quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Avenida vira foco de criminalidade

Apesar de dar rápido acesso ao centro, Pedro Álvares Cabral é cada vez menos utilizada por motoristas assustados com a violência

GUTO LOBATO
Da Redação


Traçado mal sinalizado, tráfego intenso e em alta velocidade, acesso "privilegiado" a focos de criminalidade e ocupação desordenada à beira da pista. Muitos são os motivos que fazem da Pedro Álvares Cabral, uma das mais extensas e importantes avenidas de Belém, destino perigoso para pedestres, motoristas, ciclistas, comerciantes e até mesmo policiais. Mesmo com o traçado da via, que oferece uma boa alternativa para ir do centro da capital até o Entroncamento, muita gente evita utilizá-la, com medo de virar alvo de bandidos. Não sem motivo: além de figurar no topo das estatísticas de acidentes do Departamento de Trânsito do Estado (Detran/PA), a avenida se tornou ponto recorrente de assaltos à mão armada - em especial no período noturno e em pontos críticos nos bairros da Sacramenta e Barreiro.

A Pedro Álvares Cabral possui 8,5 km de extensão e se estende do complexo do Entroncamento até a avenida Visconde de Souza Franco, a Doca. É a maior avenida de Belém em extensão - a Almirante Barroso, por exemplo, tem "apenas" 6 km - e uma das rotas mais rápidas de acesso ao centro da cidade. Seu trajeto corta os bairros da Marambaia, Val-de-Cães, Sacramenta, Barreiro, Telégrafo e Umarizal, mas se concentra especialmente na Sacramenta e no Barreiro. É onde se registra, também, a maioria de suas ocorrências policiais.

Nos últimos meses, o volume de ocorrências registradas na avenida - entre agressões físicas, assaltos à mão armada e até homicídios - cresceu assustadoramente e virou motivo de preocupação para as polícias Civil (PC) e Militar (PM) que atuam na área. O ponto mais preocupante é o que se estende da esquina com a passagem São Benedito até a esquina com a rodovia Artur Bernardes. Em ambas, há semáforos que se tornam pontos de arrastões. Segundo denúncias feitas pela própria população, grupos de adolescentes armados estariam agindo no local a mando de chefões locais do crime.

Tanto a PC quanto a PM reconhecem que mais de 90% dos que cometem crimes na área são menores de 18 anos. O motivo: a punição mais branda a que são submetidos, com base nos preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). "Temos pelo menos uns vinte adolescentes que atuam na área e já foram identificados por nós. Só que, quando conseguimos apreendê-los, é nosso papel encaminhá-los para a Divisão de Atendimento ao Adolescente (Data)", assinala o delegado Sérvulo Cabral, da Seccional Urbana da Sacramenta. "Os manda-chuvas dão armas e instruções para esses jovens por saberem que eles logo são soltos. Nós da polícia também sabemos que, em muitos casos, eles serão entregues à família dali a alguns dias, já que a legislação é mais branda. Não demora para que voltem a delinquir", complementa.

Câmeras flagram audácia de assaltantes

A ação dos bandidos no perímetro começou a ser monitorada há poucos meses por um sistema de câmeras instalado pelo Centro Integrado de Operações (Ciop). Os aparelhos foram instalados na esquina da passagem São Benedito com a Pedro Álvares Cabral, onde há um semáforo; as imagens reveladas a partir daí ganharam destaque na imprensa por mostrar a audácia dos assaltantes. Assaltos e arrastões a qualquer hora do dia viraram rotina no local. "A verdade é que eles agem a qualquer hora e sem medo de serem flagrados. Foi isso que identificamos a partir do monitoramento por câmeras. Com a instalação desses instrumentos na esquina da São Benedito, no entanto, os criminosos mudaram para as esquinas da passagem Santa Rosa e da Ponte do Barreiro, um pouco mais a frente", assinala Cabral.

Segundo o delegado, o trabalho conjunto da PC e da PM resultou em um mapeamento dos pontos de maior incidência criminosa nos arredores da Pedro Álvares Cabral. Porém, pesa contra as investigações o fato de que muitas vítimas de assalto hesitam em registrar ocorrência na polícia. É por conta disso que não há estatísticas oficiais sobre a insegurança na via. Fora os pontos de assalto já citados, há de se destacar a "Ponte do Jacaré", na rodovia Artur Bernardes, e praticamente toda a extensão do Canal São Joaquim, onde dezenas de assaltos são praticados em escala semanal. Em todos os casos, há passagens e becos que ligam as vias aos esconderijos dos bandidos, o que complica a vida dos policiais à hora de fazer uma prisão em flagrante.

Mesmo assim, Sérvulo Cabral reforça que a impressão de que haveria grupos organizados atuando nessas áreas não corresponde à realidade. "A verdade é que estamos lidando com a ação fragmentada de vários criminosos, e não com uma organização ou facção. Os ladrões simplesmente se concentram naquelas áreas pela praticidade e pela grande quantidade de vítimas; porém, não combinam suas ações. No caso da Pedro Álvares Cabral, isso ocorre pelo fato de a avenida ter vários acessos a becos e passagens, bons pontos de escape", diz. "Infelizmente, o resultado é um sub-aproveitamento da via pelos motoristas. Muita gente deixa de utilizá-la com medo de ser vítima de crimes, mesmo em horários de pico", reconhece o diretor da Seccional da Sacramenta.

Avenida seria rota alternativa, não fosse o perigo

Por conta de sua extensão privilegiada, a Pedro Álvares Cabral tem todas as vantagens de uma rota alternativa entre o Entroncamento e o centro. Seu trajeto possui poucos sinais, a pista é larga e não exige conversões e desvios por parte do motorista - diferentemente de percursos que passam por avenidas como Almirante Barroso e João Paulo II, por exemplo, que demandam o uso de vias transversais para sair de bairros da zona central. Em resumo, é uma avenida que sai do Umarizal e desemboca na saída da capital, sem grandes desvios ou cruzamentos.

Com o binário estabelecido entre ela e Senador Lemos, seu uso para quem volta do Entroncamento seria estratégico para fugir do engarrafamento na Almirante Barroso. Seria, caso o medo de pegá-la, mesmo em horários de grande movimento, não fosse tão grande. "Tenho pavor da Pedro Álvares Cabral a qualquer hora do dia, mesmo às seis da tarde. Não passo por lá por nada nesse mundo. Fico no engarrafamento, mas não desvio por lá", diz a jovem Bianca Teixeira, que estuda em uma universidade particular de Ananindeua e reside no centro de Belém.

Acostumada a fazer o trajeto de retorno ao centro todos os dias, Bianca identifica os cruzamentos com a avenida Júlio César e a área da ponte do Barreiro como os pontos mais críticos da Pedro Álvares Cabral - no primeiro, inclusive, ela chegou a presenciar um arrastão quando voltava do Aeroporto de Val-de-Cans, há alguns meses. Nem mesmo as obras do projeto Ação Metrópole, que extinguiram o semáforo da esquina, parecem ser capazes de resolver o perigo, ao ver da jovem. "A rotatória que puseram lá não vai impedir muita coisa. Assalto que é assalto ocorre a qualquer hora", diz. "Nem velocidade alta evita crimes em nossa cidade".

Opinião semelhante tem uma estudante universitária de 20 anos cuja identidade será preservada. Residente próximo à esquina da Pedro Álvares Cabral com a Artur Bernardes, a jovem precisa passar pela Pedro Álvares Cabral todo dia, para chegar em casa. "Como estudo à noite, tento ao máximo usar a Almirante Barroso e só depois dobrar na Pedro Álvares Cabral. Mas não tem jeito. Só chego em casa se for por lá", relata, frisando ser um dos poucos moradores da área que não sofreu assaltos na área. "Aquela 'Ponte do Jacaré' é uma loucura, assaltam de manhã cedo, de tarde e à noite. A PM vive por aqui, mas não consegue fazer grande coisa", complementa a jovem.

Comerciantes e vendedores da área têm de conviver com bandidos

Quem depende da Pedro Álvares Cabral para sustentar suas atividades comerciais também já aprendeu a lidar com a situação de insegurança. Não é nada difícil ouvir relatos de vendedores que precisam "fazer amizade" com os bandidos para evitar investidas criminosas contra si, em especial nas áreas próximas à ponte do Canal do Galo ou à rodovia Artur Bernardes. O motivo: o reduzido efetivo de policiais que atua na área, em contraste com a atividade ininterrupta e crescente de assaltantes.

"O único jeito que encontramos de trabalhar aqui numa boa é se fazendo de amigo dos bandidos. Mas, claro, sempre com um pé atrás. É só você dar uma volta por aí - duvido que encontre uma casa ou loja sem gradeamento", diz C. A. V., de 50 anos, dono de um estabelecimento situado próximo à esquina com a rodovia Artur Bernardes. Morador da área desde a infância, o comerciante diz reconhecer as ações da PM para reduzir a criminalidade na área. O problema, segundo ele, reside na audácia dos criminosos.

"Eles assaltam à luz do dia mesmo, esperam uma brecha depois que as viaturas da polícia passam. De vez em quando ouvimos tiros e correria nesse sinal da Doutor Freitas, aí nos trancamos dentro de casa", comenta. "É terrível porque só vemos esse perigo aumentar. Não tem medidas para controlar a ocupação desordenada na Vila da Barca, no Barreiro, e isso só faz gerar mais crime, mais miséria e mais violência", opina C. A. V. "Pobreza e crime andam de mãos juntas por aqui".

O motorista de um caminhão que entrega bebidas na área da Sacramenta também falou à reportagem sobre as medidas para lidar com os assaltantes. "Não tem coisa pior que entrar na Pedro Álvares Cabral à noite. Como tem muitos bares nas transversais e esquinas, a gente sempre passa por aqui. Até conhecemos a cara de alguns bandidos, mas eles não mexem mais com a gente", diz. "Temos um segurança armado com revólver calibre 38 ao nosso lado, de dia e de noite. É pago pela própria empresa, senão o prejuízo pode acabar sendo muito maior", ironiza o motorista.

O risco também se estende para quem trabalha andando a pé pelos arredores da avenida. Vendedora itinerante de pequenos livros de poesia, a jovem Gisele Nazaré Gomes diz já ter sido assaltada próximo a uma parada de ônibus na esquina da Pedro Álvares Cabral com a travessa Djalma Dutra - outra área considerada crítica no trajeto da via. O crime transcorreu há pouco mais de duas semanas, à luz do dia.

"A rua estava meio 'morta', era início da tarde, e dois rapazes vieram com a mão dentro da blusa pedindo as coisas. Levaram meu celular, bolsa e parte do material que estava vendendo", relata. Acostumada a vender seus livros em várias ruas do centro de Belém, Gisele diz só continuar na Pedro Álvares Cabral por conta do retorno financeiro. "Ao menos até agora, ainda vale a pena. Mas não sei até quando dá para ficar a mercê de tanto assaltante por conta de um ponto de venda", completou a jovem.

1ª Zpol reconhece pontos críticos

Atualmente, o efetivo da PM lotado na 1ª Zona de Policiamento (Zpol) – que cobre a área dos bairros Val-de-Cães, Sacramenta, Barreiro e Telégrafo – é de cerca de 160 homens. Boa parte do contingente policial tem se concentrado nas imediações da Pedro Álvares Cabral – em especial nas esquinas das passagens Mirandinha e Santa Rosa, onde os assaltos registrados nas câmeras do Ciop ocorrem. “A verdade é que essa área, formada pelo perímetro entre o Canal São Joaquim e a Pedro Álvares Cabral, é o local em que mais temos concentrado esforços desde o episódio das câmeras”, diz o tenente Antônio Nonato, da 1ª Zpol.

O tenente confirma as informações da Polícia Civil de que 90% dos assaltantes da área são adolescentes. Por conta disto, um intenso trabalho de prevenção de criminalidade tem sido conduzido pela PM. “Todo dia temos entre três e cinco PMs fazendo policiamento a pé na área da ponte do Barreiro. Há, também, um PM Box situado a poucos metros da Pedro Álvares Cabral”, diz Nonato, frisando que, à época em que as filmagens do Ciop foram divulgadas, havia uma média de até quatro assaltos por dia no perímetro da avenida que corta o bairro do Barreiro. Atualmente, este índice caiu para no máximo uma ocorrência diária.

Na sexta-feira, 6, por exemplo, houve um roubo, praticado contra um pedestre. “Ainda não é o ideal, porque queremos chegar a um índice zero. Mas o nosso comando está empenhado em atingir esta meta. Já conseguimos coibir a criminalidade em outros trechos, e por aqui é uma questão de tempo. Já sabemos o modo de operação dos assaltantes”, relata. “Nosso foco não é em prendê-los somente, e sim ajudar na sua recuperação. Encaminhamos os adolescentes em atitude suspeita para os conselhos tutelares e centros de assistência social. Só assim haverá um resultado de longo prazo”, conclui o tenente Nonato.

Alguns trechos perigosos da Pedro Álvares Cabral

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Esquina com avenida Júlio César

O cruzamento situado no bairro de Val-de-Cães é rota obrigatória para quem precisa ir ao aeroporto, o que já o torna atrativo para assaltantes. Os grupos criminosos vêm da área do Canal São Joaquim para fazer arrastões; dificilmente investem contra uma só vítima, já que a área é muito movimentada. No local, havia um sinal de quatro tempos cujo tempo de espera era imenso. Com as obras do Ação Metrópole, o cruzamento será transformado em um anel viário, sem semáforo. Mas o risco se mantém, ao menos por enquanto: a rotatória instalada provisoriamente possui várias lombadas e faixas de pedestres que obrigam o condutor a reduzir a velocidade.

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Ponte do Barreiro e imediações

É, provavelmente, o trecho mais crítico de toda a via. Os cruzamentos com as passagens Mirandinha, São Benedito e Santa Rosa e com a travessa Barão do Triunfo oferecem bons pontos de escape para os bandidos, em especial os que vêm do Barreiro para praticar assaltos na área. Pesa contra as vítimas que passam de carro o fato de que a ponte do Barreiro tem certo desnível em relação à pista, o que as obriga a reduzir a velocidade. Também fica no cruzamento com o canal do Galo, por onde passa a ponte, a famosa feira "Robauto", onde são comercializados produtos roubados e contrabandeados.

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Esquina com rodovia Arthur Bernardes

Outro ponto crítico que a polícia já identificou é este, que coincide com o fim do binário Pedro Álvares Cabral-Senador Lemos. A proximidade com o bairro do Barreiro e com comunidades carentes como a Vila da Barca deixam a área bem suscetível a assaltos à mão armada. Além disso, o sinal de três tempos do cruzamento deixa motoristas em situação vulnerável. A situação, porém, ocorre não só na esquina com a rodovia como também nas travessas Coronel Luiz Bentes, Magno de Araújo e Djalma Dutra, já às proximidades do bairro do Umarizal.

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