domingo, 30 de agosto de 2009

Crimes a toda hora, em qualquer lugar

Violência já faz parte do dia a dia de quem vive no centro de Belém


GUTO LOBATO
Da Redação

Fotos de Antônio Silva, Igor Mota e Divulgação

(Jornal Amazônia - Edição de 30/08/09)

Tiroteios em plena luz do dia, sequestros relâmpago, execuções sumárias no meio da rua, assaltos com reféns e perseguições dignas de roteiro cinematográfico. Cenas como essa já fazem parte do cotidiano de quem vive na periferia das cidades brasileiras, mas, de uns tempos para cá, têm gerado temor entre os moradores das zonas centrais. Em Belém, não é diferente: difícil é encontrar lugares em que a violência não tenha dado as caras na forma de alguma modalidade criminosa. O reduzido efetivo policial – há cerca de 1,1 mil policiais civis e 2,2 mil militares para cobrir toda a capital paraense –, aliado ao aumento da marginalidade, faz com que bairros como Umarizal, Campina, São Brás, Batista Campos e Nazaré se tornem, também, alvos da ação constante de bandidos.

Duas ocorrências que resultaram em mortes na região central de Belém, transcorridas ao início da semana passada, bem evidenciam isso. No domingo, 23, um homem identificado como Carlos Sérgio Gomes dos Santos foi morto a tiros no cruzamento da rua Oliveira Belo com a avenida Alcindo Cacela, no Umarizal. Ele trafegava em alta velocidade em uma motocicleta, provavelmente fugindo dos autores dos disparos. A situação causou ainda mais polêmica por conta do horário: 14h.

Como se não bastasse, o amanhecer do dia seguinte, 24, também foi marcado por troca de tiros e um baleamento na rua Brás de Aguiar, no bairro de Nazaré. Três assaltantes invadiram o restaurante Spazzio Verdi, por volta de 6h, mantiveram vários funcionários reféns e trocaram tiros com a Polícia Militar (PM) enquanto os moradores da vizinhança se preparavam para mais uma semana de trabalho. Depois de muita confusão, um dos bandidos acabou baleado e morreu horas depois no Pronto Socorro Municipal da 14 de Março.

São apenas alguns exemplos do longo histórico de violência que os bairros da zona central tem construído nos últimos anos (veja quadro). As seccionais urbanas do Comércio e de São Brás, responsáveis pela segurança de boa parte dessa área, têm tido dificuldade em lidar – leia-se prender, autuar e manter bandidos sob custória – com a migração do crime para o coração da capital. O relatório lançado ao início deste ano pelo Sistema Integrado de Segurança Pública (Sisp), referente a 2008, sinaliza o problema: fora o aumento global nas ocorrências registradas em Belém e na Região Metropolitana, houve uma mudança no ranking de bairros mais problemáticos.

Fora Guamá, Jurunas e Coqueiro, áreas problemáticas que sempre figuraram no topo e têm entre 5 e 7 mil ocorrências registradas em suas delegacias e seccionais em 2008, entraram na “lista negra” dois bairros outrora considerados pacatos: Campina e Pedreira. Ambos registraram mais de 5 mil ocorrências cada durante 2008 – quase o mesmo número que o Guamá, por exemplo, havia ostentado em 2007. E o pior: apesar de majoritariamente ligadas a roubos, muitas dessas ocorrências resultam em reféns, feridos e até mesmo mortos.

PM reconhece aumento, mas destaca combate


Comandante da 6ª Zona de Policiamento da PM – que cobre os bairros Cidade Velha, Campina, Umarizal e Reduto –, o capitão Vicente Neto reconhece que houve aumento na criminalidade no centro da capital. Um balanço feito pela PM na área dos quatro bairros, referente ao mês de agosto, confirma que, de 33 ocorrências na semana de 17 a 23 de agosto em 2007, o número saltou para 105 no ano passado. Em 2009, no entanto, houve queda para 57 ocorrências no mesmo período. “Sozinha, a Campina acumulou 58 ocorrências em 2008 na semana de agosto que analisamos. Agora, em 2009, tivemos número pouco menor para toda nossa área de cobertura. É sinal de que o policiamento está conseguindo coibir os crimes menos graves e, ao mesmo tempo, fazer a prevenção de delitos de maior complexidade”, acredita o PM.

Mesmo com a predominância do crime de roubo, o capitão Vicente chama a atenção para ocorrências mais sérias registradas com frequência na zona central, como assaltos com reféns e sequestros relâmpago. “No caso da Campina, há muitos casos de assaltos a lojas e estabelecimentos que têm reféns, já que é uma área em que circula muito dinheiro. No Umarizal e Reduto, os sequestros relâmpago são frequentes por essas serem áreas de grande poder aquisitivo, visadas pelos bandidos”, afirma. “Para coibir isso, trabalhamos com policialmento velado (à paisana), com o serviço de inteligência e com patrulha motorizada, além de mapear pontos e horários de maior risco para centralizar o policiamento ostensivo”, diz o comandante da 6ª Zpol.

Sequestro relâmpago e assalto são crimes típicos no centro

Os assaltos à mão armada e os sequestros relâmpago são os principais inimigos de quem trafega pelo centro de Belém à noite. Cada vez mais frequentes em bairros como Umarizal, Nazaré e Reduto, detentores das maiores renda per capita de Belém, os sequestros são considerados crimes difíceis de prevenir pela própria polícia; têm relação direta com a migração de bandidos da periferia ao centro, no intuito de esvaziar contas bancárias, utilizar veículos em assaltos e até praticar violência contra suas vítimas. “É preciso tomar muito cuidado com os sequestros, estar atento à hora de entrar no carro, até porque os criminosos vêm de outras áreas para praticá-los e tendem a levar suas vítimas para outros lados da cidade”, explica o capitão Vicente.

O pânico do momento foi um dos motivos que levou uma médica residente no Umarizal, que prefere não se identificar, a reagir contra uma tentativa de sequestro relâmpago em 2005. Ela trafegava em um veículo particular na travessa Rui Barbosa, próximo à esquina com a avenida José Malcher, em Nazaré, quando foi abordada por um jovem armado. Às 17 horas de um domingo. Assustada ao ser empurrada para dentro do carro à hora em que foi entregar-lhe as chaves, a vítima avançou na direção do assaltante, deu uma cabeçada nele e conseguiu fugir. “É algo que eu nunca faria de novo”, diz ela, que já foi assaltada outra vez à porta de um consultório que tinha na rua Apinagés, no bairro do Jurunas.

Uma advogada residente no bairro da Campina, que também prefere não ser identificada, já foi vítima de pelo menos três ações de bandidos desde 2006 – todas no centro da cidade. A primeira foi um sequestro relâmpago, na Campina. “Estava na esquina da Arcipreste Manoel Teodoro com a Gama Abreu, perto da Praça da República, quando um homem se jogou no meu carro, que estava quase parado. Disse que eu o tinha atropelado, que era estivador e não ia conseguir trabalhar pois seu corpo doía. Ingenuamente, abri a porta do carro para ajudá-lo. Ele me empurrou para dentro, pôs uma chave de fenda na minha garganta e me mandou dirigir. Fui até a Almirante Barroso”, conta.

“Ele puxou meu brinco, doeu muito. Comecei a gritar e falar um monte de coisa para ele, sem pensar no perigo. A sorte foi que um cobrador de ônibus viu a movimentação dentro do meu carro, que não tinha película, já na esquina da Almirante Barroso com a Antônio Baena, e o cara fugiu. Nem imagino o que ele queria fazer comigo”, diz a advogada. De lá para cá, ela foi alvo de dois assaltos: no mais recente, um homem tentou puxar seu cordão na avenida Presidente Vargas, em plena hora do rush. No outro, teve um revólver apontado contra sua cabeça e a bolsa roubada. Ela estava acompanhada de uma amiga e tinha acabado de sair de um bar na rua Benjamin Constant, próximo à Brás de Aguiar, por volta de 3h. “Foi de madrugada, mas em uma área que se acreditava ser segura”, diz. Hoje, a jovem diz tomar cuidados especiais para sair de casa.

Associações encaminham demandas da população ao poder público

Não é só com medidas da polícia que a criminalidade vem sendo combatida na zona central de Belém. A população de bairros como Cidade Velha e Umarizal tem se organizado em torno de associações, no intuito de cobrar soluções do poder público e expor os problemas vividos no local. O caso da Associação dos Moradores, Empresários e Profissionais Liberais do Umarizal (Umari), é marcante: depois de registrar quatro assaltos em menos de três meses, o dono de um escritório de advocacia situado na rua Dom Romualdo de Seixas decidiu reunir com os vizinhos para discutir a criminalidade do bairro. Estes logo contaram histórias semelhantes. Conclusão: percebeu-se que o Umarizal havia se tornado um ponto de assaltos na área nobre da capital. Só na rua do advogado, quinze assaltos semelhantes haviam ocorrido a casas, lojas, empresas e até a condomínios.

Diretor atual da Umari, o representante comercial André Cayuela diz que a associação está em fase de registro no cartório, mas já se reune periodicamente com as polícias Militar e Civil desde julho deste ano. Com cerca de 40 membros, o grupo é formado por pessoas que vivenciaram ou já ouviram falar de casos de violência no bairro, antes tido como uma das poucas áreas seguras da capital. “Cobramos não somente o aumento do efetivo policial no bairro, como também melhorias na iluminação pública, na reordenação especial. Todas questões ligadas à redução dos índices de violência”, afirma. Outra demanda defendida pela Umari é a criação de uma delegacia de Polícia Civil no bairro. Moradores interessados em se filiar à associação podem entrar em contato pelo e-mail umari.umarizal@gmail.com ou pelo telefone (91) 9981-9033.

Criação de novas unidades não está nos planos da Polícia Civil



No que depender da Polícia Civil, por sinal, o desejo de moradores do Umarizal terem uma nova delegacia ou seccional à sua disposição ainda vai demorar para ser realizado. Isso porque, conforme explica o delegado Paulo Tamer, diretor de Polícia Metropolitana (DPM) da Polícia Civil do Estado, o plano que o sistema de segurança pública pretende aplicar em Belém não tem o foco na construção de novas unidades. “Hoje, com o efetivo que temos, não dá para construir mais delegacia. Não está em nossos planos. Temos 1,1 mil homens para mais de 30 unidades policiais. O correto seria termos pelo menos o dobro deste número”, afirma. “Por isso, nossos investimentos estão concentrados em concursos (o mais recente, referente a todo o Estado, teve inscrições encerradas no domingo passado) para aumentar o efetivo. Só depois é que poderemos pensar na necessidade de mais delegacias, senão teremos ‘elefantes brancos’ sem ninguém trabalhando dentro”, conclui Tamer.

Em relação aos casos registrados recentemente no centro da capital, o diretor de Polícia Metropolitana reconhece que não há como ignorar a crescente na violência; porém, chama a atenção para as operações que têm resultado em mais criminosos atrás das grades. “Dizer que os problemas não aumentaram é mentira. Mas nossas operações têm respondido na mesma moeda. Em 2007, havia 130 presos custodiados em seccionais e delegacias de Belém, sendo que hoje esse número fica entre 460 e 500. É um número bruto, claro, mas mostra que combatemos a criminalidade, não importando qual a região da cidade”, afirmou. “Mas sempre friso que o problema não vai ser solucionado somente com mais policiamento, mais cela. A insegurança é produto de uma sequência de erros, que vai desde a falta de políticas públicas até a ausência do Estado na ressocialização do infrator”, conclui Paulo Tamer.

Ocorrências em alguns bairros centrais de Belém (comparativo 2007-2008-2009)
Período: Uma semana (17 a 23 de agosto)
Fonte: 2ª e 6ª Zpol/PM


Cidade Velha
2007: 9
2008: 21
2009: 14

Campina
2007: 12
2008: 58
2009: 27

Reduto
2007: 2
2008: 2
2009: 0

Umarizal
2007: 10
2008: 24
2009: 16

São Brás
2007: 14
2008: 68
2009: 28

Nazaré
2007: 6
2008: 17
2009: 8

Dicas de segurança

- Evite sacar grandes quantias em dinheiro de caixas eletrônicos expostos, principalmente à noite;
- Não estacione o carro em ruas escuras e pouco movimentadas;
- Olhe para os lados antes de entrar ou sair do veículo. E seja rápido ao entrar nele e ligar o motor;
- Não reaja a assaltos, tampouco tente intervir quando ver um. O correto é acionar a polícia pelo Disque 190;
- Evite conduzir de vidros abertos após as 20h;
- Evite andar a pé em ruas vazias sozinho de madrugada;

Casos policiais recentes da região central de Belém

12 de dezembro de 2008 – Tentativa de assalto com homicídio

O médico cardiologista Salvador Nahmias, 54 anos, foi assassinado às 13h na esquina das ruas Riachuelo e Campos Sales, no bairro do Comércio. Ele não resistiu a um tiro na perna durante uma tentativa de assalto no estilo “saidinha” – após a vítima sacar dinheiro no banco, os bandidos a seguiram. O médico sangrou até morrer dentro do carro, na esquina das ruas João Diogo e São Pedro. Os autores do crime fugiram sem roubar nada.

7 de janeiro de 2009 – Tentativa de assalto com homicídio

O procurador da Prefeitura Municipal de Belém (PMB) Marcelo Castelo Branco foi morto às 19h40 na esquina da avenida Alcinda Cacela com a rua Boaventura da Silva, no bairro do Umarizal. Ele foi baleado na cabeça por bandidos que fugiam de um assalto a uma farmácia e tentaram entrar em seu carro. Um dos assaltantes também morreu na hora ao trocar tiros com a PM.

3 de julho de 2009 – Assalto com reféns

Um assalto com reféns no bairro da Campina envolveu Augusto Bessa, 47 anos, Edinalva Bessa, 44, e o filho do casal, todos naturais de Macapá (AP). Eles viraram reféns de Evandro Modesto das Chagas, 19 anos, e Silas Robert Ferreira Cardoso, 20 anos. Os assaltantes abordaram a família, que vinha de carro pela rua Tiradentes, às 16h, entraram no veículo e fizeram-na refém assim que a PM os interceptou, na esquina da Presidente Vargas com a Marechal Hermes. Por sorte, a situação foi contornada e ninguém ficou ferido.

16 de julho de 2009 – Tentativa de assalto com morte

O assalto a uma joalheria localizada na esquina da rua Manoel Barata com a travessa Campos Sales, no bairro da Campina, resultou em troca de tiros, baleamento e, por fim, na morte de Ozimar Barbosa Guedes, dias depois. O assalto começou na joalheria e acabou na sede do Ministério Público do Estado (MPE), no entorno da praça Felipe Patroni. Ozimar era um dos assaltantes e trocou tiros com a PM na frente do órgão.

6 de agosto de 2009 – Assalto com homicídio

Um segurança do Supermercado Nazaré 24 horas da avenida avenida Duque de Caxias, no bairro do Marco, foi morto com um tiro no olho durante um assalto por volta de 21h40. O supermercado estava lotado por clientes quando dois assaltantes – o autor dos disparos era um adolescente de 17 anos – chegaram ao local para levar o dinheiro recolhido nos caixas.

23 de agosto de 2009 – Homicídio

Interceptado por dois homens em uma perseguição, Carlos Sérgio Gomes dos Santos foi morto a tiros, às 14h, na esquina da avenida Alcindo Cacela com a rua Oliveira Belo, no bairro do Umarizal. A vítima conduzia uma motocicleta em alta velocidade. De acordo com informações de moradores do local, Carlos havia acabado de abandonar a moto e começado a fugir a pé quando levou os tiros.

24 de agosto de 2009 – Tentativa de assalto com morte

Um assaltante foi morto a tiros durante um assalto ao restaurante Spazzio Verdi, localizado na avenida Brás de Aguiar, no bairro de Nazaré. A investida dos assaltantes ocorreu por volta de 6h, quando o estabelecimento se preparava para abrir para o café da manhã. Além de fazer mais de dez pessoas reféns, os bandidos trocaram tiros com a PM. Pelo menos sete disparos foram ouvidos pela população durante o confronto.

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