segunda-feira, 1 de junho de 2009

Acesso à leitura ainda é desafio no Pará

No Estado, pelo menos seis municípios não possuem bibliotecas públicas; além disso, apenas 40% das escolas estaduais têm bibliotecas

GUTO LOBATO
Da Redação

(Jornal Amazônia - Edição de 23/11/2008)

Promover o acesso integral à leitura continua sendo uma meta a se alcançar no Pará. Mais uma vez, o levantamento anual do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, divulgado pelo Governo Federal na última semana, mostra que ele continua sendo um dos 21 Estados que ainda possuem municípios sem nenhuma biblioteca. A região Nordeste continua liderando o ranking, com 70% dos 362 municípios sem bibliotecas públicas concentrados em seu território, seguida da região Norte, onde o Pará contabiliza cinco municípios sem bibliotecas, ficando atrás apenas do Amazonas, que tem 24.

Devido à própria dinâmica de implantação do serviço no Estado - que depende de visitas técnicas e cessão de recursos governamentais -, os números locais sobre o assunto são atualizados semanalmente. O SNBP contabiliza cinco municípios sem bibliotecas no Pará, mas, até a última quinta-feira, o Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas (SEBP), vinculado à Fundação Cultural Tancredo Neves, apontava seis: Vigia, São Caetano de Odivelas, São João da Ponta, Bonito, Vitória do Xingu e Comaru do Norte.

As cidades de Eldorado dos Carajás, Juruti, Placas, Quatipuru e Tailândia também sofrem com o problema, mas irão receber os kits leitura do Programa Livro Aberto, dos Ministérios da Cultura e da Educação, até o final do ano. Em entrevista à reportagem, o diretor de leitura e informação da Fundação Tancredo Neves, José Maria Vilhena, assumiu que ainda há dificuldade em se implantar integralmente o serviço público, mas destacou melhoras significativas no quadro desde o início de 2008. Em onze meses, as estatísticas já teriam sido reduzidas em mais de 60%.

"No final do ano passado, tínhamos 18 municípios sem biblioteca, agora são apenas seis. Temos feito visitas técnicas a todos estes locais, afinal de contas é preciso ver pessoalmente a situação das bibliotecas. Temos lugares que fecharam salas de leitura, outros que nunca tiveram e alguns que já têm o espaço físico, mas falta acervo", apontou.

Atualmente, o Pará dispõe de 158 bibliotecas públicas - ou seja, mais que o número de municípios do Estado. No entanto, pólos locais acabam concentrando naturalmente a maioria de acervo e salas de leitura - só Marabá, maior cidade do Centro-Sul paraense, por exemplo, possui dez em sua região urbana. Um dos principais entraves para intensificar a descentralização, segundo José Maria Vilhena, é a relação nem sempre fácil entre as gestões estadual e municipal.

"Há todo um processo burocrático, pois nós do Estado entramos com capacitação e assessoramento. O Governo Federal entra com o acervo e os equipamentos. Cabe ao município, então, tomar conta da biblioteca e conseguir espaço físico para implantá-la, o que nem sempre é fácil", atenta o diretor. "Às vezes acontece de bibliotecas fecharem por falta de políticas públicas de manutenção e incentivo à leitura por parte das gestões municipais. Agora que passou o período eleitoral, por exemplo, vamos ter de rever nossos números", conclui.

Municípios esperam apoio do Governo Federal

Apesar do atraso da implantação das bibliotecas públicas - serviços considerados essenciais e prioritários pelo Governo Federal -, todos os seis municípios que oficialmente não as possuem já estão a caminho de inaugurá-las. Dos seis, apenas Vitória do Xingu ainda não foi visitado pela equipe técnica da Fundação Tancredo Neves, o que deve ser feito até o ano que vem, segundo José Maria Vilhena. Os demais municípios já enviaram pedidos formais aos sistemas estadual e municipal de bibliotecas.

A reportagem do Jornal Amazônia tentou entrar em contato com representantes dos seis municípios, tendo sucesso apenas em dois casos. Em entrevista, o secretário de administração e finanças de São Caetano de Odivelas, Paulo Massud, afirmou que o principal desejo da prefeitura local é receber o apoio do Programa Livro Aberto, para receber um material de apoio completo.

"Quando entramos no governo, no início de 2008, após o prefeito anterior falecer, não havia biblioteca, logo solicitamos o serviço de vistoria ao Governo do Estado. Agora, já enviamos documento pedindo acervo e verbas do Governo Federal. Já temos um espaço físico no centro da cidade para implantá-la, inclusive", afirmou.

No município de Bonito, Nordeste paraense, a adesão ao Programa Livro Aberto já foi realizada com o apoio da Fundação Tancredo Neves. De acordo com a secretária de educação do município, professora Luciana Moura, a presença da biblioteca vai ajudar, principalmente, o alunado local. "Temos cerca de 3 mil alunos e nenhuma biblioteca, nem mesmo escolar, a única que tivemos há uns quatro anos foi desativada. Com os recursos federais, a intenção é implantar um espaço disponível à comunidade como um todo, mas com um acervo enriquecido de livros didáticos escolares", conclui a secretária.

Estado ainda carece de bibliotecas escolares

Outra dificuldade que persiste no Estado é a de aumentar o número de bibliotecas escolares vinculadas à rede estadual de ensino. Segundo a Secretaria Estadual de Educação do Pará (Seduc), atualmente apenas 490 das 1214 escolas públicas do Estado têm bibliotecas, o que representa apenas 40% de acesso à leitura no espaço escolar. Mesmo assim, a coordenadora do Sistema de Bibliotecas Escolares da Seduc, Sônia Santos, afirma que o ritmo de implantações é intenso – a estimativa é que 70% das escolas tenham bibliotecas com equipes técnicas até 2010.

"Hoje, temos 490 contabilizadas, mas a maioria das demais escolas já abriu pelo menos uma sala de leitura. Estes números são dinâmicos e se referem, principalmente, às salas completas, com técnicos, material permanentemente utilizado e utilização adequada do espaço de leitura, mas temos um acervo mínimo em todas as escolas", explica Sônia, frisando que, atualmente, o Estado está tomando uma série de ações visando à melhor distribuição das bibliotecas no Estado.

"Recentemente, abrimos concursos para técnicos em biblioteconomia, e agora estamos distribuindo este pessoal em municípios que estejam sem técnicos. O acervo já está sendo adquirido e, acima de tudo, estamos trabalhando intensamente na formação continuada de professores, afinal de contas, não adianta encher uma estante de livros e dizer que há uma biblioteca em cada escola. É preciso que o alunado tenha interesse, que o professor saiba utilizar o material em sala de aula e, principalmente, que haja uma cultura do uso da biblioteca para além das atividades curriculares", avalia a coordenadora do SBE-Seduc.

Hábitos de leitura estão associados a classes econômicas, afirma pesquisa

Há quatro anos em atividade, o Programa Livro Aberto, do Governo Federal, já gerou mudanças nas estatísticas de acesso à leitura em todo o Brasil. Em 2001, um relatório nacional apontou a existência de mais de 1,2 mil municípios brasileiros sem bibliotecas públicas. Sete anos depois, restam "apenas" 362, apontando uma redução de mais de 70% - mas um problema persiste: o de hábitos de leitura.

Segundo a pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”, cuja segunda edição foi lançada pelo Instituto Pró-Livro neste ano, apenas 35% dos brasileiros médios declararam gostar de ler em seu tempo livre. Destes, apenas 55% lêem com freqüência no Norte brasileiro (veja quadro). Quando questionados se haviam lido algum livro nos últimos três meses, apenas 55% afirmaram tê-lo feito. Destes, 75% declararam não freqüentar bibliotecas. O número de compradores de livros também está ligado à escolaridade: enquanto as classes A e B, juntas, compram em média 7 livros ao ano, as classes D e E compram apenas um.

Dos 45% não-leitores brasileiros, 11% dizem não possuir paciência para ler, 7% não compreendem e 15% declararam não ser alfabetizados suficientemente para a leitura. Outro dado importante é que mais da metade dos não-leitores pertence às classes D ou E, o que reforça a tese de que o hábito da leitura está ligado ao poder econômico e ao nível de escolaridade.

A doutora em Letras e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Maria Antonieta da Cunha declarou, em artigo introdutório da análise, que um dos entraves à criação do hábito da leitura no País é a falta de conhecimento e acesso aos acervos públicos e escolares. Por conta da dificuldade de obter o livro, a população tende a possuir outras preferências.

“Há uma grande, enorme fatia da população que não conhece os materiais de leitura, ou conhece muito mal. Há um claríssimo problema de acesso aos materiais de leitura, especialmente ao livro. Mesmo tendo-os por perto, falta a descoberta, a volta na chave que faz a súbita ligação e torna o sujeito capturado para a leitura. Ele não descobriu a senha. Por isso mesmo, à frente da leitura, depois apenas de ver televisão, ouvir música e às vezes ouvir rádio, os entrevistados (mesmo os mais novos) afirmam preferir ocupar seu tempo livre... descansando”, afirmou.

Estados que têm mais municípios sem bibliotecas públicas
Fonte: Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas

- O Nordeste continua concentrando a maioria dos municípios sem bibliotecas públicas (75%). Em seguida, vem a região Norte, onde o Amazonas lidera o ranking com 24 municípios sem o serviço. O Pará fica em 12º lugar, com cinco municípios (quando a pesquisa foi feita)

Piauí – 79
Bahia – 67
Paraíba – 48
Rio Grande do Norte – 28
Amazonas – 24
Goiás – 25
Rio Grande do Sul – 13
São Paulo – 15
Maranhão – 11
Pernambuco – 10
Tocantins – 10
Pará – 5
Roraima – 5

Freqüência de leitura por região
Fonte: Instituto Pró-Livro/2008

- O Norte continua sendo o Estado em que os que se declaram leitores menos lêem com freqüência.

NORTE
55% dos que gostam lêem com freqüência

NORDESTE
59% dos que gostam lêem com freqüência

SUDESTE
71% dos que gostam lêem com freqüência

CENTRO-OESTE
60% dos que gostam lêem com freqüência

SUL
75% dos que gostam lêem com freqüência

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