segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Violência migra para o interior do Estado

Crime organizado e conflitos por posse de terra assolam municípios paraenses. Reduzido efetivo policial aumenta clima de insegurança.

GUTO LOBATO
Da Redação

(Jornal Amazônia - Edição de 6/9/2009)

Já faz tempo que as pequenas cidades do interior brasileiro vêm perdendo seus principais atrativos. O ar provinciano, a tranquilidade e, principalmente, a segurança dos aglomerados distantes das capitais pouco a pouco se tornam parte de um passado remoto. Não é diferente no Pará: o relatório "Mapa da violência dos municípios brasileiros", lançado ao ano passado pela Rede de Informação Tecnológica Latino Americana (Ritla) em parceria com o Instituto Sangari e os ministérios da Justiça e Saúde, revela que pelo menos seis municípios do Estado estão entre os cinquenta com maior número de homicídios por 100 mil habitantes - entre eles, pólos de expansão urbana como Marabá, Tucuruí e Parauapebas.

Os números brutos só fazem confirmar o clima tenso que se configura no interior paraense: antes "exclusividade" da capital, os crimes motivados pelo crescimento populacional desordenado e pela falta de políticas públicas têm migrado às demais regiões e gerado temor junto às autoridades de segurança. As polícias Civil (PC) e Militar (PM) têm, cada qual à sua maneira, tentado mapear e desmantelar os focos de criminalidade; porém, com efetivo reduzido e sem infraestrutura, tal tarefa se torna um desafio logístico.

Atualmente, o interior do Pará dispõe de 182 delegacias e seccionais distribuídas em 136 municípios - Cumaru do Norte, Quatipuru, Bannach, Brejo Grande do Araguaia, Porto de Moz e Ulianópolis só devem ganhar suas unidades ao final de 2010 (veja quadro). Um número aceitável, não fosse a falta de pessoal que atinge a Polícia Civil: somente 1,2 mil agentes, entre delegados, escrivães e investigadores, atuam fora da capital, segundo dados da Diretoria de Polícia do Interior (DPI).

O contingente é lotado nas dez Superintendências Regionais da PC, responsáveis pelo gerenciamento do efetivo. "O ideal, hoje, seria termos pelo menos uns 3,5 mil policiais para cobrir as várias regiões do Pará. Até porque, para coibirmos a violência de fato, é preciso investir nos serviços de inteligência, nas equipes de investigação", afirma o delegado Miguel Cunha, titular da DPI. "O problema é que estamos há catorze anos sem concurso. A seleção que será feita neste mês de setembro deve começar a solucionar o problema, trazendo pelo menos uns 350 novos agentes para o interior", avalia.

Em todas as regiões do Estado, a maior parte dos esforços policiais está concentrada no combate ao crime organizado - em especial, o tráfico de drogas. É o principal responsável pelo alto índice de homicídios, roubos e apreensões de armas de fogo e material entorpecente no interior. Há números para comprovar isto: só no primeiro semestre de 2009, mais de 1,2 mil pessoas foram presas fora da capital do Estado. Em meio às operações, 300 bocas de fumo foram estouradas, cerca de meia tonelada de maconha e cocaína foi apreendida e 800 armas de fogo foram encontradas sem registro regular. "Entendemos que o comércio de entorpecentes fomenta outras modalidades criminosas. E ele não é um crime restrito à capital ou às maiores cidades. Está distribuído na zona do Salgado, no Sul e Sudeste, no Xingu, no Marajó", avalia Cunha.

Pará registra 33 assassinatos no campo em quatro anos

Mas não é somente no tráfico que reside o problema da violência no interior do Pará. Algumas regiões, em especial a Sudeste, enfrentam problemas históricos por conta dos conflitos ligados à posse de terra. Nos últimos quatro anos, a polícia registrou oficialmente 33 assassinatos no campo. Há, no entanto, um sem-número de tentativas de homicídio, conflitos e outras ocorrências relacionadas que acabam não indo parar nas estatísticas, dada a carência de unidades especializadas neste tipo de violência no Estado.

Atualmente, somente duas Delegacias de Conflitos Agrários (Decas) estão em atividade, nos municípios de Marabá e Redenção. Elas funcionam em convênio com entidades como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e a Ouvidoria Agrária Nacional, e têm um efetivo treinado para lidar com ocorrências ligadas à questão da posse de terra. Até o final do ano, a DPI deve inaugurar uma nova unidade no município de Paragominas, segundo Miguel Cunha.

A delegada Bruna Paolucci, da Superintendência Regional do Sudeste - responsável pela cobertura de 23 municípios -, reconhece a dificuldade em se coibir a criminalidade na região. O próprio município-sede do órgão, Marabá, já foi apontado em pesquisas como um dos pontos críticos no que se refere à morte de jovens: 60 homicídios com vítimas na faixa etária entre 15 e 24 anos foram registrados somente em 2006. Além disso, a cidade tem o impressionante índice de 87,9 assassinatos para cada grupo de 100 mil habitantes - praticamente o dobro, por exemplo, da taxa do Rio de Janeiro (RJ), que, apesar da fama de "terra sem lei", não contabiliza mais que 44 mortes por 100 mil habitantes.

"Temos um problema fundamental, que é a expansão populacional desordenada. Marabá - toda a região em torno dela - é vendida como uma cidade de oportunidades, porém não tem estrutura para receber e inserir toda a mão-de-obra que chega nela, a maior parte não especializada. Combinando isso à falta de políticas de inserção social, temos um crescimento urbano que vem acompanhado de violência na forma de homicídios, roubos e da ação do crime organizado, da mesma forma que ocorre na capital", acredita.

Somente no mês de julho, a superintendência registrou cerca de 3,9 mil ocorrências, que resultaram na abertura de 426 inquéritos. A delegada, no entanto, acredita que tal número condiz com a realidade do Sudeste paraense. "Dada a dimensão de nossa área, que cobre pólos regionais como Tucuruí e Parauapebas, fora Marabá, que sozinha possui mais de 200 mil habitantes, não é um número tão impressionante. O problema é a gravidade e concentração destes crimes em áreas específicas", completa.

Nordeste paraense é afetado por "migração do crime"

A proximidade com a Região Metropolitana de Belém (RMB) também é fator a se levar em conta à hora de analisar a migração da violência para o interior. Na região Nordeste do Estado, por exemplo, tornou-se comum que cidades com fama de "pacatas" virem refúgio de bandidos residentes na capital. Desta forma, modalidades criminosas tipicamente urbanas, como o tráfico, conseguem fincar raízes nos pequenos municípios de interior - e, por conseguinte, aumentar as estatísticas de assaltos à mão armada, acertos de contas, latrocínios e outros crimes de menor gravidade.

A ideia é do coronel Lázaro Saraiva, do 3º Comando de Policiamento Regional da PM, que acredita que este fenômeno tem relação com o crescimento de novos pólos urbanos no Estado. "A verdade é que o Pará tem vários núcleos de expansão, é o caso de Marabá, Castanhal, Santarém. Com isso, vêm os problemas típicos de uma capital: o desemprego, a criminalidade. E isso, de uma forma ou de outra, também chega às pequenas cidades próximas", analisa. "Além disso, há a questão dos fugitivos da capital. Se o trabalho da PM está bom em Belém, é natural que os bandidos fujam para o interior. A região Nordeste é especialmente afetada por isso. Fizemos várias prisões de assaltantes belenenses em Castanhal neste ano", garante.

Com uma área de cobertura que abrange 20 municípios, com sede em Castanhal e um efetivo de 850 homens, o CPR 3 é o segundo no ranking de ocorrências que a PM contabiliza no Estado - só perde para o CPR da região Sudeste. Pelo menos 300 prisões foram realizadas pelo destacamento de janeiro a setembro de 2009 - entre elas, 41 de traficantes. Vários municípios da área perderam a aura de tranquilidade após registrar crimes de alta complexidade. Concórdia do Pará, Curuçá e São Domingos do Capim - todos com população inferior a 40 mil habitantes - foram alvos da ação de quadrilhas especializadas em assaltos a bancos neste ano. Até o pequeno município de Magalhães Barata, situado próximo a Marapanim, com 7,8 mil habitantes, registrou um homicídio e dois assaltos só na primeira semana de setembro.

Já Castanhal, com seu núcleo urbano expandido, registra pelo menos quatro homicídios por mês, segundo dados do CPR 3 da PM. "A verdade é que o interior do Estado ainda não está fora de controle. Muitas vezes o crime se manifesta na forma de furtos de bicicletas, roubos de pequeno porte, mas a mídia acaba expondo casos pontuais de maior gravidade. Mas a polícia consegue evitar a ação do crime organizado. Impedimos quatro assaltos a bancos desde o início do ano com o apoio dos serviços de inteligência", avalia o coronel Saraiva.

Moradores de Igarapé-Miri sofrem com crescente criminalidade

Na última segunda-feira, o município de Igarapé-Miri, situado a 96 km de Belém, viveu mais um dia de revolta popular. Por conta do assassinato do mototaxista Abraão de Souza Batista, de 20 anos de idade, na PA-407, que liga a cidade a um de seus distritos, a Vila de Maiauatá (veja quadro), dezenas de moradores fizeram um protesto na Alça Viária, interrompendo o tráfego de veículos por mais de seis horas. A manifestação, embora pacífica em comparação à que resultou no incendiamento do Fórum Municipal e na depredação de vários prédios públicos em dezembro do ano passado, gerou trânsito lento na Alça Viária e quase resultou em confronto com a polícia.

Desta vez, o basta à violência foi organizado por associações de mototaxistas, com apoio de populares e do próprio Legislativo municipal. "Este homicídio foi apenas a gota d´água. Nós estamos insatisfeitos há muito tempo com a falta de policiamento, de iluminação pública, de pavimentação nas estradas. Tudo isso é um prato cheio para a expansão da violência", diz o vereador e mototaxista João do Carmo. "O interior, além de estar abandonado, virou um antro de bandidos. Nossa qualidade de vida está ameaçada", completa.

É bem verdade que o município de Igarapé-Miri, situado a apenas 96 km de Belém, não é o mesmo que um dia ganhou o status de "capital mundial do açaí". Ruas escuras, vazias e pouco movimentadas desde o final da tarde bem denotam o medo que já se espalhou entre a população. Não faltam pontos de risco na cidade: segundo moradores, o trecho da PA-407 em que o jovem mototaxista foi morto é um verdadeiro antro de assaltantes, que ficam à espera dos veículos que trafegam da Vila de Maiauatá ao centro da cidade. Para piorar, a única delegacia de Polícia Civil do município funciona improvisada em uma casa. A copa do imóvel é utilizada como cela, dada a falta de estrutura para que os policiais trabalhem.

Um comerciante miriense de 43 anos, que preferiu não ser identificado, diz que os assaltos no local em muito se aproximam do crime organizado da capital. "Eles sabem que não tem banco na vila, então já pressupõem que os empresários vão de um lado para o outro na PA-407 com dinheiro vivo. Vários veículos da empresa em que trabalho já foram assaltados, mesmo à luz do dia", reclamou. "Não temos nem polícia na cidade, que o diga nas estradas", completou.

ALGUNS MUNICÍPIOS PARAENSES INCLUÍDOS NO RANKING DA VIOLÊNCIA
Fonte: "Mapa da violência dos municípios brasileiros 2008", da Rede Informação Tecnológica Latino Americana (Ritla), Instituto Sangari, Ministério da Justiça e Ministério da Saúde

Posição - Município - Número de homicídios por 100 mil habitantes
6º - Tailândia - 96,2
11ª - Marabá - 87,9
12ª - Itupiranga - 87,5
18ª - Novo Repartimento - 83,9
31ª - Goianésia do Pará - 75,8
50ª - Nova Ipixuna - 68
51ª - Novo Progresso - 67,7
53ª - Jacundá - 67
63ª - Tucuruí - 63,5
75ª - Marituba - 60
76ª - Eldorado dos Carajás - 59,8
128ª - Parauapebas - 53,2

A POLÍCIA NO INTERIOR DO PARÁ
Fonte: Diretoria de Polícia do Interior (DPI) e 3º CPC

- Efetivo da Polícia Militar (PM) no interior: Cerca de 10 mil
- Efetivo da Polícia Civil (PC) no interior: 1,2 mil
- Delegacias de PC no interior: 182
- Municípios sem delegacias: Cumaru do Norte, Quatipuru, Bannach, Brejo Grande do Araguaia, Porto de Moz e Ulianópolis
- Bocas de fumo estouradas pela PC (janeiro a julho 2009): 300
- Droga apreendidas pela PC (janeiro a julho 2009): 0,5 tonelada
- Prisões efetuadas (janeiro a julho 2009): Mais de 1,2 mil
- Assassinatos no campo registrados na PC (2006-2009): 33

CASOS RECENTES DE VIOLÊNCIA NO INTERIOR

Marabá - 23/1/2009

O caminhoneiro Mário Domingos da Silva, 49 anos, foi recolhido no xadrez da Superintendência de Polícia Civil do Sudeste. Ele matou a própria filha, um bebê de 5 meses. A vítima foi espancada, atirada na parede e jogada no chão. Quando foi socorrida no hospital municipal, já não havia mais tempo de salvá-la. O choro do bebê teria irritado o caminhoneiro. A mãe da criança, Ana Paula de Lima, 21, vivia há dois anos com o acusado na Folha 35, da Nova Marabá, e também era agredida fisicamente.

Curionópolis - 16/3/2009

Revoltado por um estupro cometido contra sua mulher, o coveiro Carlos de Sousa Silva, 35 anos, matou um homem identificado como "Cicinho do brega" com mais de 15 golpes de faca peixeira, na região central de Curionópolis, a 130 km de Marabá. A vítima, que inclusive confessara ter violado a esposa de Carlos, não tinha qualquer documento de identificação à hora em que foi morta.

Rondon do Pará - 26/4/2009

Um homicídio foi registrado na fazenda Rio Branco, situada a 100 quilômetros de Rondon do Pará. Um ex-funcionário da fazenda encontrou o corpo do braçal Edvan de Amarães, maranhense, 34 anos, em adiantado estado de putrefação, com quatro perfurações de faca e uma de bala. Populares afirmaram que o crime se deu por conta de conflitos agrários, uma vez que a vítima residia em um assentamento. A polícia, no entanto, não confirmou a tese.

Santa Luzia - 5/6/2009

O lavrador Sebastião Pinto dos Santos, de 24 anos, e um adolescente de 17 esfaquearam, sem motivo aparente, nove pessoas que caminhavam no centro de Santa Luzia, a 210 km de Belém. O crime ocorreu à noite. Centenas de moradores revoltados ameaçaram invadir a delegacia em que eles foram postos pela polícia. Todas as vítimas foram atendidas no pronto-socorro de Santa Luzia e receberam alta médica na mesma noite. Uma das vítimas, de 61 anos de idade, quase teve o pescoço perfurado.

Paragominas - 7/6/2009

Moradores do bairro Laércio Cabelline, zona periférica de Paragominas, encontraram o cadáver de Jonas Pereira, 23 anos, morto a pauladas e depois jogado dentro de uma fossa, nos fundos de uma casa abandonada. Pela manhã, um morador da rua Balestéri sentiu forte odor que vinha do quintal, entrou no local e se deparou com o corpo da vítima. A hipótese da Polícia era de que se tratava de um homicídio.

Abel Figueiredo - 22/8/2009

Quatro pessoas, entre elas dois traficantes, foram mortas a pauladas no município de Abel Figueiredo, no Sudeste paraense. O crime transcorreu no bairro Bela Vista, onde funcionava uma boca de fumo. Tratou-se de um latrocínio, já que foram levados pertences das vítimas, além de drogas. Waldineys do Nascimento e "Loura" eram os donos do ponto de venda. Eles foram logo após Wesley de Souza Matos e Hércules de Almeida Costa, dois usuários que foram à "Vilinha" atrás de entorpecentes.

Igarapé-Miri - 28/8/2009

O mototaxista Abraão de Souza Batista, de 20 anos, foi morto a tiros na PA-407, que fica dentro de Igarapé-Miri. Ele foi visto pela última vez em um posto de gasolina, quando pegou os dois homens acusados de seu assassinato, partindo em seguida para deixá-los na vila Maiauatá. O corpo só foi encontrado à manhã do dia seguinte, próximo a uma ponte, à beira da rodovia estadual. Os acusados de sua morte foram presos três dias depois.

Castanhal - 31/8/2009

Jonatas de Araújo Brandão, de 23 anos, foi morto com vários tiros na cabeça por volta de 23h na rodovia que liga os municípios de Castanhal e São Francisco do Pará. Jonatas praticava diversos assaltos em Castanhal, utilizando uma motocicleta que foi reconhecida por vítimas. A hipótese da polícia é que Jonatas se desentendera com o comparsa, ainda foragido, à hora em que iam praticar um assalto.

Castanhal - 1/9/2009

William Freitas da Silva, de 18 anos, foi morto a pedradas no conjunto Rouxinol, periferia de Castanhal. Policiais dizem que a vitima estava bebendo e jogando bilhar com um homem identificado apenas como "Romário". Durante uma discussão, o agressor se armou com uma pedra e golpeou a cabeça de William Freitas da Silva. Mesmo com a vítima caída no chão, o criminoso deu o golpe fatal com a mesma pedra.

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