domingo, 27 de setembro de 2009

Campanha antidrogas agora é obrigatória nas escolas paraenses

Lei aprovada ao início do mês reacende debate sobre tráfico e consumo de drogas nos espaços de ensino



Texto: Guto Lobato
Fotos: Elielson Modesto

(Jornal Amazônia - Edição de 27/09/2009)

O consumo e comercialização de drogas nas escolas paraenses é antigo e bem conhecido pela população. Não é de hoje que traficantes se aproveitam dos espaços de ensino, sejam públicos ou particulares, para atender ao "nicho de mercado" de crianças e adolescentes em formação. Um relatório lançado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (Unesco) em 2005 bem aponta isso: o estudo revela que, em Belém, quase 16% dos alunos de ensino fundamental (5ª a 8ª série) e médio dizem já ter presenciado situações de uso de entorpecentes dentro do ambiente escolar. Desde o início desse mês, no entanto, reduzir indicadores como este se tornou obrigação do Estado – tudo a partir da aprovação da Lei 7.302/09, que institui políticas antidrogas nas escolas paraenses.

A lei, de autoria da deputada estadual Ana Cunha e aprovada pela governadora Ana Júlia Carepa no último dia 2, vem a calhar em um momento no qual a violência escolar vira, cada vez mais, motivo de polêmica. Não há dados específicos que associem o tráfico intraescolar aos surtos de criminalidade recentes, mas tanto a polícia quanto as autoridades de educação asseguram: assim como ocorre fora da escola, os entorpecentes subsidiam o crime e a delinquência em todas suas modalidades. Assaltos à porta de escolas, brigas entre gangues que disputam liderança de bairros, furtos, homicídios – tudo isso, em maior ou menor intensidade, tornou-se parte da rotina dos estudantes, sejam da rede pública ou mesmo da particular.

A Companhia Independente de Polícia Escolar (Cipoe), destacamento da Polícia Militar (PM) especializado no atendimento às unidades pedagógicas da Região Metropolitana de Belém (RMB), faz uma média de 280 a 300 atendimentos a escolas por mês – destes, pelo menos 65 resultaram em registros de ocorrência policial no mês de agosto, segundo a estatística mensal do destacamento. A maioria das ocorrências transcorre após as 16h, durante os turnos vespertino e noturno, e envolve situações no entorno das escolas das chamadas “zonas vermelhas” – bairros em situação de vulnerabilidade social.

Nos dados mais recentes, há somente uma ocorrência por entorpecentes na área das três Zonas de Policiamento Escolar (Zpoe) – que se estende da Cidade Velha, em Belém, até Benevides, cobrindo mais de 200 escolas. A pequena participação nas estatísticas não deve, no entanto, ser motivo para alívio. Isso porque, conforme explica o major Jorge Vasconcelos, comandante da Cipoe, o problema está mais no consumo que no tráfico em si. “A verdade é que dificilmente o aluno é o grande traficante de entorpecentes. O comum é que o vendedor fique pelo entorno e forneça droga para os estudantes usarem dentro da escola ou nas praças e áreas de lazer próximas”, avalia.

A aprovação de uma lei para desenvolver campanhas e palestras nas escolas, segundo o comandante da Cipoe, é positiva. Isso porque o major – que não economiza nas críticas aos políticos pró-legalização das drogas, a quem chama de “irresponsáveis” – credita boa parte dos casos de envolvimento com entorpecentes à falta de conhecimento dos jovens em relação aos riscos que correm. “O jovem não possui discernimento suficiente para medir seus atos. Uma política verdadeiramente preocupada em ensiná-lo a ver o 'lado negro' das drogas, com alertas de saúde e de segurança, tende a reduzir os índices de consumo, compra e venda”, analisa.

Maconha é droga mais usada pelos estudantes

Segundo o major Vasconcelos, mais de 90% das apreensões de entorpecentes com alunos da Região Metropolitana são de maconha – droga mais barata e de fácil obtenção em relação a outras, como cocaína, crack e ecstasy. Só na semana passada, dois estudantes foram flagrados consumindo a erva e encaminhados à Divisão de Atendimento ao Adolescente (Data). Outras sete apreensões de armas de fogo – duas levadas para dentro da sala de aula – foram feitas só nos últimos quatro meses.

Sem precisar quais escolas estão em situação mais crítica, para evitar a estigmatização delas, o major admite que a Cipoe tem em mãos um mapeamento de 40 unidades críticas. “De forma geral, são escolas públicas de periferia em que o uso de drogas é frequente, em que há muita rivalidade entre gangues”, diz. “Mas temos muitos casos que ocorrem em escolas particulares tradicionais, também. Esse mês fomos chamados pela diretoria de um colégio tradicional por conta de um porte de drogas. Eles só não ganham visibilidade porque os pais e professores tentam abafar a situação”, alerta.

Seduc afirma já conduzir políticas antidrogas



A notícia de que, agora, um dispositivo legal assegura a presença de campanhas antidrogas nas escolas foi bem recebida pelo titular da Diretoria de Diversidade, Inclusão e Cidadania (Dedic) da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) Wilson Barroso (foto). Segundo ele, a questão das drogas se insere em um contexto mais amplo, em que a garantia de direitos e a criação de uma cultura de paz são necessárias para reduzir os índices de violência no ambiente de ensino. “Na verdade, as drogas sempre foram foco de nossas preocupações. As escolas públicas que têm ou tiveram problemas associados têm tido na interação com a comunidade uma solução, mesmo que a longo prazo, uma medida efetiva e de bons resultados”, acredita.

Segundo Barroso, a principal medida hoje existente para coibir o consumo e comercialização de entorpecentes nas escolas públicas é o programa “Escola de portas abertas”, adotado pela Seduc em parceria com o Governo Federal; porém, atividades extra-curriculares sobre o assunto não estão fora de cogitação. O método “portas abertas” contempla atividades recreativas e pedagógicas nas escolas durante os finais de semana, abrindo-as à participação de alunos, pais e moradores da comunidade próxima. No Pará, ele já foi implantado em 320 escolas de 120 municípios, o que resulta em um universo de 600 mil alunos e 4 milhões de membros da comunidade contemplados.

Embora o foco do programa não seja específico para as drogas, o titular da Dedic explica que o tema é explorado exaustivamente pelos próprios participantes. “Essa medida busca enfrentar todos os tipos de violência escolar, das brincadeiras de mau gosto - o bullying - até os assaltos à mão armada e furtos, a exploração sexual e as drogas. Dentro das atividades tocamos em assuntos como a estrutura familiar, a questão do uso e comércio de entorpecentes, e o que se vê é um aumento na conscientização do aluno e de sua família”, comenta. “Em uma escola aqui do Tapanã, em Belém, por exemplo, um grupo de ex-traficantes hoje dá palestras para jovens alertando para os riscos da droga. É um sinal de que a própria comunidade do entorno faz o possível para tocar neste assunto e orientar seus jovens”, conclui.

Alunos que convivem com o problema aprovam lei

Quem convive diariamente com um espaço escolar perigoso, marcado por surtos de delinquência juvenil e pela ocasional negligência das autoridades de ensino, aprova a ideia de “obrigar” o Estado a implantar políticas de combate às drogas. É fácil entender: para eles, feiras culturais, palestras sobre o tema e até a presença da PM nos arredores parecem não trazer mudanças significativas em termos de segurança. Escolas de bairros como Terra Firme, Guamá, Sacramenta e Cabanagem, que concentram a maioria das ocorrências registradas pela Cipoe, pouco a pouco se tornam reféns da ação de traficantes e gangues.

A reportagem circulou por algumas escolas com histórico de violência de Belém para ouvir opiniões. Constatou-se que, entre os estudantes, o medo de se identificar é constante. Denúncias, no entanto, abundam: vão desde a livre entrada de traficantes nas salas de aula até cenas degradantes, como o consumo de maconha e cocaína nos banheiros, à hora do intervalo. “A nossa escola vive cheia de gente ‘noiada’, fumando maconha na porta de entrada mesmo. Depois eles entram na sala e querem agarrar as meninas à força, é nojento”, diz o jovem G.O.S., 13 anos, estudante de 5ª série em uma escola situada às proximidades da avenida Senador Lemos, no bairro da Sacramenta.

J.B.N., de 11 anos, colega de sala de G.O.S., relata já ter sido alvo de várias agressões. Apesar da idade, ele diz já reconhecer o cheiro da maconha a metros de distância. “A gente acaba se acostumando, porque o cheiro fica impregnado no banheiro. E o pior é quando a gente entra lá e eles começam a agredir e ameaçar. Como se o banheiro fosse para aquilo”, relata. Quanto à lei, os meninos têm a mesma opinião: só servirá para alguma coisa se for cumprida. “Contanto que não vire uma dessas leis que ninguém obedece, sou a favor”, diz J.B.N. “Essa lei não deveria nem existir, porque os professores deveriam saber sozinhos que falar de drogas, prevenir os alunos, é obrigação deles”, denuncia G.O.S.

Entre os alunos de ensino médio, a visão é a de que as drogas deveriam ser tratadas como um assunto comum, e não como tabu. “Claro que é polêmico, mas os professores e diretores não deveriam ter receio de falar sobre isso. Essa lei vem para estimular a conscientização dos alunos a partir da iniciativa deles”, comenta D.C., 18, estudante de terceiro ano em uma escola no bairro do Marco. “É mais ou menos como o assunto sexo, que deveria ser mais tocado, como uma medida preventiva. Infelizmente, muita gente não sabe o perigo de se envolver com drogas e cai nisso por imaturidade, falta de acompanhamento da família. A escola tem que ‘se meter’ nisso, nem que seja por força de lei”, completou E.J.N., 17, também aluno de terceiro ano.

Família e escola devem estar unidas no combate



É fato que, antes de um problema relativo à escola, o consumo de entorpecentes entre os jovens concerne à orientação e formação deles dentro do espaço familiar. O major Jorge Vasconcelos, da Cipoe (foto), explica que o controle das drogas dentro dos espaços de ensino depende da ação de pais e responsáveis. “Nós, da polícia, precisamos ter suspeita fundada para executar uma revista, por exemplo. Além disso, os professores e diretores das escolas não têm como procurar drogas na mochila de centenas de alunos todos os dias. Querendo ou não, os jovens precisam ser orientados e monitorados sobretudo pela família, recebendo orientações dentro de casa”, comenta.

Mesmo assim, a ideia de implementar políticas preventivas nas escolas é vista com bons olhos por especialistas da área. A doutora em psicologia da educação Ivany Nascimento, que coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Juventude (Gepjurse) da Universidade Federal do Pará (UFPA), acredita que a responsabilidade do Estado sobre os adolescentes pode – e deve – ser estendida ao espaço pedagógico. “A aprovação de uma lei simboliza a responsabilização do Estado por nossos adolescentes. Afinal, o consumo da droga envolve uma rede complexa de fatores de influência, que vai do espaço familiar ao entorno das escolas de zonas mais carentes, da presença dos professores na formação psicossocial de seus alunos à vigilância das autoridades de segurança”, afirma.

Atualmente desenvolvendo um trabalho em escolas de Manaus (AM), Ivany reforça, porém, que a lei não deve se limitar a palestras e eventos pontuais; deve, sobretudo, ser encarada como um convite à conscientização de pais, professores e da comunidade escolar. “Assim como a família, a escola é uma instituição responsável pela formação do sujeito. E a lei precisa ser posta em prática no dia-a-dia. Sabemos das dificuldades relativas à própria sala de aula, por exemplo, e elas têm envolvimento direto com o uso de drogas e a violência e criminalidade entre o alunado", afirma. "Uma mudança a longo prazo no próprio sistema de educação de nosso País, a meu ver, deveria ser encaminhada junto às campanhas para coibir a violência escolar”, reitera.

Consumo de drogas nas escolas de algumas capitais
Fonte: Relatório “Drogas nas escolas”. Unesco, 2005.
Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001393/139387por.pdf

Capital - Porcentagem de alunos que presenciaram uso de drogas dentro da escola - Porcentagem de alunos que presenciaram uso de drogas no entorno da escola

Manaus (AM) – 18,6% – 25,7%
Belém (PA) – 15,7% – 18,6%
Fortaleza (CE) – 21% – 28,3%
Florianópolis (SC) – 35,1% – 42,2%
Porto Alegre (RS) – 29% – 45,6%

Ocorrências escolares na Região Metropolitana
Fonte:
Cipoe/PM
Período: Agosto de 2009

Homicídio – 1
Furto – 2
Roubo – 3
Brigas entre alunos – 4
Assalto a mão armada – 0
Arrombamento – 1
Porte Ilegal de Arma de Fogo – 2
Porte Ilegal de Arma Branca – 2
Entorpecente – 1
Ocorrência c/ criança – 3
Sedução de Menor – 2
Ameaça/ Agressão – 4
Apoio a outros órgãos policiais – 21
Assalto c/ refém – 1
Outros – 18
Total: 65

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