segunda-feira, 1 de junho de 2009

Redução de estômago impõe mudança de hábitos

Cirurgia bariátrica, que se tornou febre no mundo moderno, possui riscos e consequências que devem ser assimilados por quem deseja fazê-la.

GUTO LOBATO
Da Redação

(Jornal "Amazônia" - Edição de 22/02/2009)

Aos 18 anos, a microempresária paraense Maria Vera Brandão tinha uma estrutura corporal considerada dentro dos padrões. Com 1,60 m de altura, a jovem nascida em Tucuruí pesava 58 kg assim que assumiu o emprego que mantém até hoje, administrando um apart hotel na região central de Belém. Após o nascimento do segundo filho, no entanto, Vera viu a silhueta mudar num piscar de olhos: aos 30 anos, já se aproximava dos 100 kg. Aos 40, começou a ter problemas de arritmia cardíaca e hipertensão. Com apoio especializado, ela recorreu à mesma solução procurada por mais de 50 mil brasileiros de vinte anos para cá: a cirurgia de redução de estômago, ou cirurgia bariática. Um procedimento que divide opiniões, mas permanece sendo a principal saída para vencer a obesidade mórbida que resiste às dietas e tratamentos.

A história de Maria Vera, no entanto, ainda não está encerrada. Pelo contrário: está apenas começando. Assim que decidiu fazer a cirurgia, em meados de agosto do ano passado, ela sabia estar assumindo todas as consequências de um procedimento que, além de ser arriscado do ponto de vista cirúrgico, pode trazer resultados que se perdem com o passar do tempo.

"Antes de optar pela redução de estômago, fiz de tudo. Ginástica, remédios, dietas, terapia... Tudo que pudesse controlar a ansiedade que me fez engordar descontroladamente após os 30", comenta a microempresária. "Quando eu e meu médico escolhemos a cirurgia, era porque não tinha mais alternativa. Assumi todos os riscos, sabendo deles, pois era algo de que dependia para ter uma boa saúde", completa.

Tais riscos são bem conhecidos por quem teve de recorrer à cirurgia. Segundo uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica divulgada em 2008, há cerca de 4 milhões de pessoas com obesidade mórbida no Brasil. Metade dos que recorreram à cirurgia ganhou peso com o fim do pós-operatório, sendo que até 15% deles foram - ou serão - operados novamente.

As razões são várias, mas a principal é: o corpo pode encolher, mas as vontades, não. A cabeça do ex-obeso continua fissurada por comida; a saciedade não vem facilmente, os enjoos não inibem o apetite. Por conta disto, Maria Vera, hoje com 51 anos de idade, faz o possível para manter os resultados conquistados nos seis meses de pós-operatório - impressionantes 46 kg a menos - com o apoio de vários profissionais de saúde, como médicos e nutricionistas.

"O médico tinha me dito que ia perder isso após um ano, mais ou menos, mas consegui me superar", comemora. "Consegui isso porque não fiquei resignada às limitações. Aprendi a me alimentar da forma correta, com seis pequenas refeições diárias, e conto com o apoio de um nutricionista para montar um cardápio. Ele é composto quase todo de frutas, peixe e carne branca. Tenho consciência de que meu corpo tem de se readaptar, não posso me encher de doces e 'enganar' o estômago com outras coisas", conta Vera.

Além disso, a microempresária mantém uma rotina de consultas a psicólogos e exercícios físicos - estes últimos, presentes desde os tempos de obesa. "Agora faço musculação, mas nunca fui uma gorda sedentária, era gorda de insistência mesmo (risos). Enfim, quero ficar 'chuchu' para o meu marido, ficar com tudo em cima. Quando completar um ano, vou ver o que faço para levantar o que os exercícios não conseguirem ajeitar", brinca dona Maria Vera.

Após a cirurgia, alimentação correta deve ser adotada

Não apenas na hora de se recuperar da cirurgia bariátrica, mas também para optar por ela, o apoio de um profissional nutricionista é essencial. Segundo a nutricionista mestranda em teoria e pesquisa do comportamento pela UFPA Daniela Lopes Gomes, 24, é recomendado que o paciente só recorra ao procedimento quando todos os métodos convencionais de tratamento não tiverem surtido efeito - e, mesmo assim, com consentimento de profissionais especializados. "Alguns pacientes veem a cirurgia bariática como uma solução milagrosa, mas ela é importante apenas quando se está pronto para modificar hábitos alimentares e assumir uma nova rotina de exercícios e costumes", explica.

No processo de reeducação alimentar, explica Daniela, os pacientes voltam a comer em quantidades normais de forma gradativa e precisam tomar cuidados especiais com a ingestão de alimentos gordurosos, mais pesados e difíceis de digerir. Por outro lado, as dietas que devem acompanhar a redução de estômago devem ser restritivas na medida certa, já que o corpo precisa receber quantidade suficiente de nutrientes para não haver perda de massa magra.

Por conta disto, é preciso que um nutricionista esteja de prontidão para orientar a alimentação do ex-obeso - que, ao contrário do que se pensa por aí, pode, sim, ter seus pequenos "deslizes", contanto que de forma pontual. "O que engorda não é a exceção, e sim a regra. Todos podemos comer doces ou alimentos gordurosos de vez em quando - inclusive quem fez a redução de estômago -, a prática só não pode se tornar constante. O acompanhamento do nutricionista ajuda o paciente a orientar sua dieta de acordo com sua capacidade gástrica", completa Daniela Gomes.

Maioria de pacientes que recorrem à cirurgia é do sexo feminino

Com ares de orgulho, o cirurgião bariátrico Marcelo Prado Magalhães, 34, que cuidou do caso de Maria Vera Brandão, reconhece-a como uma paciente rigorosa e dedicada. "Ela é extremamente cuidadosa com a orientação nutricional, faz um acompanhamento correto no consultório e tem uma atividade física importante, o que é nossa maior preocupação após a realização da cirurgia", comenta. "Mantendo a alegria pela vida que ela já tem, estará bem amparada, sempre", completa o médico.

Durante sua experiência no ramo, Marcelo reconheceu que a maior frequência de pacientes que desejam fazer o procedimento vem do sexo feminino, com idades entre 20 e 65 anos. Na hora de procurar apoio especializado, no entanto, as razões variam. "A gente sempre mostra ao nosso paciente o lado da saúde, já que a cirurgia diminui os riscos de doenças associadas como diabetes, hipertensão, trombose e outros, mas o que também leva o paciente ao consultório, e na maioria das vezes, é a questão estética", comenta.

Segundo o cirurgião, é preciso frisar que as abordagens e técnicas utilizadas variam de paciente para paciente - portanto, deve-se ouvir várias vozes e fazer uma bateria de exames antes de recorrer à redução de estômago. "Novos métodos são divulgados nos congressos médicos e em pesquisas, mas a orientação multidisciplinar ajuda a escolher o método certo para cada paciente", analisa. "Atualmente, o grande volume ainda é da gastroplastia com ou sem anel e da banda gastrica", aponta Marcelo Magalhães.

Valor reforçador da comida deve ser substituído

A analista do comportamento e pesquisadora Lúcia Cristina Cavalcante, 37 anos, vive há pelo menos quatro às voltas com uma extensa pesquisa junto a pacientes que se submeteram à cirurgia bariátrica. Em uma análise da produção científica de analistas brasileiros sobre o assunto, ela chegou à conclusão de que são necessárias "estratégias de enfrentamento" para se lidar com as modificações orgânicas causadas pelo procedimento.

"Muitas vezes, ocorre o abandono do tratamento e a manutenção de um modo de vida muito semelhante ao que era tido antes. Há casos até de pacientes que não voltam a engordar, mas que desenvolvem outros transtornos, como anorexia e bulimia. Os pacientes bem sucedidos precisam saber lidar com as mudanças, com as situações em que ingeriam muita comida, por exemplo", explica.

De acordo com a analista, a melhor forma de evitar as famosas recaídas após o emagrecimento é procurar apoio multiprofissional e, assim, conhecer melhor os próprios limites. "A cirurgia é um passo, o caminho é maior. Os pacientes devem ampliar seu repertório de comportamentos sociais, passando a encontrar gratificações em outros aspectos do ambiente que substituam, de certa forma, o valor reforçador da comida, além de receber orientação especializada sobre as modificações promovidas pela cirurgia", conclui Lúcia.

Entenda a cirurgia bariátrica

O que é?

Há vários métodos, mas o procedimento clássico consiste em se confeccionar um novo estômago com capacidade de cerca de 100 ml (ou menos), por meio de grampeamento, redução ou implantação de uma banda gástrica (pequena bolsa) ou de um anel de contenção no órgão original, além de se fazer um desvio de cerca de 2 m no intestino, de forma a criar um padrão restritivo na absorção de nutrientes no organismo;

Quanto tempo dura?

O procedimento cirúrgico dura cerca de 2h. O tempo de internação hospitalar é de cerca de 4 dias. Para retornar às atividades convencionais, são necessários 10 dias de repouso. Já a alimentação convencional só poderá ser retomada 30 dias depois;

Quem consultar?

É preciso buscar apoio junto a médicos de especialidades como endocrinologia, gastroenterologia, cirurgia plástica, nutrologia, psiquiatria e cirurgia geral, para avaliar as possibilidades de recorrer ao tratamento e ajudar no pós-operatório. Também é preciso recorrer a outros profissionais de saúde, como psicólogos e nutricionistas;

Que exames fazer?

Endoscopia, ultrassonografia, raio-x de tórax e exames de laboratório são essenciais antes do procedimento;

Quais são os riscos?

O risco de mortalidade é considerado baixo (inferior a 0,5%), mas o paciente pode estar sujeitos a complicações cirúrgicas e efeitos durante o período pós-operatório, como a rejeição da prótese implantada no estômago;

Quem deve fazer?

São candidatos à cirurgia bariátrica pacientes com Índice de Massa Corporal (IMC) acima ou igual a 40Kg/m² ou pacientes com IMC entre 35Kg/m² e 39,9kg/m² portadores de diabetes, cardiopatias ou hipertensão arterial. O procedimento é recomendado a quem tentou outros métodos para reverter o quadro de obesidade - terapias, reeducação alimentar, medicação e dietas - sem obter sucesso;

Quais os efeitos?

Dependendo da complexidade e da técnica adotadas, o apetite será reduzido, o controle da absorção de nutrientes no organismo será maior, a digestão será favorecida e a sensação de saciedade, facilitada;

Onde fazer?

O procedimento completo é oferecido gratuitamente em Belém, via Sistema Único de Saúde (SUS), apenas no Hospital Ofir Loyola (Magalhães Barata, 992), mas outros hospitais particulares podem realizá-lo;

Alguns casos que deram certo

- A advogada Rita de Cássia Pinto, 36, optou pela cirurgia de redução de estômago quando já pesava 116 kg, com apenas 1,57 m de altura. "Tomei todos os tipos de remédios e nunca consegui emagrecer. Perdia peso, mas depois ganhava o dobro do que emagrecia. Em 2003, fiz um exame de glicose e os resultados foram preocupantes. Procurei um cirurgião e, cerca de um mês depois, me operei. Perdi 46 kg desde então", conta. Hoje, Rita voltou a engordar 10 kg, mas nada que a tenha posto em situação preocupante. "Ganhei peso, e isso prova que a cirurgia não é milagrosa, mas me sinto feliz e saudável. Meus exames são sempre bons e minha glicose está ótima".

- Aos 20 anos, a publicitária Izabella Leal de Araújo foi diagnosticada com obesidade mórbida e recorreu a um endocrinologista para avaliar as chances de uma cirurgia de redução. "Não tive problemas na infância, para a minha mãe eu era apenas 'fofinha' (risos). Meu problema sempre foi um misto de gula e tendência para ganhar peso. Mas fui diagnosticada com obesidade quando já estava na faculdade e, nove meses depois, fiz a cirurgia". Desde então, Izabella já emagreceu 50 kg. "A obesidade é uma doença, e como tal deve ser tratada desde cedo", opina.

- A estudante de Terapia Ocupacional Ana Paula Loureiro, 21 anos, recorreu à cirurgia após tentar várias formas de reeducação alimentar. Poucos meses antes da cirurgia, ela pesava por volta de 100 kg, distribuídos em 1,60 m de altura. "Sempre fui muito gordinha, e não foi por comer doce, besteiras. Na hora do almoço, trocava tudo isso por saladas, carne, feijão. O problema era a quantidade", conta. Em 2005, após uma bateria de exames, a universitária fez a cirurgia e perdeu 40 kg - dos quais cerca de 10 kg foram recobrados. "Não sou de praticar exercícios físicos, fiz um tempo na época do pós-operatório", completa.

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