sábado, 8 de maio de 2010

Voz e corpo a serviço da arte*

Bailarina, atriz e cantora profissional por opção, paraense Lorena Lobato investe em carreira múltipla – e bem organizada – no Sudeste brasileiro

Guto Lobato
* Publicada na Revista Living Leal Moreira, edição 24.

A voz pausada e o jeitão tímido não condizem com a mulher de múltiplos talentos – embora o termo lhe dê arrepios – que se esconde dentro dela. Aos 34 anos de idade, Lorena Lobato acumula funções com rara naturalidade. Bailarina desde a infância, atriz e cantora de formação apurada, a paraense estabeleceu carreira em São Paulo após largar emprego, estudos e uma vidinha pacata em Belém. Passou pelo balé clássico, pelo teatro, pelo cinema e pela música, e hoje se esforça para dedicar tempo a tudo isso sem perder o fio da meada.

O currículo de atriz de Lorena não é marcado por papéis e postos de grande repercussão; o que surpreende, de fato, é a versatilidade – e o peso – das parcerias por ela acumuladas. De Suzana Amaral a Selton Mello, Heitor Dhalia e Antunes Filho, a paraense não hesitou em se aproximar das pessoas certas e, à custa de muito treino, conquistar espaço nos elencos. O resultado são participações em filmes como “O cheiro do ralo”, de Heitor Dhalia, e “O sonho bollywoodiano”, que ganhou destaque na 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

“Hotel Atlântico”, longa-metragem de Suzana Amaral (de “A hora da estrela”), é o mais recente trabalho de Lorena no cinema. Nos últimos meses, a maior dedicação tem sido à música – ela está em temporada de shows num dos hotéis mais luxuosos de São Paulo –, mas um monólogo de sua autoria está prestes a estrear no circuito de teatro paulista. Conheça mais sobre as múltiplas carreiras da paraense nessa entrevista concedida em seu apartamento no Sumaré, em São Paulo, poucas semanas antes de uma mudança para o interior do estado:

“Não tem jeito, muito pequena aprendi que não dava para separar música de dança e, mais tarde, do ofício de interpretar”. Essa frase está na descrição do teu blog. Entre tantas atividades, tem como se organizar e distribuir o tempo?

Tudo aconteceu de um jeito natural, mesmo. Minha mãe me colocou no balé aos três anos de idade – e eu não cheguei aos oito, dez anos enjoada do balé, como acontece com muitas meninas. Fiz balé clássico até meus 26 anos. Com oito anos também entrei no Conservatório Carlos Gomes, para estudar piano, e acabei aliando as duas coisas. Aos 17 anos tinha de escolher uma profissão, entrar na faculdade. Aí entrei em jornalismo e larguei a música. Depois vim para São Paulo e acabei entrando no teatro, por indicação de umas colegas de pensão. Aí outros caminhos me levaram de volta até o canto. São coisas que não consigo ver separadas. Às vezes me perguntam: você não devia focalizar uma atividade só? E eu simplesmente respondo que não vejo como fazer isso.

Tomaste um rumo semelhante ao de muita gente que trabalha em teatro, cinema e artes em geral no Brasil: o de se mudar para o eixo do Sudeste. Geralmente o motivo para essa transferência é a falta de oportunidades na terra natal. Tiveste dificuldades em Belém?

Minha vida em Belém estava toda arrumada. Fazia faculdade, dava aula, dançava e era funcionária pública. Mas comecei a sentir falta de algo, nem sabia o que era... acabei me mudando para São Paulo para preencher uma lacuna. A princípio, a ideia era me dedicar à dança. Vendi meu carro, pedi demissão do emprego. Nem sabia o que ia acontecer comigo, mas vim do mesmo jeito. E já estou aqui há 13 anos...

Certamente trazes algo na bagagem sobre Belém. Que lembranças e vivências da cidade mais te marcam até hoje?

Vou falar uma coisa: acho que cada artista traz sua bagagem e contribui com ela em qualquer meio. As pessoas aqui me acham misteriosa, não sabem direito o que se passa em mim... acho que é algo que trago de Belém, que é uma cidade sensorial, cheia de fragâncias, sabores... a cidade é misteriosa, repleta de histórias fantásticas. Acho que todo esse charme da mata vem para o meu trabalho, mesmo que de forma sutil.

Tua estreia no cinema foi em “O cheiro do ralo”, um filme de orçamento pífio (330 mil reais) que ganhou destaque internacional. Como foi a convivência com o Selton Mello e o resto do elenco?

O Selton é o tipo de ator que entende muito do negócio, foi um apoio fundamental. Por exemplo, quando ia fazer a cena com ele, havia os dois momentos: primeiro a filmagem com foco nele, depois na gente. Um ator que não seja muito generoso nem se esforça em atuar na hora que as câmeras não estão em sua direção. Mas quando eu fui gravar minhas cenas – foram cinco, mas só uma acabou sendo aproveitada na versão final do filme –, ele atuou da mesma forma, com a mesma dedicação. Tudo para me ajudar.

Que elementos marcantes podes atribuir à tua personagem?

No filme, ela ficou meio solta. Mas, mesmo assim, virou uma personagem engraçada, porque é a única que realmente contesta o personagem do Selton, que trata todo mundo mal, humilha. Mas sou muito amiga do Lourenço (Mutarelli), que escreveu o livro, e na obra original a personagem é bem mais profunda. Ela começa de um jeito, meio pudica, e com o tempo vai percebendo o jogo que pode fazer com o cara. É aí que ocorre a transformação que resulta na “mulher casada” que aparece no filme.

A velha história de que uma coisa leva à outra também figura nos textos do teu blog. De fato, depois do “Cheiro do ralo” conseguistes reunir com colegas de elenco e ir parar na Índia para filmar “O sonho bollywoodiano”, que estreou na 33ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Como foi essa viagem?

A gente tinha um roteiro que a diretora levou daqui, já estava pronto. Até achei que a gente podia ter descoberto mais coisas por lá, vivenciando esse argumento das três atrizes que vão na cara e na coragem fazer carreira num país distante. Mas enfim, visitamos nove cidades indianas... foi uma experiência fundamental. Quando estreou, o filme repercutiu muito bem, ficou entre os dez destaques do público na mostra de cinema em São Paulo. Todas as sessões estavam lotadas. Teve até um amigo meu que tentou ver o filme e não conseguiu ingresso (risos)...

E o interessante é que, na mesma época, estrearam um filme (“Quem quer ser um milionário?”) e até uma telenovela (“Caminho das índias”) ambientados na Índia...

Pois é... e a produção do “Sonho bollywoodiano” começou no ano de 2007, isso que é engraçado. É uma coincidência incrível, um monte de coisa da Índia ter aparecido no ano passado. Mas eu vejo muitas vezes isso acontecer: se a gente não executa ideias na hora em que elas aparecem, alguém faz. Parece que certas ideias “pairam” em determinados momentos. Tenho vários amigos atores que já passaram por isso; pensam em algo e, quando menos esperam, se deparam com uma peça igualzinha estreando no circuito.

Vamos falar agora de parcerias de peso – que, por sinal, parecem uma constante na tua carreira. Teu trabalho mais recente no cinema é o “Hotel Atlântico”, da Suzana Amaral. Ela é uma das mais respeitadas diretoras do Brasil. O que aprendeste ao lado dela nesse filme?

Quando ouço falarem desse filme, meu coração derrete. Foi aquela coisa: trabalhar ao lado de um mestre. A Suzana e o Antunes Filho são ícones para mim até hoje. E a Suzana é a mulher que mais conhece de ator no Brasil. Ela sabe muito bem o que quer extrair de cada um, tem um gosto muito apurado. Eu guardei todos os papeizinhos que ela escrevia para mim, com orientações. Vou emoldurar qualquer dia desses (risos). Fiquei completamente satisfeita com o que fiz em “Hotel Atlântico”.

Isso é raro para um ator, não?

Muito. Só aconteceu por conta do apoio da Suzana. Geralmente um diretor gasta horas montando cenário, organizando as coisas e, quando tudo está no ponto, chama o ator para gravar direto. Com ela, foi o contrário. Ela passava horas e horas sozinha com o ator. Mandava todo mundo embora (risos). Só quando ficávamos prontos é que ela chamava a equipe técnica para gravar as cenas.

E ainda tem o Antunes Filho, com quem trabalhaste no Centro de Pesquisa Teatral (CPT), que é um dos grandes nomes do teatro contemporâneo brasileiro...

Pois é, fiz o teste para o CPT por indicação de umas amigas. Lá são 20 vagas, sendo que se inscrevem umas 900 pessoas em cada seleção. Fiz primeiro uma entrevista, depois mais duas fases eliminatórias. Passei, fiz um curso e o Antunes Filho me chamou para fazer parte do grupo dele – foi quando entrei no elenco da “Medéia”. Engraçado é que muita gente fala mal dele... do seu jeito ríspido de tratar o ator. Parece que conheço outra pessoa, porque penso em Antunes e vejo alguém muito sensato. Toda a rigidez dele é em nome de algo muito maior.

Por falar em rigidez, também mencionaste no teu blog que a dança “te indicou todas as direções”. Em que sentido? A vida de bailarina, cheia de regras e aprendizados, orientou de que forma tuas experiências posteriores?

A dança me ensinou, primeiramente, a ter domínio sobre o corpo. Você consegue encontrar ali, após horas de esforço, o eixo para dar três, quatro piruetas, se equilibrar em uma perna só, e tudo isso é fruto de muito esforço e disciplina. Quando você consegue algo difícil com o corpo, sente que é capaz de fazer o resto. Outro aprendizado é que, com a rotina extenuante, aprende-se que nada cai do céu. Eu nem acredito nessa história de talento...

Como assim?

Acredito mesmo em trabalho e persistência. Também acredito em influências e oportunidades associadas às pessoas com quem você cresce junto. O que te cerca e te influencia define muita coisa.

Hoje dizes ser “mais cantora que atriz”. É algo que tenhas planejado?

É o momento que vivo agora. Já passei por alguns grupos de pop rock, MPB e blues desde que me mudei para São Paulo. Há seis meses estou em temporada no Baretto (bar situado dentro do Hotel Fasano, na capital paulista), toda segunda e terça-feira. Canto por lá junto a um grupo... não é nem um grupo, na verdade. Eles têm um time de músicos que acompanham os cantores nos shows. É um pessoal extremamente experiente. O baterista já tocou com Toquinho, Vinicius, o baixista tocou com o Roberto Carlos, com a Elis Regina... então eles me fornecem um aprendizado imenso. É a isso que estou me dedicando mais.

Que referências adotas atualmente?

No Baretto temos um repertório orientado pra bossa nova e pro jazz. De cantoras, pessoalmente, admiro muito a Etta James. Falo que quando aprender a cantar direito vou cantar blues. O povo do jazz diz que não precisa de grande apuro, porque só são três acordes, mas acho que o blues é muito mais que isso. É um estilo de vida.

Tens um filho de sete anos (Gabriel) que toca piano e estuda violino. Estimulaste-o a correr atrás disso?

Olha, procurei umas escolinhas, mas acho que é muito lento o processo aqui no Brasil. No Canadá, eles dão aula pra criança dentro da barriga, desde os dois anos de idade, é natural. Aqui subestimam muito a capacidade da criança. Acabei dando aulas de piano para ele em casa. Recentemente, ele pediu para fazer violino. Aí chamei um professor particular, músico da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). E o moleque está indo firme. Como tenho amigos músicos e vivo tirando coisas no piano, ele também convive neste ambiente. É mais fácil.

Teu atual projeto é o monólogo “Sem concerto”, que está em processo de elaboração e é 100% autoral. Isso indica um retorno com força total ao teatro?

Isso aprendi com o Antunes Filho: a pensar muito mais em dramaturgia, em criar, do que na técnica, no “como atuar”. Acabei elaborando essa história de uma mulher russa que conta as estratégias que criou ao longo da vida para transformar o filho em um grande concertista. E aí ela vai contando várias histórias absurdas no meio de tudo... é uma mulher bem estranha. Apresentei o projeto para o Sesc, passei nas seleções, agora só falta marcar uma data. Mas não deixo de lado a música, muito menos o cinema, a dança. Todas essas coisas caminham em paralelo. Além de atriz, bailarina e cantora, também consigo ser mãe. E limpar a casa (risos).

Trabalhos de Lorena

No cinema:

• O cheiro do ralo (2007, dir. de Heitor Dhalia)
• O satélite (curta-metragem, 2007, dir. de Bruno Mancuso)
• Fofo (curta-metragem, 2009, dir. de Patrícia Batitucci)
• O sonho bollywoodiano (2009, dir. de Beatriz Seigner)
• Hotel Atlântico (2009, dir. de Suzana Amaral)

No teatro:

• Medéia (2001, dir. Antunes Filho)
• Sem concerto (2010, em produção)

Na música:

• Contralto (2000)
• Tocatta (2000)
• Lorena Lobato (2009-2010, em temporada no bar Baretto)

Na internet

• www.lorenalobatoblog.blogspot.com
• www.monologosemconcerto.blogspot.com

Fazendas verticais*

A ideia é boa, mas ainda esbarra na velha – e nem tão boa assim – economia. Cultivo na agricultura high-tech seria sustentável e, de quebra, próximo aos centros econômicos e de serviços.

Por Guto Lobato
* Publicada na revista Spot, da Eberle Fashion

A cena poderia fazer parte de um conto escrito por Aldous Huxley: você entra num restaurante em pleno centro financeiro de São Paulo e pede uma salada Ceasar acompanhada de suco de frutas. Até aí, nada de estranho – é a típica receita saudável de hora de almoço numa cidade grande. Mas... e se todos os ingredientes fossem colhidos dali a alguns poucos quarteirões, num arranha-céu verde encravado em plena avenida Paulista? A ideia de instalar espaços de agricultura em centros comerciais e de finanças parece maluca, mas já é levada a sério por muita gente – tudo por conta do conceito das chamadas fazendas verticais, centros high-tech de cultura de gêneros que, além de desafiar as lógicas mercantis atuais, propõem novas formas de utilizar o meio ambiente (e o espaço das metrópoles) a favor da alimentação humana.

Seja sob a avaliação de arquitetos, engenheiros, políticos ou de leigos, o projeto das fazendas verticais sugere um típico cenário de ficção científica. As primeiras linhas dele surgiram em 1999, durante uma aula de pós-graduação do microbiólogo Dickson Despommier, professor de saúde pública na Universidade Colúmbia, em Nova Iorque. Junto a um grupo de alunos, o pesquisador iniciou uma série de estudos para descobrir de que forma – e com que grau de eficiência – se poderia incentivar a produção de gêneros alimentícios no meio das metrópoles atuais.

O desafio acabou traduzido no conceito de vertical farming, que logo ganhou repercussão no meio científico com uma série de projetos visuais fascinantes. A ideia é aproveitar a verticalização das metrópoles e o uso de terrenos bem situados para construir imensos edifícios em que frutas, legumes e gente conviveriam em harmonia – e perto dos maiores centros de consumo. O resultado seriam alimentos consumidos de forma responsável – menos transporte de legumes, frutas e verduras, menos CO² na atmosfera – e produzidos sob uma estrutura artifical, porém saudável.

Para tal, buscou-se um apoio na mais moderna agricultura: o cultivo seria feito de forma 100% controlada. O clima – principal inimigo da agricultura atual, com suas maluquices e fenômenos inesperados – seria monitorado dentro dos arranha-céus verdes, protegendo os produtos de geadas, secas, furacões e tempestades. Além disso, o sol, o vento e até mesmo a água utilizada das cidades seriam usados como insumos e fontes de energia sustentáveis.

As vantagens...

Os argumentos favoráveis ao projeto são, de fato, chamativos. No site que Despommier pôs no ar para defendê-lo (www.verticalfarm.com), há uma extensa lista de prós (e nada de contras) que inclui referências apocalípticas à crise no setor de alimentos, às mudanças climáticas e ao boom na população mundial. Nem mesmo as possibilidades do homem vir a habitar outro planeta são descartadas: “Não podemos ir à Lua, a Marte ou mais adiante sem aprender primeiro a cultivar em espaços fechados na Terra”, salienta-se no site.

Outro ponto positivo é que, como que para agregar valor ao projeto, o cultivo de gêneros nas fazendas verticais se propõe mais saudável – não contaria com apoio algum de herbicidas, pesticidas ou fertilizantes. Seriam, enfim, alimentos orgânicos, bem mais saudáveis que aqueles produzidos no meio rural, que chegam diariamente aos nossos supermercados. E por falar em fazendas tradicionais, segundo Despommier, a agricultura indoor é bem mais eficiente e rápida. Cada acre – aproximadamente 4.047 metros quadrados – cultivado nas fazendas verticais produz o equivalente a 4 ou 6 acres do meio rural. Casos como o do morango são ainda mais surpreendentes: os pesquisadores acreditam que cada acre de cultivo indoor fruta tenha a produtividade de 30 acres, digamos, “convencionais”.

Enfim, o que pareceria ser mais um deslumbramento pós-moderno da ciência virou possibilidade. As campanhas de divulgação e apoio à iniciativa de Despommier têm sido constantes e se espalharam pelo planeta, sobretudo entre ambientalistas e arquitetos que veem nas fazendas verticais uma alternativa de “esverdeamento” e sustentabilidade nas fumacentas metrópoles globais. Sonhar com estes latifúndios high-tech, de fato, é alentador: comer uma salada 100% orgânica e, ainda por cima, produzida a poucos metros de casa dá um ar mais saudável a nós, pobres consumidores de transgênicos e alimentos industrializados. Mas, para toda empolgação, há um contraponto. Neste caso, tão relevante quanto o argumento original.

...E os entraves

Mais de 60% da população mundial vive hoje em cidades verticalizadas. Em 2050, estima-se que serão 80%. Ok, até aí nada de novo. O problema é a interpretação desses dados, que apontam que nunca antes o espaço nos centros esteve tão disputado. Se a especulação imobiliária já causa pesadelos em quem quer comprar um simples apartamento no subúrbio brasileiro, imagine em quem precisaria obter um terreno nas zonas mais movimentadas das metrópoles – no caso, os agricultores e donos de propriedades rurais. Tirar um plantador de verduras do interior e pô-lo no meio da cidade grande não é apenas um problema cultural: é, acima de tudo, um impasse econômico.

Despommier acredita que só os custos para a construção de um protótipo de fazenda vertical sejam da ordem de 20 a 30 milhões de dólares. Como a coisa nunca foi posta em prática, ainda não dá para ter certeza do gasto que o produto final terá; mas, ao menos no que tange à torre “padrão” por ele projetada – que, com seus 30 andares, seria capaz de alimentar até 50 mil pessoas –, a estimativa bateria as centenas de milhões de dólares.

Isso fez com que muita gente – de forma precipitada e, quem sabe, preconceituosa – lançasse críticas ferrenhas sobre o professor de 69 anos, conhecido nos Estados Unidos por sua inteligência, seriedade e interesse nas pesquisas em saúde e ecologia. “Por que precisa ser uma torre de 30 andares?”, questiona Jerry Kaufman, professor emérito de planejamento regional e urbano na Universidade do Wisconsin, em Madison. “Por que não podemos ter seis andares? O potencial é inspirador, em termos de conceito, mas acho que ele exagera um pouco quanto aos resultados que poderiam ser atingidos”.

Os questionamentos são pertinentes e não recaem apenas sob o espectro econômico. Há quem argumente que a manutenção das fazendas verticais possa trazer resultados ambientais semelhantes ao do transporte de legumes, frutas e verduras das zonas rurais às cidades. O xis da questão, como tudo nesses tempos de alerta, é, também, a energia: “Existe um dispêndio de energia incorporado ao concreto, ao aço e ao processo de construção”, alertou Armando Carbonell, diretor do departamento de planejamento e design urbano no Instituto Lincoln de Política da Terra, em Cambridge, Massachusetts.

Enfim, a fazenda vertical é o tipo de ideia que soa muito bonita, mas que, para sair do papel, dependerá de muitos investimentos públicos e privados, além do próprio aval de produtores agrícolas e do mercado imobiliário. Afinal de contas, como disse um urbanista ao New York Times, nem sempre um plantador de tomates vai ter dinheiro para comprar um terreno em plena zona nobre de Manhattan. São as tradicionais e irrefutáveis leis da velha (e nem tão boa assim) economia de mercado: anti-ecológica, incompreensiva, mas devidamente encravada nos corações e mentes das nossas metrópoles globais.

Burj Dubai – até onde subir?

Falando em arranha-céus, a inauguração recente de um trambolho de mais de 800 metros de altura em Dubai, nos Emirados Árabes, ajudou a reacender o velho debate: até onde ir nessa busca por construções gigantescas? Vale a pena investir na verticalização urbana ou seria melhor impor regras ao setor imobiliário? O Burj Dubai, sediado na cidade homônima, é o próprio sinal de que o limite ainda não foi estabelecido. Do alto – literalmente – de seus 160 andares, o complexo de torres e edifícios de aspecto monumental surpreende pelos números vultosos.

São 30 mil residências, nove hotéis de luxo (um com sete estrelas), 19 torres residenciais e 57 elevadores dentro de uma estrutura que pesa o equivalente a 100 mil elefantes, totalizando 4,7 bilhões em investimentos. O projeto, executado pela empreiteira Emaar, só foi inaugurado em janeiro deste ano, após seis anos de obras. Não por falta de pressa: desde 2008 já estavam esgotadas as vendas de apartamentos. Mesmo com toda a tecnologia, foi preciso uma força-tarefa para tocar as obras em Dubai – e olha que construções exageradas abundam no Oriente Médio.

Entre as torres que disputavam lugar com o Burj Dubai estão a Taipei 101, de Taiwan, com seus 508 metros de altura, a CN Tower, de Toronto, com 558 m, e o o Empire State de Nova Iorque, com “módicos” 381 m. Tudo, doa a quem doer a realidade, desnecessário – resultado mais do desejo humano de impressionar que de suas necessidades urbanas. Muito embora haja quem defenda a concentração de arranha-céus para tornar a vida na cidade mais prática, uma coisa é fato: nunca antes tê-los significou tanto ostentar poder, econômico ou político. A alma do negócio, enfim, parece estar na imagem, e não na qualidade de vida.

O exemplo de Dubai – que passou por uma crise quando sua empresa Nakheel, que construiu desde arranha-céus até ilhas artificiais, declarou moratória – é caricato, mas basta pensar nas principais cidades brasileiras. Mesmo que sobre terreno no país, que a especulação imobiliária e o reduzido poder de compra da população não conspirem a favor, é fácil encontrar arranha-céus de luxo em várias capitais, alguns com apartamentos a preços de até R$ 1 milhão.

A questão polêmica dessas obras não é de engenharia. Tecnologias atuais, como a fibra de carbono e o concreto armado de alta resistência, são capazes de sustentar construções até maiores que o Burj Dubai – antes da crise financeira mundial, havia um projeto de prédio de 1,2 a 1,4 km de altura na mesma cidade. Sistemas de segurança e transporte, estruturas de base e sustentação são cada dia mais eficientes. Até pôr um luxuoso condomínio de 30, 35 andares sobre um aterro ou lamaçal é tarefa fácil – é fácil de encontrar isso em capitais como Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ) e Belém (PA). O real dilema está no impacto dessas construções sobre as cidades e seus moradores.

Além de tornar o trânsito em seu entorno caótico, com a concentração de veículos, os arranha-céus podem favorecer a formação de ilhas de calor – o centro do Rio de Janeiro é um bom exemplo –, criar barreiras contra o vento e até promover uma espécie de “feudalização tardia”, concentrando dezenas de serviços em seu interior (farmácias, restaurantes, academias) que tornam seus habitantes cada vez mais sedentários. Pesar a influência dos arranha-céus sobre o meio ambiente e nossas vidas, no entanto, não é o tipo de preocupação que se tem levado em conta. Por enquanto, o que interessa para a gente é imponência, modernidade, luxo – o que significa que muitos Burj Dubais ainda devem vir por aí.

Comércio, arquitetura e história – tudo num só lugar*

Exemplares de bela arquitetura, resquícios de uma história marcada pelo tino comercial brasileiro, mercados centrais compõem paisagem histórica das principais capitais do país

Por Guto Lobato
* Texto publicado na edição "Centro" da Revista MAG.

Já se tornou uma espécie de consenso afirmar que a alma de toda grande cidade está em seu centro histórico. É por lá que se concentram as principais edificações históricas, monumentos e ruelas que acentuam o conflito urbano – cada vez mais aparente, em termos de Brasil – entre tradição e modernidade. Mas, no meio de tudo isso, há quem não perceba que alguns espaços dedicados ao comércio têm mais história que muito museu. É só pensar nos mercados centrais – estes que, lutando contra a passagem do tempo, têm se mantido de pé e virado pontos turísticos tão visitados quanto igrejas, casarões e complexos arquitetônicos.

Antes de figurar nos cartões-postais de várias cidades brasileiras, no entanto, os mercados centrais já eram uma tradição que apontava o apreço do país pelo comércio. Relatos históricos apontam que, em meados dos séculos XVII e XVIII, capitais como Salvador, Rio de Janeiro, Fortaleza e Recife já tinham seus mercadinhos. No interior do país, a coisa era igual: mal uma vila era fundada por uns poucos colonos e eles já eram erguidos – inicialmente, sem muita imponência, servindo como ponto de encontro de comerciantes, artesãos, pescadores e, vá lá, gente que fazia uma visita à cidade e queria levar algo de recordação.

Nada de anormal: delimitar espaços para o comércio sempre foi uma forma de concentrar atividades e organizar as cidades coloniais brasileiras, recebendo produtos, gente e serviços oriundos do velho continente. Àquela época, diga-se de passagem, ter um mercado na cidade era tão relevante quanto ter uma igreja matriz, convento, escola ou praça central; era um ponto de referência nos caóticos mapas urbanos planejados – e raramente postos em prática – pela Metrópole portuguesa.

A princípio, palavras como “arquitetura” e “engenharia” passavam longe desses espaços comerciais. Os mercados não passavam de casebres, feiras cobertas e galpões frágeis, construídos sem muito rigor estético, situados às proximidades de portos e estradas. O público frequentador era dividido entre poucos visitantes e muitos escravos, que aturavam o mau cheiro e a desorganização das lojas para comprar gêneros alimentícios, bugigangas e produtos de uso doméstico. Peixes, carnes, tecidos, artigos de higiene pessoal, animais vivos, materiais de construção e até “moças de companhia” decadentes – de tudo um pouco se encontrava por ali, sem direito a regalias como nota fiscal, valor fixo ou venda a crédito.

Mas, como tudo no Brasil, os mercados tiveram de se adaptar à mudança dos tempos e disfarçar seu ar bagunçado. Na virada do século XIX para o XX, quase todas as capitais já ganhavam ares de cidade grande e formavam uma economia pungente. Os centros comerciais começavam a ser frequentados por gente abastada e o potencial turístico já era vislumbrado pelas autoridades. Era questão de tempo para que os galpões e feiras cobertas começassem a ter seu charme descoberto – ou melhor, criado...

Século XX: investimentos e arquitetura suntuosa

O que é curioso observar é que, de forma geral, a fundação dos mercados centrais mais famosos do Brasil não ocorreu nos tempos de colônia. Foi só dos anos 1900 em diante que o embelezamento das capitais e grandes cidades pelos governos passou a levá-los em consideração. É só conferir as datas de fundação de alguns: em 1912, foi inaugurado o primeiro prédio do Mercado Modelo de Salvador (o atual, na praça Visconde de Cayru, só começou a abrigá-lo no final dos anos 1960); em 1911, o Mercado de São Braz, em Belém; em 1933, o Mercado Municipal de São Paulo; e, em 1929, o Mercado Central de Belo Horizonte.

Todos têm uma característica central em sua arquitetura: o uso conjunto de diversos movimentos estéticos, indo do neoclássico ao art-nouveau e o ecletismo europeus. Isso acabou por revestir os mercados de uma relevância histórica e paisagística impensável nos tempos de colônia – afinal de contas, por que diabos pôr madeiras e rochas nobres, vitrais e charmosos trabalhos em ferro em centros de comércio popular? Foi o tipo de preconceito que tardou a sumir na engenharia e arquitetura do país. Mas, justiça seja feita, nem todos os governantes pensavam assim nos anos 1800. Raras exceções nesse contexto de valorização tardia são os mercados de São José e da Boa Vista, em Recife, inaugurados ainda durante o século XIX.

O primeiro, situado no bairro homônimo, foi resultado de um projeto visionário da Câmara Municipal de Recife, que buscou inspiração no mercado de Grenelle, em Paris, para projetar uma imensa estrutura de ferro onde conviveram – e convivem – desde músicos, poetas e artistas populares até vendedores de peixe, frutas, carnes e artesanato. A construção foi feita na Europa e transportada até Recife, o que torna o São José o mais antigo edifício pré-fabricado em ferro do Brasil. Já o mercado da Boa Vista – hoje ponto de intensa atividade noturna e gastronômica – é um mistério para os historiadores: apesar de só ter sido reaberto em 1946, documentos apontam que sua construção, em estilo colonial tardio, ocorreu no século XIX, a tempo de o local ter sido um mercado de escravos. Situado perto da Igreja de Santa Cruz, a área de seu prédio também teria sido usada como cemitério e estrebaria da então capela.

Durante o século XX, a valorização do comércio popular fez com que se investisse cada vez mais na inauguração de mercados práticos e com boa capacidade de utilização. A ideia de aliar beleza e praticidade pode ser vista em mercados como o Municipal de São Paulo, que é decorado por vitrais, colunas e pilastras de inspiração clássica, mas nem por isso deixa de ser um importante centro de vendas, com mais de 12,6 mil metros quadrados de área construída, ou o Municipal de Curitiba, inaugurado nos anos 1950 com uma estrutura suntuosa que não para de crescer (a ideia é chegar aos 30 mil metros quadrados!)

Fora os aspectos visual e estrutural, os mercados centrais passaram, também, por mudanças na sua rotina de comércio. Mais turistas, mais moradores, mais demanda – com isso, vender alimentos e artesanato todo santo dia poderia ser um erro fatal. A solução encontrada foi transformá-los em verdadeiros “mini-shoppings” de preço popular, onde se encontra todo tipo de artigo – desde vinis empoeirados até roupas, móveis, artigos eletrônicos e comida a quilo. Coisas impensáveis no meio mercantil do início dos anos 1900, como restaurantes, estacionamentos e guias turísticos, já não são difíceis de achar em mercados como o Modelo, em Salvador, ou o Central de Fortaleza, que de histórico pode não ter muita coisa – seu atual prédio foi inaugurado em 1998 –, mas é um dos mais procurados do Brasil por sua oferta de produtos e serviços.

Revitalização, turismo e vida noturna em alta

Com o tempo, as designações da economia e o estabelecimento das capitais como centros de serviços fizeram com que os mercados ficassem à beira de perder função. Quer comprar carne? Vá ao supermercado. Roupas, tecidos, móveis, artesanato? É só procurar em qualquer comércio – seja em shoppings, seja em lojas de rua nos modernos bairros comerciais. Até mesmo a comida regional, tradicionalmente servida em restaurantes nos mercados do Norte e Nordeste, pode, agora, ser obtida num restaurante mais luxuoso e bem situado. Enfim – não faltam opções e alternativas para quem não quiser se acotovelar em meio à bagunça dos mercadões e feiras cobertas.

Tudo conspirou a favor do desaparecimento desses espaços tão peculiares e consagrados popularmente. Até mesmo o acaso quis o fim da tradição mercantil; basta lembrar dos cinco (cinco!) incêndios que atingiram o Mercado Modelo de Salvador, desfigurando sua estrutura gradativamente ao longo do século XX, e do fogaréu que danificou parte do Mercado São José, de Recife, já ao final dos anos 1980. A degradação do Mercado de São Braz e do antigo Mercado de Ferro, situado no complexo arquitetônico do Ver-o-Peso, em Belém, também tem a ver com a desvalorização de espaços destinados ao comércio popular.

Mas, contrariando a tendência natural do país, a ideia de recuperar os mercados de aparência mais, digamos, degradada – para não dizer acabada – virou moda. E o melhor de tudo: incentivada pelos próprios governos, preocupados com a perda da identidade dos locais e, claro, das verdinhas atraídas pelo turismo histórico. É aí que chegamos, enfim, ao estado atual dos mercados brasileiros – de centros comerciais a polos turísticos, gastronômicos e de artesanato, que entretem visitantes e moradores com seu “caos organizado” e pouco a pouco são tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Obras de revitalização dos mercados têm sido organizadas nos quatro cantos do país. O de Curitiba já está em fase de expansão e inaugurou, no ano passado, a primeira feira de orgânicos do país. O de Fortaleza, já vislumbrando a chegada de turistas na Copa de 2014, tem um projeto de recuperação em fase de debate. O de São Braz, em Belém, foi reformado e está à procura de recursos para, à moda dos demais, virar centro de atrações culturais. O de São Paulo, que em 2004 ganhou um mezanino cheio de restaurantes e bares, após anos de reforma, pode ganhar em breve um estacionamento subterrâneo com 400 vagas de capacidade, no intuito de suportar o número crescente de visitantes. Até movimentação noturna já foi experimentada – e deu certo – nos da Boa Vista e de São José, em Recife.

São, enfim, indícios de que a curiosa relação mantida entre o brasileiro e seus mercadões municipais está longe de definhar. Seja para comprar a comida do almoço, o souvenir de presente para os familiares, a rede que vai ser pendurada na varanda, o vinil que não se encontra mais em lojas ou mesmo para sentar e tomar um chope com os amigos numa noite descompromissada, esses gigantes de ferro e concreto continuam em alta, lembrando-nos da história de nossas cidades e enriquecendo-as a cada dia.

Mercados municipais Brasil afora

- Mercado Modelo (Salvador/BA)
Endereço: Praça Visconde de Cayru, s/n
Bairro: Comércio

- Mercado Municipal (São Paulo/SP)
Endereço: Rua da Cantareira, 306
Bairro: Centro

- Mercado Central (Belo Horizonte/MG)
Endereço: Avenida Augusto de Lima, 744
Bairro: Centro

- Mercado Central (Fortaleza/CE)
Endereço: Avenida Alberto Nepomuceno, 199
Bairro: Centro

- Mercado Central (Curitiba/PR)
Endereço: Avenida Sete de Setembro, 1865
Bairro: Centro

- Mercado São José (Recife/PE)
Endereço: Praça Dom Vital, s/n
Bairro: São José

- Mercado da Boa Vista (Recife/PE)
Endereço: Rua Santa Cruz, s/n
Bairro: Boa Vista

- Mercado de São Braz (Belém/PA)
Endereço: Praça Floriano Peixoto
Bairro: São Braz

Bruno Mazzeo*

Por Guto Lobato
*Entrevista concedida à Revista Living Leal Moreira 24. Versão eletrônica em http://issuu.com/deloreto/docs/rlm24_web

Ele não é o tipo de artista que atrai os holofotes para si. Na verdade, gostaria de viver bem longe deles. Mesmo assim, tem como linguagem preferida o humor escrachado, tipicamente brasileiro. Não se importa em estar diante das câmeras, embora prefira às vezes ficar por trás delas. Ah: também sonhou em ser rockstar e acabou participando de uma telenovela das sete. Paradoxal? Sim – mas basta alguns minutos de conversa para que o roteirista e ator carioca Bruno Mazzeo, 32 anos de idade, explique com contundência suas contradições internas.

Nascido e criado nos corredores da Rede Globo, emissora que capitaneou o sucesso de seu pai, o ator e humorista Chico Anysio, Bruno não tardou a descobrir em si a mesma verve cômica que tornaria seu pai um mestre da TV brasileira. Aos 14 anos, tirou os escritos autorais da gaveta e os aplicou à “Escolinha do Professor Raimundo”, humorístico protagonizado por Anysio. De lá, Bruno conquistou espaço próprio na emissora e encadeou vários trabalhos como roteirista – de “Sai de baixo” até “A diarista” –, ator e produtor no teatro, no cinema e na TV, além de ter escrito um livro, “Brasil 2020 - Socorro!!! O Futuro Chegou”. Seu trabalho de maior visibilidade foi “Cilada”, primeira sitcom a ser produzida pela TV a cabo brasileira, no canal Multishow, que rendeu seis temporadas, ganhou prêmios, virou quadro do programa “Fantástico”, da Globo, e divertiu espectadores em todo o país.

Desde o final do ano passado, porém, Bruno decidiu revirar tudo – a inquietação falou mais alto. Encerrou a participação como ator na peça “Enfim, nós”, que estava há três anos em cartaz, encerrou o “Cilada” e apostou as fichas em projetos no cinema e em um novo humorístico da Globo, ainda sem data definida de estreia. Bem mais sério e reflexivo do que seus personagens – criados ou interpretados –, o carioca divorciado e pai de um filho de cinco anos de idade falou de política e de sua relação com a mídia, com a família e com as próprias criações em um bate-papo num final de tarde no Itaim, em São Paulo. Confira alguns momentos:

Inevitável a gente deixar de falar da tua, digamos, “herança familiar”. Ser filho do Chico Anysio e de uma atriz deve trazer algum tipo de influência para ti. Tua opção pela vida de roteirista e ator teve um empurrãozinho dos pais?

Olha, se não fosse filho do Chico Anysio não estaria aqui, dando essa entrevista. Na verdade, só comecei a gostar da coisa por causa dele. Começando pelo ambiente: eu freqüentava os estúdios da Globo, acompanhava as gravações. Quando ele viu que havia interesse, me estimulou de tudo que é jeito: comprou minha primeira máquina de escrever, leu meus primeiros textos, trocou dicas, indicou caminhos... a influência e a minha admiração por ele são totais, tanto do ponto de vista do espectador quanto na rotina, em casa.

Falando no Chico Anysio, afirmaste certa vez que o personagem dele que mais te marcou foi o Justo Veríssimo, o político que eternizou o bordão “eu quero é que o pobre se exploda”. É um figura atual até hoje, olhando para os rumos da política brasileira...

O Justo Veríssimo vive até hoje! É de 30, 25 anos atrás, e você vê como ele é atual. Isso é triste, porque mostra que nosso país nada evoluiu nesse quesito de seriedade e transparência política. É a mesma sensação que se tem quando se ouve “A gente somos inútil”, do Ultraje a Rigor, e “Que país é esse?”, da Legião Urbana, sabe? Ele não é só um exemplo, como também é um personagem cômico que tem conteúdo, alia diversão e crítica. Quer que o pobre se exploda e ponto final, só quer saber de pobre em época de eleição. É o político mais sincero: diz exatamente o que pensa (risos).

Chegaste a falar com teu pai sobre o suposto “hiato forçado” que a Globo teria imposto a ele? Teve até campanha organizada pelo “Pânico na TV” exigindo a volta do Chico aos programas de humor...

Acho que o meu pai teve durante mais de 30 anos um programa semanal. De repente, passou a fazer participações no “Zorra total”, em novelas... o ritmo baixou. Talvez isso tenha incomodado, porque era uma coisa com a qual ele não estava acostumado. Mas acho que isso faz parte da carreira do artista. Inclusive acho que ele deveria investir mais em outros tipos de participação, ele não tem mais idade para ter programas de humor naquele formato... tem que trocar maquiagem toda hora, é preciso muito pique! Se eu me canso, imagina ele.

De um lado, tens uma carreira sólida como roteirista. De outro, já atuaste em uma telenovela (“Beleza pura”) e participaste de várias montagens no teatro e no cinema. Existe algum ramo, dentre esses, ao qual estejas te dedicando mais recentemente?

Dei um tempo no teatro, parei de viajar para me dedicar a outros projetos na televisão e no cinema. E, nessa área, o processo é muito lento. Acabou que neste ano estou me dedicando a três projetos de cinema em especial, além de ter pintado uma possibilidade na televisão. Então creio que 2010 vai ser focado nisso. Mas continuo fazendo de tudo, faço muita coisa ao mesmo tempo e sempre fui desse jeito. Já quis ser rockstar, queria ser o Mick Jagger, mas me conformei com a vida de ator e roteirista (risos). Ou estou atuando, ou escrevendo, ou fazendo os dois, ou produzindo... agora vou tentar diminuir um pouco o ritmo, controlar a inquietação e a ansiedade que todo artista sente.

Falando nisso, certa vez disseste a uma jornalista de fofocas que não és celebridade coisa nenhuma, e sim artista. Qual a diferença que vês entre esses dois termos?

É um equívoco muito comum. Celebridade é uma pessoa célebre – óbvio, mas verdade –, conhecida na sociedade, mas pouco a pouco o termo foi estendido a todo mundo que aparece na mídia, incluindo, aí, os artistas. Por outro lado, nem todo mundo que aparece nas revistas e é célebre pode ser considerado artista. Celebridades seriam Chiquinho Scarpa, Narcisa Tamborindeguy, Vera Loyola – nada contra eles, são pessoas maravilhosas. Mas é bem diferente do Wagner Moura, do Selton (Mello), de mim, até. Somos atores, artistas. Começaram a botar tudo no mesmo saco e eu, sinceramente, não quero estar nesse saco.

Evitas manter relações muito próximas com a imprensa?

Não, que nada! O relacionamento é ótimo. Se eu estou na entrada de uma festa, na estreia de uma peça ou algo assim, podem me fotografar à vontade, até porque isso faz parte. Mas tenho meus truques para ser gentil na hora de evitar exposição desnecessária. Não faço confusão por isso, mas realmente acho que publicar foto minha num site não vai fazer o Brasil melhor (risos). Sair em coluna social caminhando na orla do Rio de Janeiro, “ficando” com alguém ou passeando com meu filho, o João, não serve para nada. Pelo contrário, só faz expor nossa vida – e, nesse mundo violento em que a gente está hoje, todo cuidado é pouco. A verdade é que queria que as pessoas conhecessem meu trabalho, não necessariamente a minha pessoa. Cheguei a dar um toque num fotógrafo uma vez: meu filho estava passeando comigo, vestindo o uniforme da escola, e o cara lá, tirando fotos escondido. Cheguei para ele e falei: “você tem noção de que amanhã ele pode ser sequestrado por conta dessa exposição?”. Até escrevi sobre isso para o meu blog, para ver se algumas pessoas se tocam.

Dá para levar numa boa a missão de ser pai em meio a essa rotina louca de exposição? Isso sem contar o dia-a-dia de trabalho...

A dificuldade maior é que tenho uma vida sem rotina. A sorte é que eu e minha ex-mulher somos grandes amigos. Ela entende meus horários estranhos. Às vezes estou no trabalho em pleno domingo, às vezes fico de bobeira numa quarta-feira. Aí procuro me dedicar em tempo integral ao meu filho. Procuro ser o mais presente possível, levo no colégio, vou à reunião de pais... coisa bem tradicional.

O “Cilada”, exibido no Multishow, que escreveste e protagonizaste, inovou ao ser o primeiro programa produzido para a TV a cabo brasileira. Ele teve audiência expressiva e chegou a ser apresentado como quadro no “Fantástico”, da Globo. Pensando num contexto maior, achas que propostas como essa vão definir o futuro da dramaturgia televisiva no Brasil?

Eu acho que a TV fechada tem que ser melhor utilizada. O “Cilada” foi quase que um teste. Deveria haver mais programas desse tipo, mas praticamente não há recursos para produzi-los. Seria bacana se a própria Globo usasse a GloboSat, por exemplo, para testar novos formatos, coisas novas, com gente nova. Fui muito feliz com o “Cilada”, pretendo continuar com outros projetos no Multishow, inclusive. Temos uma liberdade imensa na TV fechada. Não que não a tenha na Globo – nunca tive problema com isso, lá sempre houve autonomia. Mas é que a responsabilidade, vamos dizer assim, é menor. Fala-se com mais gente na TV aberta, e a audiência não dá para comparar. Aliás, acho que nunca vai dar para comparar.

Por que o “Cilada” parou de ser produzido?

Desgaste mesmo. De minha parte e da Rosana (Ferrão), minha parceira nos textos, além da minha vontade de fazer outras coisas. Para mim já não estava mais funcionando, na última temporada dei meu melhor, mas não tinha mais o mesmo tesão. Já queria outras coisas. Foi simplesmente isso. Creio que seria mais doloroso o trabalho de escrever, gravar, se não tivesse a mesma vontade de fazer. Foram seis temporadas no Multishow e três no “Fantástico”. Mas olha, pode ser que volte no ano que vem, daqui a uns semestres, enfim... o programa teve boa receptividade entre todas as classes e faixas etárias, mostrava situações típicas que qualquer um vive no dia-a-dia. Não é um ponto final para essa fórmula.

Já atuaste em “Beleza pura” e fizeste participação em outras produções de ficção da Globo, como “Malhação”. Recentemente, negaste dois convites para participar de outras telenovelas. O motivo foi a falta de tempo ou a preferência por outros gêneros?

Foi tempo, porque a novela é uma coisa que toma muito tempo, é quase impossível fazê-la junto com outras coisas. Quando fiz “Beleza pura”, estava encerrando uma temporada em São Paulo e só ia gravar o “Cilada” quase um ano depois. Nesse período não tinha nada concreto, só tinha de escrever os episódios do “Cilada”. Então o convite pintou na hora certa, a novela era justamente até o início do programa. Acabei uma e comecei o outro duas semanas depois.

Dizem que todo ator fica acabado durante as gravações de uma telenovela...

No meu caso, nem foi tanto, até porque o personagem que eu interpretava não era protagonista. Mas a rotina era meio incerta. Tinha semana que eu gravava todo dia. Tinha semana que gravava dois, três dias. Mas sempre tinha que estar à disposição. Chegou a acontecer de eu gravar de segunda-feira até sábado, direto. Enfim, foi uma experiência ótima, e quero ter outra chance. Mas o papel teria de valer a pena.

Entre os programas de humor que escreveste para a Globo, teve algum que te marcou em especial?

Vários, e por vários motivos diferentes. Posso citar a “Escolinha do professor Raimundo”, porque foi o primeiro. Tinha 14 anos quando comecei a trabalhar nele. Depois, teve o “Sai de baixo”, porque foi o primeiro programa que fiz sem o meu pai, foi uma prova de fogo. “A diarista” foi o primeiro que teve minha redação final, além de ter sido revolucionário por colocar uma doméstica como protagonista. E o “Cilada”, no Multishow, claro, por ter sido um divisor de águas na minha carreira. Mas tem vários outros que adorei fazer.

Passaste por Belém para apresentar o espetáculo de teatro “Enfim, nós” no ano passado. Houve algo que te marcou de forma especial na cidade?

A gente viajou pelo Brasil inteiro com a peça. Fomos a quase todas as capitais e sempre fomos bem recebidos, com platéia lotada e boas críticas. Mas Belém marcou muito pelo público e pela beleza do Teatro da Paz. Durante a turnê, a gente tinha o hábito de bater foto lá do fundo do palco na hora do agradecimento, então ficava a gente de costas diante do público. Pois é, e a foto do Teatro da Paz ficou tão bonita que eu botei num porta-retrato na minha casa (risos). Foi emocionante, três noites num teatro lindo e lotado, com uma platéia quente.

Em resposta a comentários no teu Twitter, disseste que não usas a rede social como humorista, e sim como “pessoa que trabalha com humor”. As pessoas exigem de ti outro comportamento na web?

Exatamente. Eu trabalho com humor, mas sou uma pessoa normal. Acho até chato o cara que fica fazendo piada toda hora. No Twitter, às vezes escrevo uma coisa séria, ou dou uma dica, uma informação, e sempre tem um babaca que vem e diz “ei, não achei engraçado, qual é a graça?”. E eu respondo: “Quem disse que era pra ser engraçado?”. Ser engraçado é meu trabalho, e normalmente eu cobro por isso (risos). Além do mais, posso até ter ficado conhecido pelo humor, mas não vai ser sempre assim. Posso fazer outras coisas. Esta semana, por exemplo, estava prestes a filmar um filme sério, um drama... não rolou por falta de tempo.

Então sair do humor é uma possibilidade?

Eu não pretendo, porque é o que, e digo isso entre aspas, eu domino. É minha zona de conforto. Claro que se eu for fazer um filme de humor hoje, vou ter mais facilidade do que fazer um drama – quer dizer, eu acho, porque dizem que fazer humor é mais difícil mesmo –, mas nada impede novas experiências. Meu currículo é todo no humor, mas posso ter uma inquietação e aí vou fazer um filme, uma peça, um programa, uma novela com direcionamento diferente, seja atuando, dirigindo, produzindo. É o tipo de coisa que acontece com qualquer artista.

Estás com um humorístico encaminhado para estrear na programação da Globo ainda esse ano. O que podes adiantar dele?

Não posso adiantar muito, mas é um programa que tem sido divulgado como a nova “TV Pirata”, apesar de não ter muito a ver com isso. A semelhança é que, assim como a “TV Pirata” foi há 20 anos, nós vamos dar espaço para novas pessoas que vêm fazendo humor. É uma nova geração, da qual fazem parte o Fábio Porchat, o Gregório Duvivier, eu... além disso, também se tratará de assuntos cotidianos. A direção vai ser do Maurício Farias, da “Grande Família”, e a direção de núcleo será do Guel Arraes, que era o criador da “TV Pirata”. Estamos muito empolgados com o rumo que a coisa está tomando, e já vamos começar a gravar nas próximas semanas.

Também estás envolvido no roteiro do filme “Muita calma nessa hora”, que deve chegar às salas de cinema brasileiras no segundo semestre desse ano. A história é bem curiosa – trata de uma viagem organizada por três meninas que vivenciaram situações tragicômicas no Rio de Janeiro e decidem fugir para Búzios. Como surgiu esse argumento central?

A ideia, na verdade, não foi minha. O argumento já existia e era do Augusto Casé e do Rick Nogueira, e eles me chamaram para fazer um novo tratamento para o roteiro. Não estavam satisfeitos com a primeira versão. Comecei tudo do zero, aproveitando a ideia deles, e acabou tomando um rumo bem interessante. O elenco é uma mistura de destaques de vários segmentos: tem o Lúcio Mauro Filho, o Marcelo Adnet, o Marcelo Tas, o Hermes & Renato, o Marcos Mion, a Fernanda Souza e a Maria Clara Gueiros... acabou sendo uma boa experiência de erros e acertos para os próximos projetos na área de cinema de que participo.

Podes dar detalhes sobre esses projetos futuros?

No total, são seis. Mas tem três que vão sair do papel neste ano e no ano que vem. Um é o “Cilada ponto com”, que começa a ser rodado em outubro e é, digamos, livremente inspirado no “Cilada”. Tem também a versão cinematográfica do “E aí, comeu?”, do Marcelo Rubens Paiva, o “Jardim perfumado”, do Johnny Araújo... esses aí já são para o ano que vem. Tudo ao mesmo tempo agora (risos).

Carreira

Televisão

Ator
2009 - Chico e Amigos
2009 – Malhação (part. especial)
2008 - Casos e Acasos
2008 - Beleza Pura
2007 - Pé na Jaca (part. especial)
2005/09 – Cilada
2004 - Sítio do Picapau Amarelo

Roteirista

2005/09 - Cilada
2004/07 - A Diarista
2003 - Carol e Bernardo
1998/99 - Vida Ao Vivo Show
1997/00 - Sai de Baixo
1996 - Chico Total
1991/94 - Escolinha do Professor Raimundo

Teatro

2007 - A Volta das que Não Foram (co-autor)
2006/09 - Enfim, Nós (ator, co-autor e co-produtor)
2003/04 - Os Famosos Quem? (ator, co-autor e produtor)
2003 – Balada (ator)
2003 - Nós Dois e Grande Elenco (apresentador)
2002/07 - Os Segredos do Pênis - Os Segredos Que Só os Homens Têm (autor)
2002 - Meninas de Rua (ator)
1996 - O Piauí É Aqui - Ou Não (co-autor)

Literatura

1996 - Brasil 2020 - Socorro!!! O Futuro Chegou

Cinema

2010 – Muita calma nessa hora

Na internet:

Blog – http://bloglog.globo.com/brunomazzeo

Twitter – http://twitter.com/BMAZZEO

Site do filme “Muita calma nessa hora” – http://www.muitacalmanessahora.com.br/



(P.S.: Só para tirar o blog da poeira, hehehehe)