sábado, 20 de junho de 2009

Motociclistas mantêm hábitos irregulares

Mesmo com o aumento na frota e nos cursos de formação, condutores continuam fazendo do trânsito sobre duas rodas o mais perigoso do Estado

GUTO LOBATO
Da Redação

(Jornal Amazônia - Edição de 01/03/2009)

Não é preciso ser especialista em trânsito para constatar que as motocicletas viraram fenômeno no Estado. Em apenas nove anos, a participação destes veículos na frota local subiu de 17% para 41%, segundo levantamento anual do Departamento de Trânsito do Pará (Detran/PA). Só na Região Metropolitana de Belém, são mais de 53 mil motocicletas registradas no órgão atualmente - 50 mil apenas em Belém e Ananindeua. Em contrapartida, o não cumprimento das normas de segurança fazem com que o trânsito sobre duas rodas seja o mais perigoso. Basta uma volta pela capital paraense e condutores sem capacete, veículos sem placa ou com dados adulterados e até mesmo crianças na garupa saltam aos olhos. Atos que, além de engrossar as estatísticas dos pronto-socorros, contribuem para denegrir a imagem do motociclista.

O boom nas vendas de motocicletas e as facilidades de tráfego no trânsito das grandes cidades fizeram com que o transporte individual tenha se tornado febre em todo o País. Mas a falta de estrutura viária e, principalmente, de formação deste condutor, fazem com que acidentes sobre duas rodas liderem as estatísticas regionais: em 2008, o motociclismo respondeu por 30% das mortes e 41% dos ferimentos em acidentes de janeiro a novembro. É, tradicionalmente, um veículo que figura no ranking das infrações de trânsito - excesso de velocidade e não uso do capacete aí incluídos.

Segundo o coordenador de planejamento do Detran/PA Luiz Otávio Miranda, os números refletem uma preocupação que já chegou aos escritórios do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) - a de que, mais do que nunca, é preciso "profissionalizar" de vez a categoria do motociclista.

"As frotas não param de crescer, mas em contrapartida as gestões municipais não tomam medidas para melhor preparar a estrutura viária para este condutor. Também complica o fator imprudência do condutor, tanto na hora de dirigir quanto no uso de equipamentos de segurança como o capacete", explica.

Entre as infrações de motociclistas que já possuem resolução no Contran estão o não uso do capacete - que, desde o ano passado, deve ter selo de certificação do Inmetro e sinalizadores refletivos de segurança -, a adulteração, ocultamento ou o próprio não uso das placas, além de normas comuns às demais categorias, como as multas por excesso de velocidade ou por avançar o sinal vermelho.

Uma das cenas mais vistas nas vias públicas do Estado, no entanto, também deve ser alvo de atenção especial nos próximos anos: os condutores que trafegam sem as vestimentas recomendadas, como jaquetas, luvas, botas e calças compridas de tecido grosso. Apesar de ainda não haver legislação específica para isso - só os motoboys regulares são obrigados pelo Contran a usá-las -, Luiz Otávio Miranda reforça que elas já ajudariam na segurança do motociclista.

"Como o Contran não possui nada definido nesta parte das vestimentas, fica a cargo dos municípios obrigar ou não o condutor a usá-las. Mas a verdade é que trafegar de bermuda, tênis e camisas de malha fina, sem luvas, jaqueta e botas, dá mais proteção ao motociclista, que é considerado um condutor 'vulnerável'", analisa. "Já se regularizou estes equipamentos para os motofretes, e é uma tendência estender a coisa aos mototaxistas. Mas o condutor comum precisa, também, entender que estas medidas são essenciais para sua própria segurança também", encerra.

Irregularidades são vistas em todos os pontos da RMB

Durante a última semana, a reportagem percorreu alguns pontos da Região Metropolitana atrás dos motociclistas "irregulares". Não foi difícil encontrá-los, principalmente ao longo das rodovias Augusto Montenegro e BR-316 - curiosamente, as vias que lideram em número de acidentes. Entre as cenas mais frequentes, há condutores sem capacete - infração gravíssima, com direito multa e apreensão do veículo -, motos com três a quatro passageiros (todos sem capacete), placas adulteradas e até mesmo "profissionais" - policiais, mototaxistas, motoboys - infratores.

No município de Marituba, uma professora aposentada de 46 anos foi flagrada conduzindo sem capacete, de bermuda e blusa de malha fina, rumo à BR-316. Abordada pela reportagem, ela fez questão de frisar que toma todos os cuidados necessários, mas "só tinha dado uma saidinha". "Uso capacete sempre, mas moro aqui perto e só estou indo no mercado. A única coisa que me nego usar é jaqueta, que no nosso clima não dá", desconversou.

Outro motociclista de Marituba - que trafegava de sandália e sem capacete - aproveitou a ocasião para "denunciar" a ação dos agentes de trânsito e policiais. "Andar sem capacete não pode, mas vê quantos andam com moto roubada por aí e a polícia não faz nada! Já tive que pagar R$ 150 para recuperar uma moto porque o cara me pegou sem capacete", disse.

Vários pontos de Ananindeua - especialmente nos arredores da Avenida Independência -, Benevides e dos Distritos também são focos de irregularidades no trânsito. Em Belém, placas adulteradas e condutores sem capacete não são tão comuns no centro, mas os trajes inadequados persistem.

"É desconfortável o uso de roupas adequadas aqui em Belém. Aliás, quem aguenta ficar de jaqueta? Mas todo tipo de proteção é válido, ainda mais numa rodovia como a BR-316 ou a Augusto Montenegro", comenta o comerciante Edemar José de Souza, flagrado de bermuda e camiseta enquanto conduzia na estrada do Aurá.

Já o professor Hugo de Menezes se apoia no argumento de que não há punições para o não uso dos trajes. Para ele, a situação muda apenas em vias movimentadas. "Normalmente, uso short ou bermuda e camiseta, mas na BR-316, só ando de camisa e calça comprida", completa o morador de Marituba.

Baixos preços, crédito e financiamento facilitam mercado de vendas de motos

O aumento na frota de motocicletas não é exclusividade da capital do Estado. Em todo o Pará, até o final do ano passado, já haviam sido registrados 737.508 mil veículos, 41% deles motocicletas. Automóveis vêm logo em seguida, com 39%, enquanto que o resto corresponde a outros veículos, como bicicletas, caminhões, sidecars e camionetas. Em alguns municípios do interior, as motos literalmente comandam o trânsito - é o caso de Breves, cuja frota conta com 75% de motos, e de Santarém, com a quarta maior frota do Estado -, e a tendência é Belém, onde 15% da frota é de motos, aos poucos ceda mais espaço ao motociclismo.

Razões não faltam: no trânsito caótico, estes veículos são bons instrumentos para fugir de engarrafamentos e "cortar" caminho por entre os carros domésticos. Além disso, a precariedade do transporte público acaba forçando o morador da periferia a usufruir das duas rodas para circular rapidamente ao centro. Mas a principal razão, sem dúvida, é o preço reduzido e a facilidade de crédito na compra do veículo - o mais barato em termos de manutenção e recuperação atualmente.

Atualmente, uma moto considerada básica, de cerca de 125 cilindradas, custa entre R$ 2 e R$ 6 mil na Região Metropolitana de Belém. Em revendedoras, este preço pode baixar para até R$ 1 mil. Na hora da compra, são aceitos, além do pagamento à vista, mais em conta, métodos de financiamento, consórcio e crédito que, a curto e médio prazo, não pesam tanto no bolso do comprador.

De acordo com a consultora de vendas Natália Lima, funcionária de uma revendedora autorizada de motos em Belém, as vendas não murcharam, nem em tempos de crise, por conta destas facilidades. "Hoje em dia, a moto é uma alternativa a todas as confusões e problemas enfrentados em um carro ou em um ônibus, no trânsito engarrafado e caótico das capitais. É mais barata de manter e comprar. O único problema é que o mau uso do veículo, tão fácil de ver aqui em Belém, pode acabar saindo mais caro para o condutor, além de reforçar o preconceito em torno dos motociclistas em geral", analisa a consultora.

Motoclubes são boa opção para vencer preconceitos sobre a categoria

Uma boa opção para quem vê o motociclismo como um hobby ou alternativa aos carros e ônibus é recorrer aos motoclubes, coletivos de gente que se interessa pela categoria na sua forma clássica - com direito a todos os equipamentos e apetrechos recomendados. Além de fazer expedições, viagens coletivas e reuniões periódicas, eles fazem questão de difundir métodos de segurança entre si, como explica o designer e publicitário Alessandro Filizolla, 34, membro do Pará Motoclube. "Cada vez que a gente se reúne, aproveitamos para dar dicas aos novatos, conversar sobre as novidades da área e aprender a tornar o motociclismo uma forma de transporte viável e segura", comenta.

Há quatro anos trafegando exclusivamente de moto, Alessandro conta obedecer a todas as normas e recomendações de trânsito, desde o uso de capacetes até o de jaquetas, luvas e botas. Por conta disto, ele saiu ileso de um acidente sofrido há cerca de um ano em Belém, quando um veículo doméstico avançou sobre ele em uma curva fechada. "Como estava protegido, saí ileso, com apenas algumas cicatrizes. A maioria das vezes que chego perto de bater o carro, por sinal, foi por culpa de terceiros. Dirijo com cuidado e não vejo a moto como um instrumento para correr, ao contrário do que muita gente preconceituosa pensa", completa o designer.

O músico Fábio Beltrão, 34, membro do motoclube Abutre´s - que é nacional e possui 2 mil integrantes no Brasil e no exterior -, dá coro à opinião de Alessandro. "Quem é imprudente precisa ser punido de forma mais rigorosa pelos órgãos competentes. Com a facilidade de comprar uma motocicleta, a proliferação de motociclistas é inevitável... Daqui para a frente, o motociclista precisa ter um pouco mais de bom senso", avalia.

Para o delegado da Polícia Civil Aldo Macedo Botelho, 40 anos, membro do Pará Motoclube, a questão é saber diferenciar o motociclista do "motoqueiro", de forma a evitar preconceitos. "É muito comum generalizarem, mas o 'motoqueiro' é aquele que anda de chinelo, bermuda e sem capacete, ou então o motoboy e mototaxista que sai correndo por aí, com pressa, cortando todo mundo. Ser motociclista é andar equipado, respeitar o espaço que cada veículo tem no sistema de trânsito e ver a moto como um veículo, não como uma arma", analisa Aldo.

Na hora de conduzir, não se prenda às multas

- Nem todas as recomendações que o Contran direciona ao condutor de motocicletas de uso doméstico são passíveis de multa e sanções ligadas ao veículo e à carteira de motorista. Confira algumas dicas, entre obrigações dispostas no Código de Trânsito Brasileiro e recomendações de motoclubes e organizações de saúde e segurança no trânsito:

* Use botas, luvas, jaqueta e calça de couro ou tecido grosso: Dados do Detran/PA mostram que a maioria dos ferimentos em acidentes de trânsito envolvem as extremidades do corpo - mãos, pés, ombros, cotovelos. O uso de roupas mais grossas evitam colisões diretas com o solo e protegem o corpo de objetos perfurocortantes. Evite ao máximo trafegar sem camisa ou de sandálias convencionais. Este tipo de calçado, assim como em carros, é proibido;

* Use capacete: A regra básica do motociclismo. Não usá-lo é infração tão grave quanto andar acima de 20% da velocidade máxima ou avançar sinal vermelho - portanto, pode resultar na apreensão do veículo e até na perda da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). É preciso, na nova legislação, que ele tenha selo de aprovação do Inmetro; também não vale deixar a viseira aberta. O acompanhante deve obedecer a todas estas regras;

* Evite o "transporte coletivo": Motocicletas conduzindo três ou quatro pessoas pode parecer absurdo, mas é prática corriqueira na RMB e no interior do Estado. Evite a prática, pois na hora de uma colisão, mais pessoas significam mais vidas em risco;

* Não dirija sem carteira de habilitação: Hoje, há categorias próprias para a formação de condutores de motocicletas. Dirigir sem carteira gera punições para o proprietário do veículo, portanto evite "emprestar" a moto de outro para sair dirigindo sem uma formação completa;

* Deixe a placa à mostra: Dependendo do método utilizado para ocultar os números da placa da moto, a prática pode virar até caso de polícia. Não tente fugir das araras desta forma riscando a placa ou pondo cartões sobre os números, pois isso é crime de trânsito. Também não vale andar sem placa, pois a apreensão do veículo pelos agentes de trânsito é imediata;

* Cuidado ao "cortar" veículos: Há multa para esse caso - a mesma que se aplica a carros que "conduzam de forma inadequada" -, mas o perigo não é o olho atento do agente de trânsito, e sim os riscos de um acidente fatal. Apesar de não ter uma "motofaixa", as vias têm espaço para que o motociclista trafegue sem ter de "cortar" carros e ônibus para ultrapassá-los;

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