sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Maternidade interrompida

(Originalmente publicada em "O Liberal" - 5 de maio de 2008)

Estado do Pará ainda não dispõe de programas gratuitos de Reprodução Assistida para ajudar casais com infertilidade

GUTO LOBATO
DA REDAÇÃO

A paternidade pode até não ser um sonho de todos os casais, mas uma coisa é certa: quando bate a vontade de construir uma família nos moldes tradicionais, qualquer tentativa de facilitar a gravidez é valida. Desde marcar o dia fértil da esposa nas famosas tabelas de ovulação até procurar tratamentos à base de hormônios, os aspirantes a pais fazem de tudo para tornar a chegada dos filhos mais prática. O problema é que, muitas vezes, utilizar-se da medicina para engravidar é mais do que uma questão de escolha: é necessidade. E, para quem tem problemas de fertilidade no Brasil e depende dos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a luta pode perdurar indefinidamente.

Especialistas da área afirmam que, no país, entre 10 e 20% dos casais em idade fértil apresentam algum tipo de problema de fertilidade – ou seja, mantêm relações sexuais sem uso de preservativos durante um ano e não conseguem “encomendar” o bebê. De cada dez desses casais, um precisa ser levado a tratamentos efetivos, como o controle hormonal, a inseminação artificial e a microinjeção (veja no infográfico) – procedimentos caros, com preços entre R$ 1500 e R$ 12000 no setor particular. Por isso, muitas mamães em potencial acabam desistindo do sonho.

Entre os serviços oferecidos pelo SUS em todo o Brasil, não há qualquer menção às técnicas de Reprodução Assistida nas garantias à saúde do indivíduo – o que o sistema público cobre são apenas exames básicos, que identificam a fertilidade como conseqüência de outros problemas, como doenças venéreas e lesões no aparelho reprodutivo. Da mesma forma, os planos de saúde não cobrem quaisquer gastos a nível particular com fertilização. O que já pode ser encontrado na região Sudeste e Centro-Oeste são hospitais universitários e federais que montaram convênio com o SUS após anos de debate e planejamento, três deles em São Paulo, um em Brasília e outro em Belo Horizonte.

Na Região Norte, ainda não há expectativas de que programa semelhante seja implantado – o que não significa, como explica o ginecologista obstetra e diretor executivo da Sociedade Norte-Nordeste de Reprodução Humana Rosival Nassar, que faltem discussões ou mesmo uma demanda por parte da população. “Há anos que temos levado esse assunto a mesas redondas e debates políticos de nosso estado, mas muito pouco tem sido movido pelo Poder Público nesse sentido. Enquanto isso, o Pará, estado cuja população tem baixo poder aquisitivo médio, continua sem atendimento gratuito na área”, lamenta.

De acordo com Nassar, representantes das Universidades Estadual e Federal do Pará, médicos especialistas da área e membros da diretoria da Santa Casa chegaram a se reunir com representantes da Secretaria de Estado de Saúde (Sespa) no ano retrasado, mas nada foi realizado por falta de recursos – o que, afirma o médico, não corresponde ao interesse dos profissionais do estado na questão. “Eu, inclusive, já afirmei que me responsabilizo pela implantação de um serviço de exames e tratamento de Reprodução Assistida na Santa Casa, mas nada foi acertado nesses anos”, completa.

Rosival Nassar é proprietário da única clínica especializada em Reprodução Assistida no Pará, o Centro de Reprodução Nascer, há três anos em atividade. De acordo com o médico, cerca de 30 casais procuram tratamentos de fertilização mensalmente – o que já demonstraria uma demanda crescente no ramo, que pode ser mensurada a níveis muito maiores quando transferidas à população de menor renda. “Já ajudamos no nascimento de cerca de 1000 bebês na clínica, o que nos leva a pensar em quantas pessoas gostariam de ter a mesma oportunidade, mas não têm dinheiro para pagar um tratamento tão caro”, analisa o médico.

Estimativas sobre a demanda de pacientes ainda não foram mensuradas no estado, mas, segundo a coordenadora estadual do Programa Saúde da Mulher, Graça Vieira, estudos na área já analisam a possibilidade de implantá-lo no Pará. “O que temos em mãos é uma questão que já recebe a atenção do Ministério da Saúde e dos órgãos estaduais da área”, afirma.

Segundo Graça Vieira, um dos planos do órgão federal é viabilizar a implantação de cinco pólos regionais de atendimento gratuito em Reprodução Assistida, um em cada uma das regiões do país – no momento, ainda se estuda a localização do centro, a partir de uma pesquisa de demanda que irá percorrer todos os estados da região Norte. “Ainda não podemos afirmar que o centro do Norte será no Pará, mas o estado se mostra aberto a colaborar integralmente com a implantação dele aqui, se assim for decidido”, reforça a coordenadora.

Em relação às dificuldades enfrentadas pelos casais que procuram ajuda especializada, Graça explica que as políticas públicas oferecidas pelo Saúde da Mulher oferecem tratamentos especializados em todas as demais áreas, como clínica obstétrica, acompanhamento neonatal e exames preventivos – mas o atendimento na área de fertilização depende, além dos recursos federais, de uma quantidade suficiente de médicos especializados em reprodução humana. “Aqui no Pará, temos menos de dez médicos da área, esse número não seria capaz de suprir a demanda de um centro e atender a todos os pacientes. Infelizmente, isso vai além de nossa intervenção, é uma questão de áreas de formação profissional as quais o médico procura”, conclui.

O mundo assistiu ao nascimento do primeiro “bebê de proveta” – nome dado às crianças nascidas por Fertilização In Vitro – em julho de 1978, na Inglaterra. Seis anos depois, o Brasil ganhou seu primeiro bebê de proveta no estado do Paraná. Mas foi apenas uma década depois, já em 1995, que o ginecologista obstetra especializado em Reprodução Humana Nelson Santos coordenou a equipe responsável pelo primeiro bebê de proveta do Pará.

“Houve um atraso em relação à chegada dessa técnica aqui no Pará, mas desde o início dos anos 1990 já temos um grupo que trabalha intensamente nessa área”, garante o médico, que representa a Sociedade Brasileira de Reprodução Humana no estado e vê os tratamentos de Reprodução Assistida como algo essencial. “Não seria um serviço de tamanha complicação, como os governos vêm dizendo durante todo esse tempo. Claro, serão necessários recursos, investimentos a longo prazo e, acima de tudo, teríamos de vencer alguns paradoxos bem polêmicos. O governo oferece métodos contraceptivos e incentiva a redução do número de filhos, ou seja, faz seu papel no controle da natalidade. Mas também existe gente que deseja a paternidade, quer constituir família e deveria encontrar igual apoio no Estado”, explica o médico.

Quanto questionado sobre o número relativamente pequeno de profissionais especializados em Reprodução Humana no Pará – são apenas sete, a maioria concentrada na Região Metropolitana de Belém – o médico faz questão de afirmar que o número condiz com a demanda do estado. “Basta pensarmos como um todo na população. Só 10% dos casais têm problemas. Desses, apenas um é levado a tratamentos de alta complexidade. Levando em consideração que já temos uma clínica particular em Belém, e que este serviço seria destinado à comunidade de menor renda, não teríamos grandes problemas em gerir este serviço caso o SUS nos oferecesse a devida estrutura”, conclui o médico.

INFERTILIDADE X ESTERILIDADE

Há vários fatores fisiológicos e psicológicos que influem no baixo nível de fertilidade em ambos os sexos. Mas não se pode confundir infertilidade com esterilidade, que é a completa incapacidade de produzir gametas e viabilizar a reprodução. Infertilidade é um problema na produção ou condução das células reprodutivas (espermatozóide e óvulo) no momento da concepção, constatado após um ano de relações sexuais sem uso de contraceptivos, que pode ser revertido com tratamento especializado. Conheça, agora, alguns dos problemas de infertilidade mais comuns e os quatro métodos mais conhecidos de tratamento:

EM MULHERES:

* O índice de fertilidade cai significativamente a partir dos 30 anos e cessa completamente ao final da menopausa;

* O desequilíbrio entre os hormônios femininos, como estrogênio e progesterona, pode reduzir a fertilidade feminina;

* A principal causa para a infertilidade na mulher é a queda na ovulação: em 25% dos casos, a paciente não chega a liberar um óvulo por mês;

* Outros problemas freqüentes são ligados à própria estrutura do aparelho reprodutor feminino, que sofre transformações com o passar do tempo e podem torná-lo inóspito para os gametas. As trompas de falópio, que transportam o óvulo do ovário ao útero, podem estar obstruídas por algum tipo de inflamação pélvica; ou mesmo o excesso de tecido fibroso no útero e a acidez do canal vaginal acabam eliminando e impedindo a locomoção dos espermatozóides através do aparelho reprodutor.

EM HOMENS:

* O índice de fertilidade tende a se reduzir após os 40 anos, mas sem cessar;

* A média de espermatozóides presentes no sêmen masculino é de 90 milhões por mililitro, sendo que cerca de 40 a 60 milhões são suficientes para a fecundação. Geralmente na meia-idade, o nível cai a menos de 20 milhões por mililitro, o que reduz sensivelmente as chances de fecundação;

* A baixa contagem de espermatozóides, geralmente, é associada à baixa produção de testosterona pelo organismo;

* A infertilidade masculina também pode estar associada à dificuldade de o gameta se mover através do trato reprodutivo feminino corretamente, ou se os espermatozóides tiverem formato irregular (sem cabeças em forma oval, capazes de penetrar no óvulo);

* Outro problema pode ser a obstrução dos tubos que levam o espermatozóide dos testículos, onde são produzidos, ao canal do pênis, ou mesmo lesões e infecções na região da bolsa escrotal, que contém os testículos.

PRINCIPAIS TRATAMENTOS:

* Indução de Ovulação e Coito Programado - Tratamentos que, combinados, podem solucionar casos simples de infertilidade. Considerado de baixa complexidade, o tratamento inicia com a utilização de medicamentos de regulação hormonal dos hormônios femininos, e, posteriormente, identifica o período de ovulação por meio de ultra-sonografia, para programar-se a relação sexual na época;

* Inseminação Intra-Uterina (ou inseminação artificial) - Procedimento que introduz sêmen capacitado no útero, por meio de um pequeno catéter que penetra no aparelho reprodutor feminino. Considerado, ainda, um método de baixa complexidade, é recomendado após tentativas fracassadas de se manter relações sexuais programadas, e combina a intervenção ao uso de medicamentos estimulantes;

* Fertilização In Vitro - Também chamada de "bebê de proveta", é a mais utilizada das Técnicas de Reprodução Assistida (TRA) e uma das mais modernas e caras (preço médio acima de R$ 4000). Neste tratamento de alta complexidade, o procedimento de fecundação do óvulo feminino pelo espermatozóide é realizado em laboratório, com a coleta dos gametas. Após a fecundação, os embriões são introduzidos no útero para continuar seu desenvolvimento;

* Injeção Intracitoplasmática de Espermatozóides (I.C.S.I.) - Técnica ainda pouco utilizada na região Norte, consiste em uma forma de facilitar a Fertilização In Vitro em casos mais graves de infertilidade, nos quais haja baixa produção de espermatozóides por parte do homem. Nela, um procedimento microcirúrgico injeta um único gameta masculino diretamente dentro do óvulo, com o auxílio de micromanipuladores.