada a ver com isso. Trouxemos o doutor Rubens até aqui, junto à sua esposa e aos agentes da PM e da Guarda, interrogamos todos e lavramos o TCO. Da hora em que ele foi liberado em diante, foi uma escolha pessoal essa convocação da Polícia Federal”, disse.

Por conta do TCO, o juiz federal responderá em liberdade pelo crime de desacato a funcionário público, conforme consta do Artigo 331 do Código Penal. Seu processo deverá ser apurado pelo Juizado de Pequenas Causas da capital. Já a acusação de agressão física contra sua mulher deve ser apurada pela Deam. À tarde, a esposa do magistrado depôs e registrou ocorrência. Os exames de corpo de delito devem ser divulgados esta semana.

O advogado de Rubens Rollo, no entanto, negou a agressão à mulher e aos agentes da GMB e PM, dizendo que seu cliente é que foi alvo de abuso de autoridade. “Ele foi algemado e passou por um constrangimento terrível. Faremos exame de corpo de delito para provar que a polícia que o agrediu”, disse. A afirmação foi veementemente negada pela polícia, que diz que vai utilizar vídeos gravados por testemunhas para desmentir a versão do advogado. “Ninguém o algemou, mesmo com toda a resistência à ação policial”, disse o agente Gomes, da Guarda.

* A matéria foi "barrada", mas aqui é publicada.

sábado, 15 de agosto de 2009

Avenida é centro de polêmica ecológica

Moradores mantêm opiniões bem diferentes sobre a Independência. Risco de dano ambiental ao Parque Ecológico de Belém aquece debate.

(Jornal "Amazônia - Edição de 14/06/2009)

GUTO LOBATO
da Redação

Um embate sem precedentes toma conta do projeto de prolongamento da avenida Independência, executado pela Secretaria de Estado de Projetos Estratégicos (Sepe), do governo do Estado, com licença ambiental concedida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma). As obras iniciadas há poucos meses são motivo de polêmica por conta do trajeto da via, que deve cortar o Parque Ecológico de Belém, no bairro da Marambaia, por cerca de 900 metros. Os impactos ambientais, segundo a Sepe, serão em 8,5% dos 44 hectares da unidade de proteção, mas os moradores dos conjuntos Médici e Bela Vista, que cercam a área, não gostaram da ideia e já acionaram o Ministério Público do Estado (MPE), que pediu a paralisação da obra. Por outro lado, quem mora no Bengui e no Mangueirão faz campanha a favor do governo, alegando que a avenida reduzirá os engarrafamentos no complexo do Entroncamento.

Apesar de só agora ter voltado à pauta de ações para melhorar o trânsito na Região Metropolitana de Belém (RMB), o projeto da avenida Independência está prestes a completar 18 anos. Ele fez parte de um plano elaborado pela Agência Japonesa de Cooperação Internacional (Jica) em 1991 junto ao governo do Estado, que recebeu atualizações periódicas e previu a necessidade de se criar um novo canal para o tráfego de veículos entre a região central de Belém e suas zonas de expansão.

No plano original, que acabou integrado ao Plano Diretor Urbano (PDU) de Belém e transformado na lei municipal nº 8.655, a Independência deveria servir como alternativa às únicas saídas da cidade - a BR-316 e a Augusto Montenegro. Saindo do município de Ananindeua, ela seguiria até a avenida Júlio César, de onde haveria acesso alternativo ao centro da capital pela Pedro Álvares Cabral e pelo Canal São Joaquim. O problema é que, até hoje, a Independência só vai do conjunto Paar à Augusto Montenegro, o que mantém a concentração de veículos domésticos e transporte público na área do complexo viário do Entroncamento.

Com o novo projeto, que recebeu licença ambiental da Semma em janeiro, a Sepe pretende expandir a avenida até a Júlio César, contornando o Parque Ecológico de Belém e revitalizando-o para o uso público. Seis pistas de 28 metros de largura passariam pela lateral leste do parque, o que comprometeria 3,6 dos 44 hectares da área de proteção permanente. Um elevado conduziria à avenida à Júlio César e daria acesso ao binário Senador Lemos-Pedro Álvares Cabral. No final das contas, a Independência teria 4,78 km de extensão total na conclusão das obras, prevista para maio do ano que vem.

Mesmo iniciado, no entanto, o prolongamento continua gerando muita discussão entre os moradores dos bairros que serão mais afetados pela nova Independência - Bengui, Mangueirão e Marambaia. Neste último, há um intenso movimento de resistência à ideia de atingir o Parque Ecológico, em especial nos conjuntos Médici e Bela Vista, que cercam o Parque Ecológico; os argumentos da população vão desde os riscos de dano ambiental até os de aumento da violência e da superpopulação na área.

Moradores do conjunto Bela Vista temem dano ambiental

'Essa é uma área de proteção regulamentada por lei, repleta de espécies de flora e fauna. A gente sempre fez de tudo para mantê-las preservadas e longe de qualquer ação humana. Não acredito que valha a pena derrubar tanta coisa em vez de procurar outras soluções viáveis para o trânsito em Belém', diz o engenheiro Robert Oliveira. 'Além disso, a área próxima à avenida vai ser invadida. Queremos saber para onde vai a segurança pública', complementa a dona de casa Sílvia Mara.

Robert e Sílvia fazem parte de uma família que mora há 40 anos na rua Florianópolis, do conjunto Bela Vista, logo em frente ao parque. Do quintal, eles podem ver a circulação de macacos-de-cheiro e outros animais; chegam até a dar comida para eles. 'Eles vêm pedir todo dia, de tarde', comenta Sílvia. O convívio diário com a natureza, embora nem sempre de forma assumida, é outro argumento para que os moradores da área repudiem as obras da Independência: a pista passaria a poucos metros do muro de suas casas, trazendo poluição e barulho a quem se acostumou à calmaria da floresta urbana.

Membros de um movimento que mantém diálogo com o MPE para tentar embargar a obra aproveitaram o último dia 5, Dia Mundial do Meio Ambiente, para fazer um manifesto. Eles caminharam levando cartazes até o local em que as obras já estão mais avançadas, no matagal que fica ao lado do Bela Vista. A pedagoga Rosângela Carvalho afirmou que não há justificativas para a continuidade da obra, já que outras vias de escoamento poderiam ser aproveitadas pelo Estado.

'A Transmangueirão, por exemplo, está pronta e pavimentada. Era só desviar a Independência para lá. Ninguém teria de cortar o parque e desestruturar o equilíbrio natural que já se criou aqui', comentou. Opinião semelhante é a de dona Gladys Cardoso da Silva, 82 anos de idade e mais de vinte morando no Bela Vista. 'Não é egoísmo nosso, até porque não usamos o parque ecológico como quintal. Ele é protegido, e é isso que queremos que continue. Não somos contra a avenida Independência, só exigimos que ela seja construída sem degradar o meio ambiente sem necessidade', afirmou.

Quem mora no Bengui e arredores ressalta benefício social

Quem mora do outro lado das obras de prolongamento, no entanto, argumenta que os benefícios do novo corredor viário suplantam os danos ambientais. 'Primeiro, eles se comprometeram a revitalizar o parque. Segundo, a pista nem vai mais entrar nele, vai ficar contornando por todos os 900 metros. Os animais da área, que precisam de alimentação especial, estão sendo domesticados pelos moradores do Bela Vista e, também, sendo atropelados na rua, já que não há nenhum gradeamento que evite a exposição deles ao perigo. Isso é uma irresponsabilidade', avalia Marco Antônio Costa Silva, agente comunitário membro da Comissão Fiscalizadora (Cofis) da obra.

Morador do bairro do Bengui há vinte anos, ele diz ter se acostumado ao descaso do Poder Público para com o bairro. As obras na Independência ajudariam nesse sentido, já que trariam ao menos uma avenida pavimentada para o uso da população. 'O problema é que ninguém quer ceder. Muitos de nós serão remanejados para que a avenida passe, mas o pessoal do Bela Vista não quer perder o contato com a natureza. Só que temos que pensar no bem da cidade, também', afirma Marco.

Todas as manhãs, moradores do Bengui e dos arredores do Mangueirão levam cartazes ao canteiro das obras da Independência - que caminham a passos lentos por conta da polêmica no MPE - na Transbengui, para pedir apoio da população local. O autônomo Juarez do Socorro afirma que o conflito por conta da avenida só trará transtornos. 'Nós vivemos afundados na lama há muito tempo. Não tem nem uma rua que dê acesso bom ao centro. Agora que pelo menos uma medida do Poder Público começa a andar, o pessoal reclama, chama o Ministério Público. Assim ninguém vai entender o que queremos', reclamou.

Projeto de secretaria inclui estruturação completa do parque

A Secretaria de Estado de Projetos Estratégicos (Sepe) garante entregar até o ano que vem outros projetos para resolver o problema do tráfego de veículos entre centro e zona de expansão da RMB. Ao final da avenida, haverá um elevado que conduzirá os motoristas direto para a Júlio César. No cruzamento desta com a Pedro Álvares Cabral, um elevado e um trevo de quatro pétalas ajudariam a remover o sinal de quatro tempos e reduzir engarrafamentos na área, segundo o coordenador de Planejamento e Gestão do Ação Metrópole Paulo Ribeiro.

'Há um problema muito sério neste cruzamento, e a Independência não poderia desembocar lá sem mudanças no fluxo. O projeto geral, que ainda inclui a recuperação da rodovia Artur Bernardes e o trevo da Júlio César, fará com que um corredor viário novo seja criado para a entrada e saída de veículos do centro de Belém', afirmou. 'Um estudo da Jica indica que a velocidade média dos veículos pode chegar a 5 km/h nas vias principais da Região Metropolitana em 2012. Não há condição nenhuma para que isso continue, por isso a criação de outro corredor viário', complementou.

Além disso, foi acordado entre Semma e Sepe que o Parque Ecológico deverá ser estruturado e aberto para a visitação, com a implantação de muros, pórticos de acesso no Bela Vista e no Médici, trilhas ecológicas, espaço multiuso, ponte sobre o Canal São Joaquim, espaços com brinquedos recreativos e um centro de formação de agentes ambientais. Tudo fica sob responsabilidade do Estado e deve ser entregue à medida que as obras forem concluídas.

'Isso faz parte da medida compensatória exigida por lei para obras que gerem impacto ambiental. Como vamos comprometer 8,5% do parque, firmamos o compromisso de inaugurar o parque e abri-lo de forma segura à população, o que nunca foi feito antes', afirmou o coordenador.

MP afirma que não há sustentação técnica na obra

As obras da Independência estão sendo alvo de polêmica, também, no Ministério Público do Estado (MPE). À metade do mês passado, o órgão enviou uma recomendação de paralisação da obra à Semma, alegando irregularidades na licença ambiental concedida por ela ao governo do Estado. O 1º Promotor de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural de Belém, Benedito Wilson Sá, argumenta que ainda não há sustentação legal e técnica para que a obra seja executada.

'Não há um estudo de impacto ambiental eficiente na licença concedida pela Semma. Além disso, a medida não teve nenhuma participação cidadã. Muitos moradores do entorno se sentem desrespeitados e estão enviando denúncias ao MP', conta. 'Fora isso, não há respaldo legal na intervenção dentro do Parque Ecológico. Ele foi criado por uma lei municipal e não prevê quaisquer obras dentro da área de proteção; então é necessária a edição de uma lei municipal específica para poder alterá-la', explicou.

Depois de não ter atendido à recomendação do MP - que expirou no dia 5 -, a Semma tem até dez dias para rever a licença ambiental e articular a paralisação das obras na Secretaria de Estado de Projetos Estratégicos (Sepe). Caso não haja resposta, a promotoria poderá ingressar com duas ações civis públicas - uma exigindo o embargo imediato do projeto e outra que irá responsabilizar os titulares da Sepe (Marcílio Monteiro) e Semma (José Carlos Lima) por improbidade administrativa.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

"Novo Enem" já motiva debates no Pará

Proposta do MEC de vestibular nacional repercute de forma polêmica entre professores, alunos e gestores de educação. Universidades paraenses ainda não formalizaram adesão ao método.

GUTO LOBATO
Da Redação

(Publicado no Jornal Amazônia - Edição de 03/05/2009)

Se você é estudante ou professor de Ensino Médio – ou mesmo conhece ou é parente de algum –, provavelmente ficou apreensivo ao saber da nova proposta de vestibular lançada ao início do mês passado pelo Ministério de Educação (MEC). Não é à toa: além de gerar mudanças na estrutura dos processos seletivos de universidades federais de todo o País, o chamado “novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)” exigirá ajustes na lógica de preparação dos candidatos a uma vaga no ensino superior. Do formato das questões aos critérios de ingresso, o exame unificado tem motivos de sobra para levantar discussões dentro do espaço escolar.

O “novo Enem” – que permanece sem título definido – é anunciado como a maior revolução no vestibular brasileiro desde o ano de sua criação, 1911. A razão para tal é que, assim que adotado por alguma universidade, ele passa a pôr no mesmo patamar de concorrência todos os cerca de 5 milhões de vestibulandos brasileiros, sendo que as notas deles podem ser submetidas à aprovação em cursos de até cinco universidades. Estas ainda podem optar pelo uso de outra etapa avaliativa, complementar ao exame.

Em resumo: assim como um paraense poderia fazer a prova em Belém e escolher entrar na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) por ter boa nota, um paulista poderia ingressar na Universidade Federal do Pará (UFPA) usando a nota que tirou ao fazer o exame em São Paulo, por exemplo. Outro diferencial diz respeito ao conteúdo: ao invés de questões ligadas a disciplinas isoladas, o exame vai valorizar a análise crítica do aluno e sua capacidade de relacionar assuntos. O MEC ainda não precisou o conteúdo programático da prova, mas o que se espera é uma evolução das questões multidisciplinares do Enem (veja quadro).

Apesar de ainda não ter todos seus meandros divulgados, o “novo Enem” já é de conhecimento de vestibulandos, professores e coordenadores de escolas e cursinhos do Pará. As avaliações são as mais variadas possíveis: há quem ache que a concorrência nacional incentivará o maior preparo dos alunos, há quem veja o exame como mais uma ferramenta que desrespeita as desigualdades regionais de acesso e qualidade da educação.

Ao ser questionada sobre a possibilidade de adesão ao vestibular unificado no Pará, a professora de Ensino Médio Inês Pereira destacou que o aluno poderá ser beneficiado de várias formas. “Há o lado da competição com alunos mais bem preparados de outras regiões, é verdade, mas o ‘novo Enem’ vai ajudar o paraense", avalia. "Os conteúdos serão padronizados e a prova, unificada, o que fará com que o aluno fique menos sobrecarregado e tenha tempo para se preparar de forma menos apressada", garante.

A mesma opinião é seguida pelo professor de Matemática do Ensino Médio Walter Luiz. Para ele, o “novo Enem” ainda ajudaria o aluno a desenvolver o espírito competitivo e se preparar para concorrer com o resto do País. “A unificação vai gerar problemas imediatos de desigualdade no nível dos candidatos, claro, mas, se houver uma educação decente, não há com o que se preocupar. O importante não é o número de concorrentes, e sim a preparação”, analisa.

Uepa e Ufra ainda não vão aderir ao método

Uma coisa que pode tranquilizar os que chegam ao 3º ano do Ensino Médio até o ano de 2011 é que, até agora, tanto a UFPA quanto a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) não figuram entre as 51 federais interessadas em adotar o “novo Enem” de imediato. Da mesma forma, a Universidade Estadual do Pará (Uepa) já sinalizou não estar disposta a abrir mão de seus processos seletivos (Prosel e Prise) para aderir à proposta do MEC, que também é optativa para as instituições particulares e estaduais.

Em uma reunião realizada no último dia 23, o Conselho Universitário da Ufra decidiu provisoriamente não aderir ao processo seletivo do MEC. A ideia é que falta um “aprofundamento da discussão, reunindo a comunidade interna e externa à instituição, para que se possa ampliar as perspectivas sobre o assunto”. Já a decisão da Uepa, segundo o Pró-Reitor de Graduação da instituição Neivaldo Oliveira Silva, tem a ver com o fato de que a mudança no método avaliativo demanda um debate sobre os prós e contras da ideia em relação ao vestibular convencional.

“A Uepa trabalha historicamente com o Prise e Prosel, então não é algo que possamos mudar da noite para o dia. Mas estamos atentos a esse debate”, desconversou, reforçando que alguns dos pontos mais polêmicos do “novo Enem” precisam ser considerados. “Um processo para todo o Brasil tem um lado nada favorável, que é o risco de sermos injustos com o estudante paraense, que tem uma formação repleta de fragilidades e poderá perder ‘suas’ vagas para gente de outros Estados. Por outro lado, sua aprovação em faculdades de fora do Pará será facilitada”, disse.

Polêmicas permeiam debate em conselho da UFPA

Já na UFPA, instituição paraense que centraliza os debates sobre o “novo Enem”, a questão tem rendido muita polêmica. Em reunião no último dia 16, o Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe/UFPA) decidiu não aplicar o modelo até 2010, já que o Processo Seletivo Seriado (PSS) já está em curso para milhares de alunos de Ensino Médio. As mudanças no PSS, no entanto, já estariam em pauta de discussão mesmo antes de o MEC anunciar sua proposta, segundo a assessoria da instituição.

Duas soluções foram elencadas ao final da reunião e permanecem em aberto: ou a UFPA não adere ao “novo Enem”, ou faz dele uma das etapas de avaliação do vestibular da instituição – mesmo assim, somente a partir de 2011. A decisão final da UFPA só será divulgada no segundo semestre, mas alguns conselheiros já têm opiniões bem formadas – é o caso da Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Sobre Educação Superior (GEPS) da universidade, a socióloga e mestre em Educação e Políticas Públicas Vera Jacob.

Dotada de um olhar bastante crítico em relação ao exame, Vera afirma que as falhas do antigo Enem se repetirão no novo método, só que em maior intensidade. “Alguns dados do Enem mostram que o problema está na formação do aluno. Das maiores notas da prova, só 8% foram tiradas por alunos de escolas públicas”, avalia. “Ao invés de gastar rios de dinheiro com novos exames e ideias mirabolantes, o governo devia mesmo investir nesse aluno, dando a ele isenção de taxas e subsídios mínimos para que ele concorra de forma justa com um aluno da rede privada”, completa a socióloga.

Segundo ela, é impossível fomentar a ideia de concorrência nacional enquanto o Pará mantiver sua posição nos relatórios do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica do Brasil (IDEB), o indicador mais confiável da qualidade de ensino do Brasil. Nele, o Estado aparece com a segunda pior média do país, precedido apenas por Pernambuco.

“O resultado disso é que o ensino ficará ainda mais elitizado. Quem tem mais dinheiro para bancar boa educação vai se dar melhor, incluindo os de fora do Pará. O resultado: continuaremos vendo as federais lotadas de pessoas de alta renda familiar, enquanto o Estado paga bolsas do Prouni para quem estudou no ensino público. É uma lógica completamente equivocada”, analisa.

Novo modelo pode promover mudanças no preparatório

Não só alunos vão ser submetidos a mudanças caso o “novo Enem” passe a vigorar nos próximos anos nas universidades paraenses. Por conta das mudanças de conteúdo, toda a estrutura de Ensino Médio e dos cursinhos preparatórios do Estado teria de ser adaptada ao formato do exame, que terá mais questões e uma abordagem menos voltada à memorização, segundo o MEC. Tanto no ensino privado quanto no público, no entanto, ainda não há plano de mudanças, já que nenhuma adesão ao novo método foi formalizada pelas universidades paraenses.

Funcionária de uma escola privada que oferece Ensino Médio e cursos pré-vestibular, a orientadora pedagógica Viviane Pitman diz que, mesmo assim, já vem sinalizando aos alunos a mudança de eixos do vestibular brasileiro. “Mesmo nos vestibulares normais, a ideia do ‘decoreba’ já soa ultrapassada. Com ou sem o ‘novo Enem’, é fato que a formação do aluno não pode mais ficar só na aquisição de conhecimentos em sala, mas sim ao uso deles para a avaliação e o raciocínio crítico”, avalia.

A também orientadora pedagógica Suely Berenice Rolim, da Escola de Ensino Fundamental e Médio Lauro Sodré, revela que o debate sobre o tema é, de fato, incipiente – a prova disso é que, segundo ela, muitos professores só ficaram sabendo do “novo Enem” pela imprensa. “Muitos só souberam após ler matérias e ver nos telejornais. Mas já há reuniões acontecendo entre as escolas para discutir esse novo método”, frisou. “É preciso que o modelo seja discutido a fundo, já que ainda há muita incerteza"

O que os estudantes de Ensino Médio pensam do novo vestibular

Na hora de avaliar o “novo Enem”, boa parte do alunado paraense repetiu o discurso de que a chance de usar a mesma nota em cinco universidades ajuda não só no acesso ao ensino superior, como acaba com o estresse de ter de estudar para várias provas ao mesmo tempo. Houve também quem criticasse a “concorrência desleal” do aluno local com o de regiões como o Sudeste:

- Beatriz Bergman, 15 anos, estudante de 2º ano da rede pública
"Para quem ainda não tem uma ideia do curso que quer fazer, não tem coisa melhor que esse novo processo seletivo. Até por ele ser nacional, o leque de opções aumenta bastante, tanto nos cursos quanto nas instituições"

- Camille Souza, 16 anos, estudante de 3º ano da rede privada
"Essa medida é muito errada. A prova do Enem já é um erro, pois fica centrada nos conteúdos programáticos do Sudeste e não tem espaço para nossas especificidades, imagine esta, que vai ser aplicada em todo o Brasil. O que vai acontecer com nossos escritores, nossa cultura?"

- Victor Leandro Menezes, 16 anos, estudante de 3º ano da rede privada
"Para mim, é uma furada. Vai complicar ainda mais nossa vida e não ajudar em nada. Já é difícil ingressar nas universidades daqui, aí com esta prova generalista não vai haver nivelamento, seleção. O pessoal do Centro-Sul vai tomar conta da UFPA, da Uepa"

- Amanda Matos, 16 anos, estudante de 2º ano da rede pública
"No final das contas, a fórmula para passar no vestibular vai ser a mesma: estudar muito (risos)! Mas, de forma geral, achei essa proposta do MEC inteligente. Nós do ensino público vamos ter mais chance, com mais universidades e cursos"

- Paloma Dantas, 16 anos, estudante de 3º ano da rede privada
"A concorrência é desleal, isso é um fato. O conteúdo programático da nova prova vai ser focado na realidade deles, que têm mais acesso à educação básica e fundamental. Vou me sentir deslocada, perdida diante de concorrentes mais preparados"

- Rafael Martins, 17 anos, estudante de 3º ano da rede pública
"Ainda estou em dúvida sobre que curso fazer, e acho que pessoas como eu podem ser ajudadas com este novo vestibular. Passando nas cinco opções, a gente pode experimentar mais cursos para escolher qual levar adiante"

- Abner Braz, 16 anos, estudante de 2º ano da rede pública
"Acho que vai ficar mais fácil. A gente pode escolher entre cinco cursos de todo o País, caso passe neles, o que é bom para quem ainda não se decidiu direito ou quer estudar fora daqui, conhecer outros lugares"

- Fernanda Souza, 16 anos, estudante de 1º ano da rede pública
"O maior problema do vestibular hoje em dia é o estresse de fazer quatro, cinco, até seis provas para tentar pegar uma vaga no curso que você gosta. Com esse novo método, dá para fazer uma só prova, mais elaborada, o que tira um peso desnecessário do aluno"

Entenda o “novo Enem”

- O que é?
É uma nova proposta de vestibular unificado para todo o País, em que o aluno faz somente um exame e pode aplicar sua nota em instituições de ensino do Brasil no Sistema de Seleção Unificada (SSU).

- Como vai ser a prova?
Serão 200 questões objetivas, mais uma redação. As provas serão aplicadas em dois dias. A distribuição por assuntos é centrada nos eixos de linguagem (50 testes e redação), ciências humanas (50 testes), ciências da natureza (50 testes) e matemática (50 testes).

- Quem pode fazer?
Qualquer pessoa com diploma de conclusão do ensino médio.

- Qual vai ser o conteúdo cobrado na prova?
O MEC ainda não se pronunciou, mas a expectativa é que conteúdos de valor prático para o desenvolvimento do raciocínio lógico prevaleçam.

- Quem pode adotar o método?
Tanto universidades federais quanto estaduais e de ensino particular que estejam interessadas em adotá-lo.

- Quais universidades vão aderir?
No Pará, até agora, nenhuma instituição formalizou adesão ao “novo Enem” para 2010. As três maiores - UFPA, Ufra e Uepa -, inclusive, já anunciaram não adotá-lo no próximo vestibular. No entanto, ainda há chance de alguma particular paraense adotar a prova, já que o MEC estendeu o prazo de adesão até o próximo sábado, 8.

- Para que serve?
Os alunos poderão submeter sua nota à avaliação para ingressar em até cinco cursos de até cinco universidades brasileiras. Os vestibulandos serão selecionados nos cursos conforme a nota obtida, a ordem das opções escolhidas à hora da inscrição e o limite de vagas.

- Como e quando vai ser usado pelas universidades?
As universidades têm quatro opções de uso: ou o “novo Enem” é a fase única de aprovação, ou fica valendo como primeira fase, ou é aplicado somente nas vagas ociosas ou é usado junto aos vestibulares normais. No entanto, o MEC dá autonomia às instituições para que elas decidam se querem ou não adotar o novo exame.

- Qual a vantagem?
O aluno não terá de fazer dezenas de provas para tentar o curso de sua escolha em várias universidades. Além disso, pode entrar nas federais de outros Estados sem ter de viajar para fazer exames diferenciados ou estudar conteúdos específicos de outras regiões (autores de Literatura, por exemplo).

- Qual o risco?
Por conta do mau desempenho do estudante paraense no Enem, há a chance de as vagas das universidades públicas paraenses serem "tomadas" por estudantes de Estados com maior índice de desenvolvimento. Além disso, a prova pode se tornar generalista e não exigir conteúdos adequados à realidade da região.