domingo, 27 de setembro de 2009

Campanha antidrogas agora é obrigatória nas escolas paraenses

Lei aprovada ao início do mês reacende debate sobre tráfico e consumo de drogas nos espaços de ensino



Texto: Guto Lobato
Fotos: Elielson Modesto

(Jornal Amazônia - Edição de 27/09/2009)

O consumo e comercialização de drogas nas escolas paraenses é antigo e bem conhecido pela população. Não é de hoje que traficantes se aproveitam dos espaços de ensino, sejam públicos ou particulares, para atender ao "nicho de mercado" de crianças e adolescentes em formação. Um relatório lançado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (Unesco) em 2005 bem aponta isso: o estudo revela que, em Belém, quase 16% dos alunos de ensino fundamental (5ª a 8ª série) e médio dizem já ter presenciado situações de uso de entorpecentes dentro do ambiente escolar. Desde o início desse mês, no entanto, reduzir indicadores como este se tornou obrigação do Estado – tudo a partir da aprovação da Lei 7.302/09, que institui políticas antidrogas nas escolas paraenses.

A lei, de autoria da deputada estadual Ana Cunha e aprovada pela governadora Ana Júlia Carepa no último dia 2, vem a calhar em um momento no qual a violência escolar vira, cada vez mais, motivo de polêmica. Não há dados específicos que associem o tráfico intraescolar aos surtos de criminalidade recentes, mas tanto a polícia quanto as autoridades de educação asseguram: assim como ocorre fora da escola, os entorpecentes subsidiam o crime e a delinquência em todas suas modalidades. Assaltos à porta de escolas, brigas entre gangues que disputam liderança de bairros, furtos, homicídios – tudo isso, em maior ou menor intensidade, tornou-se parte da rotina dos estudantes, sejam da rede pública ou mesmo da particular.

A Companhia Independente de Polícia Escolar (Cipoe), destacamento da Polícia Militar (PM) especializado no atendimento às unidades pedagógicas da Região Metropolitana de Belém (RMB), faz uma média de 280 a 300 atendimentos a escolas por mês – destes, pelo menos 65 resultaram em registros de ocorrência policial no mês de agosto, segundo a estatística mensal do destacamento. A maioria das ocorrências transcorre após as 16h, durante os turnos vespertino e noturno, e envolve situações no entorno das escolas das chamadas “zonas vermelhas” – bairros em situação de vulnerabilidade social.

Nos dados mais recentes, há somente uma ocorrência por entorpecentes na área das três Zonas de Policiamento Escolar (Zpoe) – que se estende da Cidade Velha, em Belém, até Benevides, cobrindo mais de 200 escolas. A pequena participação nas estatísticas não deve, no entanto, ser motivo para alívio. Isso porque, conforme explica o major Jorge Vasconcelos, comandante da Cipoe, o problema está mais no consumo que no tráfico em si. “A verdade é que dificilmente o aluno é o grande traficante de entorpecentes. O comum é que o vendedor fique pelo entorno e forneça droga para os estudantes usarem dentro da escola ou nas praças e áreas de lazer próximas”, avalia.

A aprovação de uma lei para desenvolver campanhas e palestras nas escolas, segundo o comandante da Cipoe, é positiva. Isso porque o major – que não economiza nas críticas aos políticos pró-legalização das drogas, a quem chama de “irresponsáveis” – credita boa parte dos casos de envolvimento com entorpecentes à falta de conhecimento dos jovens em relação aos riscos que correm. “O jovem não possui discernimento suficiente para medir seus atos. Uma política verdadeiramente preocupada em ensiná-lo a ver o 'lado negro' das drogas, com alertas de saúde e de segurança, tende a reduzir os índices de consumo, compra e venda”, analisa.

Maconha é droga mais usada pelos estudantes

Segundo o major Vasconcelos, mais de 90% das apreensões de entorpecentes com alunos da Região Metropolitana são de maconha – droga mais barata e de fácil obtenção em relação a outras, como cocaína, crack e ecstasy. Só na semana passada, dois estudantes foram flagrados consumindo a erva e encaminhados à Divisão de Atendimento ao Adolescente (Data). Outras sete apreensões de armas de fogo – duas levadas para dentro da sala de aula – foram feitas só nos últimos quatro meses.

Sem precisar quais escolas estão em situação mais crítica, para evitar a estigmatização delas, o major admite que a Cipoe tem em mãos um mapeamento de 40 unidades críticas. “De forma geral, são escolas públicas de periferia em que o uso de drogas é frequente, em que há muita rivalidade entre gangues”, diz. “Mas temos muitos casos que ocorrem em escolas particulares tradicionais, também. Esse mês fomos chamados pela diretoria de um colégio tradicional por conta de um porte de drogas. Eles só não ganham visibilidade porque os pais e professores tentam abafar a situação”, alerta.

Seduc afirma já conduzir políticas antidrogas



A notícia de que, agora, um dispositivo legal assegura a presença de campanhas antidrogas nas escolas foi bem recebida pelo titular da Diretoria de Diversidade, Inclusão e Cidadania (Dedic) da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) Wilson Barroso (foto). Segundo ele, a questão das drogas se insere em um contexto mais amplo, em que a garantia de direitos e a criação de uma cultura de paz são necessárias para reduzir os índices de violência no ambiente de ensino. “Na verdade, as drogas sempre foram foco de nossas preocupações. As escolas públicas que têm ou tiveram problemas associados têm tido na interação com a comunidade uma solução, mesmo que a longo prazo, uma medida efetiva e de bons resultados”, acredita.

Segundo Barroso, a principal medida hoje existente para coibir o consumo e comercialização de entorpecentes nas escolas públicas é o programa “Escola de portas abertas”, adotado pela Seduc em parceria com o Governo Federal; porém, atividades extra-curriculares sobre o assunto não estão fora de cogitação. O método “portas abertas” contempla atividades recreativas e pedagógicas nas escolas durante os finais de semana, abrindo-as à participação de alunos, pais e moradores da comunidade próxima. No Pará, ele já foi implantado em 320 escolas de 120 municípios, o que resulta em um universo de 600 mil alunos e 4 milhões de membros da comunidade contemplados.

Embora o foco do programa não seja específico para as drogas, o titular da Dedic explica que o tema é explorado exaustivamente pelos próprios participantes. “Essa medida busca enfrentar todos os tipos de violência escolar, das brincadeiras de mau gosto - o bullying - até os assaltos à mão armada e furtos, a exploração sexual e as drogas. Dentro das atividades tocamos em assuntos como a estrutura familiar, a questão do uso e comércio de entorpecentes, e o que se vê é um aumento na conscientização do aluno e de sua família”, comenta. “Em uma escola aqui do Tapanã, em Belém, por exemplo, um grupo de ex-traficantes hoje dá palestras para jovens alertando para os riscos da droga. É um sinal de que a própria comunidade do entorno faz o possível para tocar neste assunto e orientar seus jovens”, conclui.

Alunos que convivem com o problema aprovam lei

Quem convive diariamente com um espaço escolar perigoso, marcado por surtos de delinquência juvenil e pela ocasional negligência das autoridades de ensino, aprova a ideia de “obrigar” o Estado a implantar políticas de combate às drogas. É fácil entender: para eles, feiras culturais, palestras sobre o tema e até a presença da PM nos arredores parecem não trazer mudanças significativas em termos de segurança. Escolas de bairros como Terra Firme, Guamá, Sacramenta e Cabanagem, que concentram a maioria das ocorrências registradas pela Cipoe, pouco a pouco se tornam reféns da ação de traficantes e gangues.

A reportagem circulou por algumas escolas com histórico de violência de Belém para ouvir opiniões. Constatou-se que, entre os estudantes, o medo de se identificar é constante. Denúncias, no entanto, abundam: vão desde a livre entrada de traficantes nas salas de aula até cenas degradantes, como o consumo de maconha e cocaína nos banheiros, à hora do intervalo. “A nossa escola vive cheia de gente ‘noiada’, fumando maconha na porta de entrada mesmo. Depois eles entram na sala e querem agarrar as meninas à força, é nojento”, diz o jovem G.O.S., 13 anos, estudante de 5ª série em uma escola situada às proximidades da avenida Senador Lemos, no bairro da Sacramenta.

J.B.N., de 11 anos, colega de sala de G.O.S., relata já ter sido alvo de várias agressões. Apesar da idade, ele diz já reconhecer o cheiro da maconha a metros de distância. “A gente acaba se acostumando, porque o cheiro fica impregnado no banheiro. E o pior é quando a gente entra lá e eles começam a agredir e ameaçar. Como se o banheiro fosse para aquilo”, relata. Quanto à lei, os meninos têm a mesma opinião: só servirá para alguma coisa se for cumprida. “Contanto que não vire uma dessas leis que ninguém obedece, sou a favor”, diz J.B.N. “Essa lei não deveria nem existir, porque os professores deveriam saber sozinhos que falar de drogas, prevenir os alunos, é obrigação deles”, denuncia G.O.S.

Entre os alunos de ensino médio, a visão é a de que as drogas deveriam ser tratadas como um assunto comum, e não como tabu. “Claro que é polêmico, mas os professores e diretores não deveriam ter receio de falar sobre isso. Essa lei vem para estimular a conscientização dos alunos a partir da iniciativa deles”, comenta D.C., 18, estudante de terceiro ano em uma escola no bairro do Marco. “É mais ou menos como o assunto sexo, que deveria ser mais tocado, como uma medida preventiva. Infelizmente, muita gente não sabe o perigo de se envolver com drogas e cai nisso por imaturidade, falta de acompanhamento da família. A escola tem que ‘se meter’ nisso, nem que seja por força de lei”, completou E.J.N., 17, também aluno de terceiro ano.

Família e escola devem estar unidas no combate



É fato que, antes de um problema relativo à escola, o consumo de entorpecentes entre os jovens concerne à orientação e formação deles dentro do espaço familiar. O major Jorge Vasconcelos, da Cipoe (foto), explica que o controle das drogas dentro dos espaços de ensino depende da ação de pais e responsáveis. “Nós, da polícia, precisamos ter suspeita fundada para executar uma revista, por exemplo. Além disso, os professores e diretores das escolas não têm como procurar drogas na mochila de centenas de alunos todos os dias. Querendo ou não, os jovens precisam ser orientados e monitorados sobretudo pela família, recebendo orientações dentro de casa”, comenta.

Mesmo assim, a ideia de implementar políticas preventivas nas escolas é vista com bons olhos por especialistas da área. A doutora em psicologia da educação Ivany Nascimento, que coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Juventude (Gepjurse) da Universidade Federal do Pará (UFPA), acredita que a responsabilidade do Estado sobre os adolescentes pode – e deve – ser estendida ao espaço pedagógico. “A aprovação de uma lei simboliza a responsabilização do Estado por nossos adolescentes. Afinal, o consumo da droga envolve uma rede complexa de fatores de influência, que vai do espaço familiar ao entorno das escolas de zonas mais carentes, da presença dos professores na formação psicossocial de seus alunos à vigilância das autoridades de segurança”, afirma.

Atualmente desenvolvendo um trabalho em escolas de Manaus (AM), Ivany reforça, porém, que a lei não deve se limitar a palestras e eventos pontuais; deve, sobretudo, ser encarada como um convite à conscientização de pais, professores e da comunidade escolar. “Assim como a família, a escola é uma instituição responsável pela formação do sujeito. E a lei precisa ser posta em prática no dia-a-dia. Sabemos das dificuldades relativas à própria sala de aula, por exemplo, e elas têm envolvimento direto com o uso de drogas e a violência e criminalidade entre o alunado", afirma. "Uma mudança a longo prazo no próprio sistema de educação de nosso País, a meu ver, deveria ser encaminhada junto às campanhas para coibir a violência escolar”, reitera.

Consumo de drogas nas escolas de algumas capitais
Fonte: Relatório “Drogas nas escolas”. Unesco, 2005.
Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001393/139387por.pdf

Capital - Porcentagem de alunos que presenciaram uso de drogas dentro da escola - Porcentagem de alunos que presenciaram uso de drogas no entorno da escola

Manaus (AM) – 18,6% – 25,7%
Belém (PA) – 15,7% – 18,6%
Fortaleza (CE) – 21% – 28,3%
Florianópolis (SC) – 35,1% – 42,2%
Porto Alegre (RS) – 29% – 45,6%

Ocorrências escolares na Região Metropolitana
Fonte:
Cipoe/PM
Período: Agosto de 2009

Homicídio – 1
Furto – 2
Roubo – 3
Brigas entre alunos – 4
Assalto a mão armada – 0
Arrombamento – 1
Porte Ilegal de Arma de Fogo – 2
Porte Ilegal de Arma Branca – 2
Entorpecente – 1
Ocorrência c/ criança – 3
Sedução de Menor – 2
Ameaça/ Agressão – 4
Apoio a outros órgãos policiais – 21
Assalto c/ refém – 1
Outros – 18
Total: 65

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

E-crime motiva repressão policial

No Pará, 38 prisões foram efetuadas em operações da Polícia Civil de abril até agora. Combate contrasta com falta de legislação específica para crimes na internet.

GUTO LOBATO
Da Redação

(Jornal Amazônia - Edição de 20 de setembro de 2009)

É bem sabido que os avanços da tecnologia não trouxeram apenas benefícios ao homem. A difusão da internet e a livre circulação de informações serviram como um prato cheio para que o crime organizado se estabelecesse no meio virtual, caracterizando uma nova modalidade que já preocupa autoridades de segurança pública: os chamados crimes tecnológicos ou cibernéticos (e-crime). Além de motivar ampla discussão no Legislativo – ainda não há lei específica sobre o assunto no Brasil –, estes delitos têm tido participação crescente nas estatísticas policiais: só no Pará, 38 prisões foram efetuadas nos últimos cinco meses em operações da Delegacia de Repressão a Crimes Tecnológicos (DRCT), vinculada à Divisão de Repressão ao Crime Organizado (DRCO) da Polícia Civil.

O avanço dos crimes tecnológicos no Pará é resultado de um processo que, de forma geral, atinge todos os Estados brasileiros – e, ao contrário do que o senso comum indica, vai muito além das capitais e grandes centros urbanos. Especialistas acreditam que mais de 17 mil processos ligados ao Direito Eletrônico tenham ido parar na esfera judicial no Brasil. Da mesma forma, o Ministério Público Federal (MPF) apontou crescimento de 318% no número de investigações de crimes de internet entre os anos de 2007 e 2008. É uma evidência de que o problema, antes restrito a países e regiões desenvolvidos, cresce confome o aumento da acessibilidade à rede.

Duas quadrilhas de estelionatários que foram desmanteladas recentemente por meio de operações coordenadas pela DRCT demonstram a disseminação do e-crime no Pará. A primeira, liderada por um homem identificado como Júlio César Rodrigues, possuía sedes em Belém e em outras cidades do norte e nordeste. A organização criminosa "caiu” ao final de julho e era especializada em aplicar golpes por meio de dois sites que anunciavam a venda de carros.

Tentadas pelos preços baixos e pelas possibilidades de financiamento, as vítimas visitavam os endereços - www.crisautos.com.br e www.empresasfinavel.com.br - e se deparavam com uma estrutura de atendimento completa – até Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e venda online a “empresa” possuía. Após formalizar a compra via contratos e recibos por e-mail, no entanto, descobria-se que não havia veículo algum. Quem insistisse em tirar satisfações por telefone era alvo de deboche ou até recebia ameaças por parte dos golpistas.

A outra quadrilha – que está tendo “baixas” em seus integrantes até hoje – tinha sede no pequeno município de Curuçá, no nordeste paraense, onde um casal atraía pessoas aposentadas com propostas de recebimento de benefícios do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Eles obtiveram dezenas de documentos pessoais e dados de cartão de crédito das vítimas para realizar compras, financiamentos e desvios bancários pela internet. Um dos hackers responsáveis por encaminhar o esquema criminoso na internet já foi capturado, mas a polícia acredita que haja mais envolvidos espalhados pelo Estado.

“A verdade é que, com o acesso à internet nas cidades do interior, o crime cibernético se disseminou fora das capitais. Isso torna a ação deles mais difusa e exige maior domínio à hora da investigação policial”, explica a delegada Beatriz Machado, titular da DRCT. Impossível não relacionar tais palavras, por sinal, à situação vivenciada em Parauapebas, no sudeste paraense. Palco de um dos momentos cruciais da operação “Cavalo de Troia”, executada pela Polícia Federal em 2005 e que resultou em mais de 160 prisões, o município de pouco mais de 150 mil habitantes é conhecido como “paraíso dos hackers” até hoje por ter sido o local em que “nasceu” tal atividade no País, sob o comando de Fábio Florêncio da Silva.

Primeiro brasileiro a ser preso por cometer crimes do tipo, ele comandou e treinou um sem-número de golpistas e redes criminosas no Pará e em outros Estados – com sede em Parauapebas, longe dos olhares atentos da capital. Ou seja: não só tais crimes existem no interior, como muitas vezes partem dele.

Investigações esbarram em questões legais

As 38 prisões efetuadas pela DRCT desde sua criação, em abril deste ano, resultam de pelo menos nove operações, boa parte delas concentradas fora da capital. Dada a natureza dos crimes praticados pela internet, todo trabalho de investigação na unidade é longo – leva em média de dois a três meses para ser concluído –, trabalhoso e esbarra em uma série de questões legais. “Há uma dificuldade em se identificar o autor dos crimes pela internet, já que o uso do anonimato, de identidades falsas e de ‘laranjas’ é prática comum. Hoje, quem comete crimes tecnológicos já possui conhecimento técnico para fazê-lo sem deixar muitas pistas”, avalia a delegada.

A burocracia em torno do trabalho investigativo é outro fator. As quebras de sigilo de dados cadastrais e de contas, por exemplo, dependem de ordem judicial para serem feitas pela polícia. Além disso, o apoio de empresas que prestam serviços na internet é essencial para que a apuração de dados e informações seja feita de forma mais célere. “Com a CPI da Pedofilia, conseguiu-se estabelecer uma boa parceria entre o Google e a polícia, por exemplo, à hora de se fornecer informações e dados cadastrais. Hoje também temos o apoio da Microsoft, que envia as informações quando há solicitação das autoridades competentes”, relata a delegada. “Não fosse isso, teríamos muito mais dificuldade em chegar aos líderes das quadrilhas e grupos”.

Legislação brasileira ainda não contempla crimes tecnológicos

A falta de um dispositivo legal para enquadrar os crimes tecnológicos gera polêmica até hoje Legislativo e no Judiciário. Há pelo menos três projetos de lei à espera de votação no Senado que estabelecem tipificações penais e mudanças nas sanções restritivas de liberdade ligadas aos crimes de internet (veja quadro). Aos olhos da lei, no entanto, o crime praticado por meio da internet até hoje não difere do convencional. Casos de sites que vendem produtos inexistentes, golpistas que fazem clonagem de cartões e falsificação de documentos e hackers que desviam dinheiro de contas bancárias são enquadrados na Justiça no próprio Código Penal brasileiro, sem ter o uso da web como agravante.

As tipificações mais comuns são estelionato (artigo 171), furto qualificado (art. 155), falsa identidade (art. 307) e falsificações de documento público e privado (art. 297) decorrentes do uso de dados coletados na internet. Um hacker, por exemplo, pode ser indiciado por estelionato e furto qualificado ao invadir o sistema de um banco e fazer transações em contas de terceiros. Há, também, um grande volume de denúncias por calúnia (art. 138), injúria (art. 140) e difamação (art. 139), geralmente associadas a situações geradas em sites de relacionamentos como Orkut e Facebook. Só a DRCT da Polícia Civil do Pará recebe uma média de dez denúncias desse tipo por dia, segundo a delegada Beatriz. “São casos que nem sempre estão ligados ao crime organizado, mas necessariamente têm a ver com o uso criminoso das ferramentas eletrônicas, como a criação de perfis falsos com informações difamatórias, o uso indevido de imagem, entre outros”, explica.

Além de conceder penas iguais às do criminoso “comum”, a aplicação do Código Penal aos criminosos da internet deixa algumas “brechas” relativas a crimes típicos, como o vazamento de informações e a invasão de sistemas de domínio restrito. O promotor público Milton Lobo, do Grupo Especial de Prevenção e Repressão às Organizações Criminosas (Geproc) do Ministério Público do Estado (MPE), diz que quase todos os crimes denunciados pela polícia ao MPE acabam resultando em processos na Justiça. Por conta disto, vê urgência na aprovação de uma legislação específica para eles.

“Os recursos a que podemos recorrer em uma denúncia de crime pela internet são muito escassos. Há o estelionato, o furto, a formação de quadrilha no Código Penal, mas não existe agravante no uso da internet, tampouco tipificação para delitos mais recentes, como a invasão de sistemas. É sinal de que o crime evoluiu rápido e a lei não o acompanhou”, diz. “Se pensarmos no raciocínio do criminoso, é muito melhor cometer crimes nesse estilo. É muito mais ‘sutil’ para eles entrar em um sistema bancário e desviar dinheiro para suas contas do que entrar em uma agência e assaltá-la. Não há sangue, tampouco comoção popular”, argumenta.

Transações comerciais são foco de preocupação

Líderes em denúncias junto à Polícia Civil e a órgãos como os Ministérios Públicos Estadual (MPE) e Federal (MPF), os crimes ligados a transações comerciais na internet têm custado caro para suas vítimas. Dados oficiais apontam que, só em clonagens de cartões de crédito feitas a partir de dados roubados por hackers em fóruns e lojas virtuais, um prejuízo superior a R$ 31 milhões tenha sido causado aos brasileiros no primeiro semestre deste ano. Embora não haja números oficiais no Pará sobre o assunto, a Polícia Civil reconhece grande volume de denúncias relacionadas a golpes. A quadrilha da venda de carros, por exemplo, fez mais de uma dezena de vítimas no Estado inteiro.

As transações de cartão de crédito online, segundo especialistas, são especialmente arriscadas, já que os dados fornecidos durante as operações podem ser interceptados com facilidade por um hacker bem treinado. Independentemente de serem feitas em domínios seguros (como o https://) ou em sites de aparência confiável, é preciso que se tenha em mente que o perigo das compras pela internet é sempre alto.

“Sempre recomendamos que o usuário, ao fazer compras em sites, busque saber se a tal empresa tem CNPJ, se possui sede, telefone de contato e/ou serviços de atendimento. E, mesmo assim, há chance de haver golpe, como foi no caso da quadrilha que fingia vender carros”, diz a delegada Beatriz Machado. “Em caso de suspeita, o melhor é não fazer a compra. Ou então salvar a página da conclusão da transação, com o endereço URL, para poder mostrá-la à hora de registrar uma ocorrência na polícia”, recomenda.

A venda de produtos inexistentes – de livros e discos até imóveis e carros – em lojas virtuais é outro ponto preocupante. O promotor Milton Lobo reforça que a melhor forma de evitar cair em golpes é não se deslumbrar com promoções mirabolantes ou “propostas irrecusáveis”. “Costumamos dizer que o estelionato é um crime em que ambas as partes querem ter algum tipo de vantagem, só que o criminoso é mais esperto que a vítima”, acredita. “Quando uma coisa é indicada abaixo de seu valor de custo em um site, é óbvio que tem algo errado. Um celular de R$ 3 mil que é vendido em uma loja virtual a R$ 800 é um fato muito suspeito. Se recair na cobiça, a vítima pode ver o barato se tornar caro”, exemplifica Lobo.

Entenda os crimes tecnológicos

O que são?

Crimes contra o patrimônio, a honra, a paz pública e/ou a fé pública praticados em meios informáticos (internet).

Quais são os mais comuns?

Estelionato (artigo 171 do Código Penal), furto qualificado (art. 155), falsa identidade (art. 307), calúnia (art. 138), injúria (art. 140) e difamação (art. 139).

Quem investiga?

A Polícia Federal (PF) foi pioneira nas investigações de crimes online, mas as polícias civis podem ter divisões especializadas na área. No Pará, os casos são atendidos pela Delegacia de Repressão a Crimes Tecnológicos (DRCT), vinculada à PC do Estado. Desde a criação da unidade, em abril, nove operações já foram realizadas: “Clone”, “Conexão” I e II, “Androide” I e II, “Guarda”, “Cegonha”, “Rede digital” e “Crédito digital”. As duas últimas ainda estão em andamento.

Como os criminosos são enquadrados na lei, atualmente?

Hoje, todos os casos são tipificados com base no Código Penal brasileiro, que cobre total ou parcialmente 95% dos tipos de crime com seus dispositivos. Há, porém, algumas modalides que estão sem enquadramento na legislação vigente, como a invasão de sistemas e o vazamento de informações.

Em caso de mudança na lei, como ficaria?

Há pelo menos três projetos de lei à espera de aprovação no Senado. As principais mudanças, com o sancionamento das leis, seriam relativas às penas aplicadas aos acusados de cometer crime na internet – o uso de anonimato, nome suposto ou identidade de terceiros pelo criminoso durante uma fraude na web, por exemplo, aumentaria sua pena em até um sexto. As penas de calúnia, injúria e difamação também seriam aumentadas em dois terços, caso aplicadas a casos na internet. Fora, isso, uma série de tipificações penais seria criada para o meio eletrônico. Confira algumas:

- Dano por difusão de vírus eletrônico;

- Acesso indevido a dispositivo de comunicação;

- Obtenção, guarda e fornecimento de informação eletrônica sem autorização;

- Atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública;

- Furto qualificado com uso de meios eletrônicos;

- Falsificação de cartão de crédito ou débito ou qualquer dispositivo de armazenamento de informações.

Como se prevenir?

- Evite fazer transações com cartões de crédito ou débito na internet;

- Ao realizar alguma compra na web, verifique se o site de venda de produtos ou serviços é de uma empresa, se esta possui CNPJ, se possui endereço fixo e se o site já foi denunciado por alguém em algum fórum de discussão online. E sempre desconfie de preços muito baixos;

- Se tiver mesmo de fazer uma transação de cartão, salve o endereço URL e a página em que ela foi realizada, gravando o endereço em alguma mídia portátil (CD, DVD ou pen drive). Assim, no caso de ser fraudado, você tem pistas para oferecer à polícia;

- Evite abrir e-mails suspeitos, principalmente quando enviados por supostos órgãos oficiais, como a Receita Federal e o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), ou por bancos. Eles só costumam enviar correio eletrônico quando solicitados;

- Mantenha o antivírus de seu computador atualizado e evite entrar em sites desprotegidos;

- Tome cuidado com sua imagem e com informações pessoais em sites de relacionamentos. Crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) costumam se basear sobre dadosfornecidos pela própria vítima nestes espaços;

Como denunciar?

- Na internet, há pelo menos dois sites especializados em denúncias de crimes online: http://www.denunciar.org.br/ e http://www.safernet.org.br/;

- Casos no Pará podem ser denunciados para investigação na DRCT da Polícia Civil indo à sede da DRCO, que fica na travessa Vileta, nº 1.100, entre Marquês de Herval e Pedro Miranda, no bairro da Pedreira, ou entrando em contato pelos telefones (91) 4006-8114 / 8120 / 8121 e 8106;

- Informações também podem ser fornecidas pelo Disque Denúncia (181) ou ao Geproc, do MPE, pelo telefone (91) 4006-3477.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Violência migra para o interior do Estado

Crime organizado e conflitos por posse de terra assolam municípios paraenses. Reduzido efetivo policial aumenta clima de insegurança.

GUTO LOBATO
Da Redação

(Jornal Amazônia - Edição de 6/9/2009)

Já faz tempo que as pequenas cidades do interior brasileiro vêm perdendo seus principais atrativos. O ar provinciano, a tranquilidade e, principalmente, a segurança dos aglomerados distantes das capitais pouco a pouco se tornam parte de um passado remoto. Não é diferente no Pará: o relatório "Mapa da violência dos municípios brasileiros", lançado ao ano passado pela Rede de Informação Tecnológica Latino Americana (Ritla) em parceria com o Instituto Sangari e os ministérios da Justiça e Saúde, revela que pelo menos seis municípios do Estado estão entre os cinquenta com maior número de homicídios por 100 mil habitantes - entre eles, pólos de expansão urbana como Marabá, Tucuruí e Parauapebas.

Os números brutos só fazem confirmar o clima tenso que se configura no interior paraense: antes "exclusividade" da capital, os crimes motivados pelo crescimento populacional desordenado e pela falta de políticas públicas têm migrado às demais regiões e gerado temor junto às autoridades de segurança. As polícias Civil (PC) e Militar (PM) têm, cada qual à sua maneira, tentado mapear e desmantelar os focos de criminalidade; porém, com efetivo reduzido e sem infraestrutura, tal tarefa se torna um desafio logístico.

Atualmente, o interior do Pará dispõe de 182 delegacias e seccionais distribuídas em 136 municípios - Cumaru do Norte, Quatipuru, Bannach, Brejo Grande do Araguaia, Porto de Moz e Ulianópolis só devem ganhar suas unidades ao final de 2010 (veja quadro). Um número aceitável, não fosse a falta de pessoal que atinge a Polícia Civil: somente 1,2 mil agentes, entre delegados, escrivães e investigadores, atuam fora da capital, segundo dados da Diretoria de Polícia do Interior (DPI).

O contingente é lotado nas dez Superintendências Regionais da PC, responsáveis pelo gerenciamento do efetivo. "O ideal, hoje, seria termos pelo menos uns 3,5 mil policiais para cobrir as várias regiões do Pará. Até porque, para coibirmos a violência de fato, é preciso investir nos serviços de inteligência, nas equipes de investigação", afirma o delegado Miguel Cunha, titular da DPI. "O problema é que estamos há catorze anos sem concurso. A seleção que será feita neste mês de setembro deve começar a solucionar o problema, trazendo pelo menos uns 350 novos agentes para o interior", avalia.

Em todas as regiões do Estado, a maior parte dos esforços policiais está concentrada no combate ao crime organizado - em especial, o tráfico de drogas. É o principal responsável pelo alto índice de homicídios, roubos e apreensões de armas de fogo e material entorpecente no interior. Há números para comprovar isto: só no primeiro semestre de 2009, mais de 1,2 mil pessoas foram presas fora da capital do Estado. Em meio às operações, 300 bocas de fumo foram estouradas, cerca de meia tonelada de maconha e cocaína foi apreendida e 800 armas de fogo foram encontradas sem registro regular. "Entendemos que o comércio de entorpecentes fomenta outras modalidades criminosas. E ele não é um crime restrito à capital ou às maiores cidades. Está distribuído na zona do Salgado, no Sul e Sudeste, no Xingu, no Marajó", avalia Cunha.

Pará registra 33 assassinatos no campo em quatro anos

Mas não é somente no tráfico que reside o problema da violência no interior do Pará. Algumas regiões, em especial a Sudeste, enfrentam problemas históricos por conta dos conflitos ligados à posse de terra. Nos últimos quatro anos, a polícia registrou oficialmente 33 assassinatos no campo. Há, no entanto, um sem-número de tentativas de homicídio, conflitos e outras ocorrências relacionadas que acabam não indo parar nas estatísticas, dada a carência de unidades especializadas neste tipo de violência no Estado.

Atualmente, somente duas Delegacias de Conflitos Agrários (Decas) estão em atividade, nos municípios de Marabá e Redenção. Elas funcionam em convênio com entidades como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e a Ouvidoria Agrária Nacional, e têm um efetivo treinado para lidar com ocorrências ligadas à questão da posse de terra. Até o final do ano, a DPI deve inaugurar uma nova unidade no município de Paragominas, segundo Miguel Cunha.

A delegada Bruna Paolucci, da Superintendência Regional do Sudeste - responsável pela cobertura de 23 municípios -, reconhece a dificuldade em se coibir a criminalidade na região. O próprio município-sede do órgão, Marabá, já foi apontado em pesquisas como um dos pontos críticos no que se refere à morte de jovens: 60 homicídios com vítimas na faixa etária entre 15 e 24 anos foram registrados somente em 2006. Além disso, a cidade tem o impressionante índice de 87,9 assassinatos para cada grupo de 100 mil habitantes - praticamente o dobro, por exemplo, da taxa do Rio de Janeiro (RJ), que, apesar da fama de "terra sem lei", não contabiliza mais que 44 mortes por 100 mil habitantes.

"Temos um problema fundamental, que é a expansão populacional desordenada. Marabá - toda a região em torno dela - é vendida como uma cidade de oportunidades, porém não tem estrutura para receber e inserir toda a mão-de-obra que chega nela, a maior parte não especializada. Combinando isso à falta de políticas de inserção social, temos um crescimento urbano que vem acompanhado de violência na forma de homicídios, roubos e da ação do crime organizado, da mesma forma que ocorre na capital", acredita.

Somente no mês de julho, a superintendência registrou cerca de 3,9 mil ocorrências, que resultaram na abertura de 426 inquéritos. A delegada, no entanto, acredita que tal número condiz com a realidade do Sudeste paraense. "Dada a dimensão de nossa área, que cobre pólos regionais como Tucuruí e Parauapebas, fora Marabá, que sozinha possui mais de 200 mil habitantes, não é um número tão impressionante. O problema é a gravidade e concentração destes crimes em áreas específicas", completa.

Nordeste paraense é afetado por "migração do crime"

A proximidade com a Região Metropolitana de Belém (RMB) também é fator a se levar em conta à hora de analisar a migração da violência para o interior. Na região Nordeste do Estado, por exemplo, tornou-se comum que cidades com fama de "pacatas" virem refúgio de bandidos residentes na capital. Desta forma, modalidades criminosas tipicamente urbanas, como o tráfico, conseguem fincar raízes nos pequenos municípios de interior - e, por conseguinte, aumentar as estatísticas de assaltos à mão armada, acertos de contas, latrocínios e outros crimes de menor gravidade.

A ideia é do coronel Lázaro Saraiva, do 3º Comando de Policiamento Regional da PM, que acredita que este fenômeno tem relação com o crescimento de novos pólos urbanos no Estado. "A verdade é que o Pará tem vários núcleos de expansão, é o caso de Marabá, Castanhal, Santarém. Com isso, vêm os problemas típicos de uma capital: o desemprego, a criminalidade. E isso, de uma forma ou de outra, também chega às pequenas cidades próximas", analisa. "Além disso, há a questão dos fugitivos da capital. Se o trabalho da PM está bom em Belém, é natural que os bandidos fujam para o interior. A região Nordeste é especialmente afetada por isso. Fizemos várias prisões de assaltantes belenenses em Castanhal neste ano", garante.

Com uma área de cobertura que abrange 20 municípios, com sede em Castanhal e um efetivo de 850 homens, o CPR 3 é o segundo no ranking de ocorrências que a PM contabiliza no Estado - só perde para o CPR da região Sudeste. Pelo menos 300 prisões foram realizadas pelo destacamento de janeiro a setembro de 2009 - entre elas, 41 de traficantes. Vários municípios da área perderam a aura de tranquilidade após registrar crimes de alta complexidade. Concórdia do Pará, Curuçá e São Domingos do Capim - todos com população inferior a 40 mil habitantes - foram alvos da ação de quadrilhas especializadas em assaltos a bancos neste ano. Até o pequeno município de Magalhães Barata, situado próximo a Marapanim, com 7,8 mil habitantes, registrou um homicídio e dois assaltos só na primeira semana de setembro.

Já Castanhal, com seu núcleo urbano expandido, registra pelo menos quatro homicídios por mês, segundo dados do CPR 3 da PM. "A verdade é que o interior do Estado ainda não está fora de controle. Muitas vezes o crime se manifesta na forma de furtos de bicicletas, roubos de pequeno porte, mas a mídia acaba expondo casos pontuais de maior gravidade. Mas a polícia consegue evitar a ação do crime organizado. Impedimos quatro assaltos a bancos desde o início do ano com o apoio dos serviços de inteligência", avalia o coronel Saraiva.

Moradores de Igarapé-Miri sofrem com crescente criminalidade

Na última segunda-feira, o município de Igarapé-Miri, situado a 96 km de Belém, viveu mais um dia de revolta popular. Por conta do assassinato do mototaxista Abraão de Souza Batista, de 20 anos de idade, na PA-407, que liga a cidade a um de seus distritos, a Vila de Maiauatá (veja quadro), dezenas de moradores fizeram um protesto na Alça Viária, interrompendo o tráfego de veículos por mais de seis horas. A manifestação, embora pacífica em comparação à que resultou no incendiamento do Fórum Municipal e na depredação de vários prédios públicos em dezembro do ano passado, gerou trânsito lento na Alça Viária e quase resultou em confronto com a polícia.

Desta vez, o basta à violência foi organizado por associações de mototaxistas, com apoio de populares e do próprio Legislativo municipal. "Este homicídio foi apenas a gota d´água. Nós estamos insatisfeitos há muito tempo com a falta de policiamento, de iluminação pública, de pavimentação nas estradas. Tudo isso é um prato cheio para a expansão da violência", diz o vereador e mototaxista João do Carmo. "O interior, além de estar abandonado, virou um antro de bandidos. Nossa qualidade de vida está ameaçada", completa.

É bem verdade que o município de Igarapé-Miri, situado a apenas 96 km de Belém, não é o mesmo que um dia ganhou o status de "capital mundial do açaí". Ruas escuras, vazias e pouco movimentadas desde o final da tarde bem denotam o medo que já se espalhou entre a população. Não faltam pontos de risco na cidade: segundo moradores, o trecho da PA-407 em que o jovem mototaxista foi morto é um verdadeiro antro de assaltantes, que ficam à espera dos veículos que trafegam da Vila de Maiauatá ao centro da cidade. Para piorar, a única delegacia de Polícia Civil do município funciona improvisada em uma casa. A copa do imóvel é utilizada como cela, dada a falta de estrutura para que os policiais trabalhem.

Um comerciante miriense de 43 anos, que preferiu não ser identificado, diz que os assaltos no local em muito se aproximam do crime organizado da capital. "Eles sabem que não tem banco na vila, então já pressupõem que os empresários vão de um lado para o outro na PA-407 com dinheiro vivo. Vários veículos da empresa em que trabalho já foram assaltados, mesmo à luz do dia", reclamou. "Não temos nem polícia na cidade, que o diga nas estradas", completou.

ALGUNS MUNICÍPIOS PARAENSES INCLUÍDOS NO RANKING DA VIOLÊNCIA
Fonte: "Mapa da violência dos municípios brasileiros 2008", da Rede Informação Tecnológica Latino Americana (Ritla), Instituto Sangari, Ministério da Justiça e Ministério da Saúde

Posição - Município - Número de homicídios por 100 mil habitantes
6º - Tailândia - 96,2
11ª - Marabá - 87,9
12ª - Itupiranga - 87,5
18ª - Novo Repartimento - 83,9
31ª - Goianésia do Pará - 75,8
50ª - Nova Ipixuna - 68
51ª - Novo Progresso - 67,7
53ª - Jacundá - 67
63ª - Tucuruí - 63,5
75ª - Marituba - 60
76ª - Eldorado dos Carajás - 59,8
128ª - Parauapebas - 53,2

A POLÍCIA NO INTERIOR DO PARÁ
Fonte: Diretoria de Polícia do Interior (DPI) e 3º CPC

- Efetivo da Polícia Militar (PM) no interior: Cerca de 10 mil
- Efetivo da Polícia Civil (PC) no interior: 1,2 mil
- Delegacias de PC no interior: 182
- Municípios sem delegacias: Cumaru do Norte, Quatipuru, Bannach, Brejo Grande do Araguaia, Porto de Moz e Ulianópolis
- Bocas de fumo estouradas pela PC (janeiro a julho 2009): 300
- Droga apreendidas pela PC (janeiro a julho 2009): 0,5 tonelada
- Prisões efetuadas (janeiro a julho 2009): Mais de 1,2 mil
- Assassinatos no campo registrados na PC (2006-2009): 33

CASOS RECENTES DE VIOLÊNCIA NO INTERIOR

Marabá - 23/1/2009

O caminhoneiro Mário Domingos da Silva, 49 anos, foi recolhido no xadrez da Superintendência de Polícia Civil do Sudeste. Ele matou a própria filha, um bebê de 5 meses. A vítima foi espancada, atirada na parede e jogada no chão. Quando foi socorrida no hospital municipal, já não havia mais tempo de salvá-la. O choro do bebê teria irritado o caminhoneiro. A mãe da criança, Ana Paula de Lima, 21, vivia há dois anos com o acusado na Folha 35, da Nova Marabá, e também era agredida fisicamente.

Curionópolis - 16/3/2009

Revoltado por um estupro cometido contra sua mulher, o coveiro Carlos de Sousa Silva, 35 anos, matou um homem identificado como "Cicinho do brega" com mais de 15 golpes de faca peixeira, na região central de Curionópolis, a 130 km de Marabá. A vítima, que inclusive confessara ter violado a esposa de Carlos, não tinha qualquer documento de identificação à hora em que foi morta.

Rondon do Pará - 26/4/2009

Um homicídio foi registrado na fazenda Rio Branco, situada a 100 quilômetros de Rondon do Pará. Um ex-funcionário da fazenda encontrou o corpo do braçal Edvan de Amarães, maranhense, 34 anos, em adiantado estado de putrefação, com quatro perfurações de faca e uma de bala. Populares afirmaram que o crime se deu por conta de conflitos agrários, uma vez que a vítima residia em um assentamento. A polícia, no entanto, não confirmou a tese.

Santa Luzia - 5/6/2009

O lavrador Sebastião Pinto dos Santos, de 24 anos, e um adolescente de 17 esfaquearam, sem motivo aparente, nove pessoas que caminhavam no centro de Santa Luzia, a 210 km de Belém. O crime ocorreu à noite. Centenas de moradores revoltados ameaçaram invadir a delegacia em que eles foram postos pela polícia. Todas as vítimas foram atendidas no pronto-socorro de Santa Luzia e receberam alta médica na mesma noite. Uma das vítimas, de 61 anos de idade, quase teve o pescoço perfurado.

Paragominas - 7/6/2009

Moradores do bairro Laércio Cabelline, zona periférica de Paragominas, encontraram o cadáver de Jonas Pereira, 23 anos, morto a pauladas e depois jogado dentro de uma fossa, nos fundos de uma casa abandonada. Pela manhã, um morador da rua Balestéri sentiu forte odor que vinha do quintal, entrou no local e se deparou com o corpo da vítima. A hipótese da Polícia era de que se tratava de um homicídio.

Abel Figueiredo - 22/8/2009

Quatro pessoas, entre elas dois traficantes, foram mortas a pauladas no município de Abel Figueiredo, no Sudeste paraense. O crime transcorreu no bairro Bela Vista, onde funcionava uma boca de fumo. Tratou-se de um latrocínio, já que foram levados pertences das vítimas, além de drogas. Waldineys do Nascimento e "Loura" eram os donos do ponto de venda. Eles foram logo após Wesley de Souza Matos e Hércules de Almeida Costa, dois usuários que foram à "Vilinha" atrás de entorpecentes.

Igarapé-Miri - 28/8/2009

O mototaxista Abraão de Souza Batista, de 20 anos, foi morto a tiros na PA-407, que fica dentro de Igarapé-Miri. Ele foi visto pela última vez em um posto de gasolina, quando pegou os dois homens acusados de seu assassinato, partindo em seguida para deixá-los na vila Maiauatá. O corpo só foi encontrado à manhã do dia seguinte, próximo a uma ponte, à beira da rodovia estadual. Os acusados de sua morte foram presos três dias depois.

Castanhal - 31/8/2009

Jonatas de Araújo Brandão, de 23 anos, foi morto com vários tiros na cabeça por volta de 23h na rodovia que liga os municípios de Castanhal e São Francisco do Pará. Jonatas praticava diversos assaltos em Castanhal, utilizando uma motocicleta que foi reconhecida por vítimas. A hipótese da polícia é que Jonatas se desentendera com o comparsa, ainda foragido, à hora em que iam praticar um assalto.

Castanhal - 1/9/2009

William Freitas da Silva, de 18 anos, foi morto a pedradas no conjunto Rouxinol, periferia de Castanhal. Policiais dizem que a vitima estava bebendo e jogando bilhar com um homem identificado apenas como "Romário". Durante uma discussão, o agressor se armou com uma pedra e golpeou a cabeça de William Freitas da Silva. Mesmo com a vítima caída no chão, o criminoso deu o golpe fatal com a mesma pedra.