sábado, 8 de maio de 2010

Bruno Mazzeo*

Por Guto Lobato
*Entrevista concedida à Revista Living Leal Moreira 24. Versão eletrônica em http://issuu.com/deloreto/docs/rlm24_web

Ele não é o tipo de artista que atrai os holofotes para si. Na verdade, gostaria de viver bem longe deles. Mesmo assim, tem como linguagem preferida o humor escrachado, tipicamente brasileiro. Não se importa em estar diante das câmeras, embora prefira às vezes ficar por trás delas. Ah: também sonhou em ser rockstar e acabou participando de uma telenovela das sete. Paradoxal? Sim – mas basta alguns minutos de conversa para que o roteirista e ator carioca Bruno Mazzeo, 32 anos de idade, explique com contundência suas contradições internas.

Nascido e criado nos corredores da Rede Globo, emissora que capitaneou o sucesso de seu pai, o ator e humorista Chico Anysio, Bruno não tardou a descobrir em si a mesma verve cômica que tornaria seu pai um mestre da TV brasileira. Aos 14 anos, tirou os escritos autorais da gaveta e os aplicou à “Escolinha do Professor Raimundo”, humorístico protagonizado por Anysio. De lá, Bruno conquistou espaço próprio na emissora e encadeou vários trabalhos como roteirista – de “Sai de baixo” até “A diarista” –, ator e produtor no teatro, no cinema e na TV, além de ter escrito um livro, “Brasil 2020 - Socorro!!! O Futuro Chegou”. Seu trabalho de maior visibilidade foi “Cilada”, primeira sitcom a ser produzida pela TV a cabo brasileira, no canal Multishow, que rendeu seis temporadas, ganhou prêmios, virou quadro do programa “Fantástico”, da Globo, e divertiu espectadores em todo o país.

Desde o final do ano passado, porém, Bruno decidiu revirar tudo – a inquietação falou mais alto. Encerrou a participação como ator na peça “Enfim, nós”, que estava há três anos em cartaz, encerrou o “Cilada” e apostou as fichas em projetos no cinema e em um novo humorístico da Globo, ainda sem data definida de estreia. Bem mais sério e reflexivo do que seus personagens – criados ou interpretados –, o carioca divorciado e pai de um filho de cinco anos de idade falou de política e de sua relação com a mídia, com a família e com as próprias criações em um bate-papo num final de tarde no Itaim, em São Paulo. Confira alguns momentos:

Inevitável a gente deixar de falar da tua, digamos, “herança familiar”. Ser filho do Chico Anysio e de uma atriz deve trazer algum tipo de influência para ti. Tua opção pela vida de roteirista e ator teve um empurrãozinho dos pais?

Olha, se não fosse filho do Chico Anysio não estaria aqui, dando essa entrevista. Na verdade, só comecei a gostar da coisa por causa dele. Começando pelo ambiente: eu freqüentava os estúdios da Globo, acompanhava as gravações. Quando ele viu que havia interesse, me estimulou de tudo que é jeito: comprou minha primeira máquina de escrever, leu meus primeiros textos, trocou dicas, indicou caminhos... a influência e a minha admiração por ele são totais, tanto do ponto de vista do espectador quanto na rotina, em casa.

Falando no Chico Anysio, afirmaste certa vez que o personagem dele que mais te marcou foi o Justo Veríssimo, o político que eternizou o bordão “eu quero é que o pobre se exploda”. É um figura atual até hoje, olhando para os rumos da política brasileira...

O Justo Veríssimo vive até hoje! É de 30, 25 anos atrás, e você vê como ele é atual. Isso é triste, porque mostra que nosso país nada evoluiu nesse quesito de seriedade e transparência política. É a mesma sensação que se tem quando se ouve “A gente somos inútil”, do Ultraje a Rigor, e “Que país é esse?”, da Legião Urbana, sabe? Ele não é só um exemplo, como também é um personagem cômico que tem conteúdo, alia diversão e crítica. Quer que o pobre se exploda e ponto final, só quer saber de pobre em época de eleição. É o político mais sincero: diz exatamente o que pensa (risos).

Chegaste a falar com teu pai sobre o suposto “hiato forçado” que a Globo teria imposto a ele? Teve até campanha organizada pelo “Pânico na TV” exigindo a volta do Chico aos programas de humor...

Acho que o meu pai teve durante mais de 30 anos um programa semanal. De repente, passou a fazer participações no “Zorra total”, em novelas... o ritmo baixou. Talvez isso tenha incomodado, porque era uma coisa com a qual ele não estava acostumado. Mas acho que isso faz parte da carreira do artista. Inclusive acho que ele deveria investir mais em outros tipos de participação, ele não tem mais idade para ter programas de humor naquele formato... tem que trocar maquiagem toda hora, é preciso muito pique! Se eu me canso, imagina ele.

De um lado, tens uma carreira sólida como roteirista. De outro, já atuaste em uma telenovela (“Beleza pura”) e participaste de várias montagens no teatro e no cinema. Existe algum ramo, dentre esses, ao qual estejas te dedicando mais recentemente?

Dei um tempo no teatro, parei de viajar para me dedicar a outros projetos na televisão e no cinema. E, nessa área, o processo é muito lento. Acabou que neste ano estou me dedicando a três projetos de cinema em especial, além de ter pintado uma possibilidade na televisão. Então creio que 2010 vai ser focado nisso. Mas continuo fazendo de tudo, faço muita coisa ao mesmo tempo e sempre fui desse jeito. Já quis ser rockstar, queria ser o Mick Jagger, mas me conformei com a vida de ator e roteirista (risos). Ou estou atuando, ou escrevendo, ou fazendo os dois, ou produzindo... agora vou tentar diminuir um pouco o ritmo, controlar a inquietação e a ansiedade que todo artista sente.

Falando nisso, certa vez disseste a uma jornalista de fofocas que não és celebridade coisa nenhuma, e sim artista. Qual a diferença que vês entre esses dois termos?

É um equívoco muito comum. Celebridade é uma pessoa célebre – óbvio, mas verdade –, conhecida na sociedade, mas pouco a pouco o termo foi estendido a todo mundo que aparece na mídia, incluindo, aí, os artistas. Por outro lado, nem todo mundo que aparece nas revistas e é célebre pode ser considerado artista. Celebridades seriam Chiquinho Scarpa, Narcisa Tamborindeguy, Vera Loyola – nada contra eles, são pessoas maravilhosas. Mas é bem diferente do Wagner Moura, do Selton (Mello), de mim, até. Somos atores, artistas. Começaram a botar tudo no mesmo saco e eu, sinceramente, não quero estar nesse saco.

Evitas manter relações muito próximas com a imprensa?

Não, que nada! O relacionamento é ótimo. Se eu estou na entrada de uma festa, na estreia de uma peça ou algo assim, podem me fotografar à vontade, até porque isso faz parte. Mas tenho meus truques para ser gentil na hora de evitar exposição desnecessária. Não faço confusão por isso, mas realmente acho que publicar foto minha num site não vai fazer o Brasil melhor (risos). Sair em coluna social caminhando na orla do Rio de Janeiro, “ficando” com alguém ou passeando com meu filho, o João, não serve para nada. Pelo contrário, só faz expor nossa vida – e, nesse mundo violento em que a gente está hoje, todo cuidado é pouco. A verdade é que queria que as pessoas conhecessem meu trabalho, não necessariamente a minha pessoa. Cheguei a dar um toque num fotógrafo uma vez: meu filho estava passeando comigo, vestindo o uniforme da escola, e o cara lá, tirando fotos escondido. Cheguei para ele e falei: “você tem noção de que amanhã ele pode ser sequestrado por conta dessa exposição?”. Até escrevi sobre isso para o meu blog, para ver se algumas pessoas se tocam.

Dá para levar numa boa a missão de ser pai em meio a essa rotina louca de exposição? Isso sem contar o dia-a-dia de trabalho...

A dificuldade maior é que tenho uma vida sem rotina. A sorte é que eu e minha ex-mulher somos grandes amigos. Ela entende meus horários estranhos. Às vezes estou no trabalho em pleno domingo, às vezes fico de bobeira numa quarta-feira. Aí procuro me dedicar em tempo integral ao meu filho. Procuro ser o mais presente possível, levo no colégio, vou à reunião de pais... coisa bem tradicional.

O “Cilada”, exibido no Multishow, que escreveste e protagonizaste, inovou ao ser o primeiro programa produzido para a TV a cabo brasileira. Ele teve audiência expressiva e chegou a ser apresentado como quadro no “Fantástico”, da Globo. Pensando num contexto maior, achas que propostas como essa vão definir o futuro da dramaturgia televisiva no Brasil?

Eu acho que a TV fechada tem que ser melhor utilizada. O “Cilada” foi quase que um teste. Deveria haver mais programas desse tipo, mas praticamente não há recursos para produzi-los. Seria bacana se a própria Globo usasse a GloboSat, por exemplo, para testar novos formatos, coisas novas, com gente nova. Fui muito feliz com o “Cilada”, pretendo continuar com outros projetos no Multishow, inclusive. Temos uma liberdade imensa na TV fechada. Não que não a tenha na Globo – nunca tive problema com isso, lá sempre houve autonomia. Mas é que a responsabilidade, vamos dizer assim, é menor. Fala-se com mais gente na TV aberta, e a audiência não dá para comparar. Aliás, acho que nunca vai dar para comparar.

Por que o “Cilada” parou de ser produzido?

Desgaste mesmo. De minha parte e da Rosana (Ferrão), minha parceira nos textos, além da minha vontade de fazer outras coisas. Para mim já não estava mais funcionando, na última temporada dei meu melhor, mas não tinha mais o mesmo tesão. Já queria outras coisas. Foi simplesmente isso. Creio que seria mais doloroso o trabalho de escrever, gravar, se não tivesse a mesma vontade de fazer. Foram seis temporadas no Multishow e três no “Fantástico”. Mas olha, pode ser que volte no ano que vem, daqui a uns semestres, enfim... o programa teve boa receptividade entre todas as classes e faixas etárias, mostrava situações típicas que qualquer um vive no dia-a-dia. Não é um ponto final para essa fórmula.

Já atuaste em “Beleza pura” e fizeste participação em outras produções de ficção da Globo, como “Malhação”. Recentemente, negaste dois convites para participar de outras telenovelas. O motivo foi a falta de tempo ou a preferência por outros gêneros?

Foi tempo, porque a novela é uma coisa que toma muito tempo, é quase impossível fazê-la junto com outras coisas. Quando fiz “Beleza pura”, estava encerrando uma temporada em São Paulo e só ia gravar o “Cilada” quase um ano depois. Nesse período não tinha nada concreto, só tinha de escrever os episódios do “Cilada”. Então o convite pintou na hora certa, a novela era justamente até o início do programa. Acabei uma e comecei o outro duas semanas depois.

Dizem que todo ator fica acabado durante as gravações de uma telenovela...

No meu caso, nem foi tanto, até porque o personagem que eu interpretava não era protagonista. Mas a rotina era meio incerta. Tinha semana que eu gravava todo dia. Tinha semana que gravava dois, três dias. Mas sempre tinha que estar à disposição. Chegou a acontecer de eu gravar de segunda-feira até sábado, direto. Enfim, foi uma experiência ótima, e quero ter outra chance. Mas o papel teria de valer a pena.

Entre os programas de humor que escreveste para a Globo, teve algum que te marcou em especial?

Vários, e por vários motivos diferentes. Posso citar a “Escolinha do professor Raimundo”, porque foi o primeiro. Tinha 14 anos quando comecei a trabalhar nele. Depois, teve o “Sai de baixo”, porque foi o primeiro programa que fiz sem o meu pai, foi uma prova de fogo. “A diarista” foi o primeiro que teve minha redação final, além de ter sido revolucionário por colocar uma doméstica como protagonista. E o “Cilada”, no Multishow, claro, por ter sido um divisor de águas na minha carreira. Mas tem vários outros que adorei fazer.

Passaste por Belém para apresentar o espetáculo de teatro “Enfim, nós” no ano passado. Houve algo que te marcou de forma especial na cidade?

A gente viajou pelo Brasil inteiro com a peça. Fomos a quase todas as capitais e sempre fomos bem recebidos, com platéia lotada e boas críticas. Mas Belém marcou muito pelo público e pela beleza do Teatro da Paz. Durante a turnê, a gente tinha o hábito de bater foto lá do fundo do palco na hora do agradecimento, então ficava a gente de costas diante do público. Pois é, e a foto do Teatro da Paz ficou tão bonita que eu botei num porta-retrato na minha casa (risos). Foi emocionante, três noites num teatro lindo e lotado, com uma platéia quente.

Em resposta a comentários no teu Twitter, disseste que não usas a rede social como humorista, e sim como “pessoa que trabalha com humor”. As pessoas exigem de ti outro comportamento na web?

Exatamente. Eu trabalho com humor, mas sou uma pessoa normal. Acho até chato o cara que fica fazendo piada toda hora. No Twitter, às vezes escrevo uma coisa séria, ou dou uma dica, uma informação, e sempre tem um babaca que vem e diz “ei, não achei engraçado, qual é a graça?”. E eu respondo: “Quem disse que era pra ser engraçado?”. Ser engraçado é meu trabalho, e normalmente eu cobro por isso (risos). Além do mais, posso até ter ficado conhecido pelo humor, mas não vai ser sempre assim. Posso fazer outras coisas. Esta semana, por exemplo, estava prestes a filmar um filme sério, um drama... não rolou por falta de tempo.

Então sair do humor é uma possibilidade?

Eu não pretendo, porque é o que, e digo isso entre aspas, eu domino. É minha zona de conforto. Claro que se eu for fazer um filme de humor hoje, vou ter mais facilidade do que fazer um drama – quer dizer, eu acho, porque dizem que fazer humor é mais difícil mesmo –, mas nada impede novas experiências. Meu currículo é todo no humor, mas posso ter uma inquietação e aí vou fazer um filme, uma peça, um programa, uma novela com direcionamento diferente, seja atuando, dirigindo, produzindo. É o tipo de coisa que acontece com qualquer artista.

Estás com um humorístico encaminhado para estrear na programação da Globo ainda esse ano. O que podes adiantar dele?

Não posso adiantar muito, mas é um programa que tem sido divulgado como a nova “TV Pirata”, apesar de não ter muito a ver com isso. A semelhança é que, assim como a “TV Pirata” foi há 20 anos, nós vamos dar espaço para novas pessoas que vêm fazendo humor. É uma nova geração, da qual fazem parte o Fábio Porchat, o Gregório Duvivier, eu... além disso, também se tratará de assuntos cotidianos. A direção vai ser do Maurício Farias, da “Grande Família”, e a direção de núcleo será do Guel Arraes, que era o criador da “TV Pirata”. Estamos muito empolgados com o rumo que a coisa está tomando, e já vamos começar a gravar nas próximas semanas.

Também estás envolvido no roteiro do filme “Muita calma nessa hora”, que deve chegar às salas de cinema brasileiras no segundo semestre desse ano. A história é bem curiosa – trata de uma viagem organizada por três meninas que vivenciaram situações tragicômicas no Rio de Janeiro e decidem fugir para Búzios. Como surgiu esse argumento central?

A ideia, na verdade, não foi minha. O argumento já existia e era do Augusto Casé e do Rick Nogueira, e eles me chamaram para fazer um novo tratamento para o roteiro. Não estavam satisfeitos com a primeira versão. Comecei tudo do zero, aproveitando a ideia deles, e acabou tomando um rumo bem interessante. O elenco é uma mistura de destaques de vários segmentos: tem o Lúcio Mauro Filho, o Marcelo Adnet, o Marcelo Tas, o Hermes & Renato, o Marcos Mion, a Fernanda Souza e a Maria Clara Gueiros... acabou sendo uma boa experiência de erros e acertos para os próximos projetos na área de cinema de que participo.

Podes dar detalhes sobre esses projetos futuros?

No total, são seis. Mas tem três que vão sair do papel neste ano e no ano que vem. Um é o “Cilada ponto com”, que começa a ser rodado em outubro e é, digamos, livremente inspirado no “Cilada”. Tem também a versão cinematográfica do “E aí, comeu?”, do Marcelo Rubens Paiva, o “Jardim perfumado”, do Johnny Araújo... esses aí já são para o ano que vem. Tudo ao mesmo tempo agora (risos).

Carreira

Televisão

Ator
2009 - Chico e Amigos
2009 – Malhação (part. especial)
2008 - Casos e Acasos
2008 - Beleza Pura
2007 - Pé na Jaca (part. especial)
2005/09 – Cilada
2004 - Sítio do Picapau Amarelo

Roteirista

2005/09 - Cilada
2004/07 - A Diarista
2003 - Carol e Bernardo
1998/99 - Vida Ao Vivo Show
1997/00 - Sai de Baixo
1996 - Chico Total
1991/94 - Escolinha do Professor Raimundo

Teatro

2007 - A Volta das que Não Foram (co-autor)
2006/09 - Enfim, Nós (ator, co-autor e co-produtor)
2003/04 - Os Famosos Quem? (ator, co-autor e produtor)
2003 – Balada (ator)
2003 - Nós Dois e Grande Elenco (apresentador)
2002/07 - Os Segredos do Pênis - Os Segredos Que Só os Homens Têm (autor)
2002 - Meninas de Rua (ator)
1996 - O Piauí É Aqui - Ou Não (co-autor)

Literatura

1996 - Brasil 2020 - Socorro!!! O Futuro Chegou

Cinema

2010 – Muita calma nessa hora

Na internet:

Blog – http://bloglog.globo.com/brunomazzeo

Twitter – http://twitter.com/BMAZZEO

Site do filme “Muita calma nessa hora” – http://www.muitacalmanessahora.com.br/



(P.S.: Só para tirar o blog da poeira, hehehehe)

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