quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Atropelamentos em rodovias preocupam

Só nas estradas federais, foram contabilizados 54 atropelamentos, segundo PRF. Ocorrências do tipo aumentam por falta de estrutura e imprudência de motoristas e pedestres.

GUTO LOBATO
Da Redação

(Publicada no jornal Amazônia de 09/08/2009)

Se você acompanhou o noticiário da imprensa local durante o mês de julho, deve ter achado que este veraneio foi um dos mais violentos já registrados nas rodovias paraenses. Não é impressão. Os balanços divulgados por órgãos como a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e hospitais como o Metropolitano de Urgência e Emergência (HMUE), referência em atendimento a traumas de média e alta complexidade, deixam bem claro que as campanhas de prevenção a acidentes de trânsito não têm surtido efeito no Estado. Fora as colisões entre veículos, no entanto, as estatísticas apontam um outro tipo de ocorrência de grande letalidade: os atropelamentos. Das 16 mortes em estradas federais de 3 de julho a 2 de agosto, seis foram de pedestres – quase todos atingidos ao atravessar a pista ou se aventurar pelos canteiros e acostamentos dos trechos urbanizados.

O número bruto pode parecer pequeno, mas vale lembrar que ele só representa os casos registrados em rodovias como a BR-316 e a BR-010. Somando-se as ocorrências sem mortes das estradas estaduais e vias públicas urbanas, o espectro de vítimas cresce de forma assustadora. Somente no HMUE, 72 pacientes com este perfil foram atendidos – um aumento de 26% em relação ao ano passado, que supera o número de acidentados em colisões e só perde para os acidentes de moto (veja quadro). Da mesma forma, a operação Estrada 2009, da PRF em parceria com o Corpo de Bombeiros, a Polícia Rodoviária Estadual (PRE) e o Departamento de Trânsito do Estado (Detran/PA), contabilizou 54 atropelamentos nas estradas no mês de julho. Só para se ter uma ideia, no ano inteiro de 2007 a PRF registrou “apenas” 86 ocorrências desse tipo.

Tantos dados dispersos só confirmam o que autoridades de trânsito já cansaram de falar: o perigo em torno dos pedestres só faz crescer, e não somente por culpa dos motoristas e condutores. A falta de atenção à hora de pôr o pé na pista tem gerado perdas humanas tão graves quanto as causadas por colisões entre veículos. Políticas públicas que valorizem o pedestre, com mais passarelas, calçadas, ciclovias e acostamentos, de fato são raras, mas se combinam à imprudência: não é difícil avistar transeuntes cruzando pistas do trecho urbano da BR-316 em horários de tráfego intenso, muitas vezes acompanhados de idosos, grávidas, crianças ou até bebês de colo – que deveriam, ainda mais que os pedestres “convencionais”, utilizar as passarelas e faixas de pedestres.

O inspetor Max Silva, do núcleo de comunicação da PRF, aponta que mais de 70% dos acidentes na BR-316 – única via de saída da Região Metropolitana de Belém (RMB) –, ocorreram entre os quilômetros zero e 21, cujo traçado abrange os municípios de Belém, Ananindeua, Marituba e Benevides. Não é diferente com os atropelamentos. A maioria ocorre em áreas urbanas, onde a população depende da travessia das pistas para ir de um bairro a outro da cidade ou procurar determinados serviços.

“As zonas urbanas são especialmente críticas nesse ponto. A rodovia é um ponto central do município, em que se concentram serviços, comércio, escolas. Fora a área da capital, que protagoniza as estatísticas, tivemos muitos atropelamentos na área da Transamazônica que corta o município de Marabá e no trecho da Belém-Brasília próximo a Dom Eliseu, por exemplo”, afirma. “A questão é que, fora a imprudência dos condutores, com infrações de excesso de velocidade e consumo de álcool, ainda há o problema da falta de espaços adequados para o pedestre e, às vezes, da falta de cuidado deste para com o trânsito das rodovias”, completa.

Dois casos que correspondem a este perfil de acidente transcorreram à madrugada do último domingo (2) na BR-316, no trecho que corta o centro de Ananindeua, e resultaram em duas mortes a mais para as estatísticas de atropelamento. Em um deles, por volta de meia-noite, um homem que atravessava a rodovia de bicicleta passou pela frente de um caminhão de lixo e foi atingido por um veículo que vinha em alta velocidade na pista ao lado. A outra ocorrência resultou na morte de uma mulher, às 3h. Ela foi atropelada ao atravessar a pista no quilômetro 8 e surpreender um investigador da Polícia Civil que conduzia um veículo particular rumo a Belém. Casos que poderiam ser resolvidos com medidas simples, como a redução de velocidade nos trechos urbanos e o uso de passarelas e semáforos, relativamente fáceis de encontrar no início da rodovia. “Alguns casos precisam ser apurados para apontar de quem é a culpa, mas de forma geral o que vemos é uma combinação de erros. Neste mês chegamos a registrar o caso de um homem que foi atropelado ao atravessar a BR-316. Ele estava a 50 metros de uma passarela. Sinal de que nem sempre os condutores são os únicos culpados”, disse o inspetor Max Silva.

Maioria de atropelados está na idade produtiva

Outra surpresa em relação aos atropelamentos se refere à faixa etária. Analisando os dados coletados pelo Serviço de Arquivo Médico e Estatística (Same) do Metropolitano em julho, o médico José Guataçara Gabriel, que coordena o Acolhimento e Pronto-Atendimento do hospital, constatou que a maioria dos pacientes atendidos pelo hospital após serem atropelados pertencem à chamada “idade produtiva”. “Com isso, vemos que há um impacto econômico muito forte nas famílias destas pessoas, já que muitas têm o acidentado como principal provedor de renda”, alerta. Mas a preocupação não se limita somente a esta faixa etária. “Também vemos que há um número expressivo de idosos nas estatísticas, não só nos atropelamentos em estradas como nos que acontecem nas ruas da capital. O que indica que há muitas pessoas de faixas etárias avançadas que estão desassistidas”, completa.

Em termos quantitativos, os atropelamentos só perdem para os acidentes de moto nas estatísticas do Metropolitano, superando por pouco os pacientes acidentados em colisões de veículos. As colisões de maior gravidade, conforme observado pelo médico, são os que envolvem condutores de motocicletas. Neste ano, foram registrados 15 óbitos entre os 788 atendimentos do hospital em julho, um crescimento de 200% em relação ao ano passado. “A gravidade dos traumas resultantes de acidentes de trânsito é alta e só tem aumentado ultimamente, o que mostra a falta de campanhas que enfatizem as perdas humanas deste tipo de intercorrência. Há um período de recuperação longo, que depende do número e da intensidade destes traumas. O caso dos motociclistas é grave, principalmente, porque eles estão menos protegidos em uma colisão. O pedestre, idem”, alerta José Guataçara.

Atropelamento gera transtornos para acidentado

Um caso que bem ilustra o impacto social dos atropelamentos é o do motorista autônomo Gleyson Oliveira Lima, de 26 anos. Tocantinense residente no Pará, ele se mudou para o Estado há cerca de um ano e meio para trabalhar com transporte alternativo. Tudo corria normalmente em suas vida conjugal e profissional, até que, em 14 de julho, por volta de 5h, ele foi violentamente atingido por um veículo próximo à barreira da PRF de Castanhal, na BR-316. O condutor, um adolescente sem carteira de habilitação, fez um cavalo de pau para fugir da fiscalização policial e acabou atingindo Gleyson, que ia visitar a esposa grávida de nove meses após uma noite de trabalho.

Conduzido às pressas ao HMUE, ele foi diagnosticado com duas fraturas – no fêmur e na tíbia – e teve de ser submetido a uma cirurgia. Desde então, ele ocupa um dos leitos do hospital e permanece impossibilitado de se locomover, o que lhe fez perder o nascimento do filho. “Meu menino nasceu no dia 31 de julho e ainda não tive a oportunidade de vê-lo”, lamenta. Sem perspectivas de voltar ao batente, Gleyson está preocupado com o acúmulo de dívidas e a dificuldade em conseguir retomar o trabalho a tempo. “Ainda vou ter que passar por outra cirurgia para me recuperar de vez, e devo passar mais uns três meses sem poder dirigir. Enquanto isso, tenho mulher e filho pequeno para sustentar, é uma situação terrível”, completa ele, que espera ser ajudado financeiramente pela família do causador do acidente.

Num leito no mesmo andar de Gleyson, o pequeno Matheus Carlos Barros, de nove anos, se recupera após ter sido atropelado por uma moto na estrada do município de Mãe do Rio, a 198 km de Belém, no sábado de 1º de agosto. A mãe dele, a doméstica Josete Lima Carlos, 38 anos, conta que o filho atravessava a pista de bicicleta, junto a um primo de 12 anos, quando foi atingido por uma motocicleta. Ele não olhava para a direção certa da pista, ansioso para chegar em uma fazenda da família. Questionada sobre quem teria culpa no acidente, dona Josete assumiu: “Foi ele quem se precipitou”. O detalhe é que o garoto e seu primo não atravessavam a pista acompanhados de um responsável.

ATENDIMENTOS A VÍTIMAS DE ACIDENTES DE TRÂNSITO NO HMUE
Fonte: Serviço de Arquivo Médico e Estatística (Same/HMUE)

Julho de 2008

Acidentes de moto: 90
Atropelamentos: 57
Colisões: 61
Acidentes de bicicleta: 11
Total: 219

Julho de 2009

Acidentes de moto: 119
Atropelamentos: 72
Colisões: 69
Acidentes de bicicleta: 12
Total: 272


BALANÇO DA OPERAÇÃO ESTRADA 2009 – 3/JUL A 2/AGO
Fonte: Policia Rodoviária Federal (PRF), Policia Rodoviária Estadual (PRE) e Departamento de Trânsito do Estado (Detran/PA)

Colisões: 146
Queda em via pública: 62
Atropelamentos: 54
Mal súbito: 43
Outros: 160
Total de ocorrências: 465 (83% a mais que em 2008)

ALGUMAS DICAS PARA PEDESTRES

· Evite andar na pista. Em rodovias como a BR-316, a maioria do traçado da pista está cercado por acostamentos e/ou calçadas. Neles, é possível se caminhar com um pouco mais de segurança;
· Ande em sentido contrário ao dos veículos. Assim, ao caminhar à beira das pistas, você terá uma visão privilegiada do trânsito e poderá desviar de veículos que eventualmente avancem em sua direção;
· Quando caminhar à noite, faça o possível para ser visto. Como a iluminação em rodovias é geralmente escassa, utilize roupas de cor clara e tente ficar perto das fontes de luz que houver por perto. Assim, os condutores poderão lhe ver com mais facilidade;
· Se estiver com crianças, mantenha-as sob controle. Crianças são imprevisíveis, então, quando andar próximo à pista, nunca deixe de segurá-las pelo braço;
· Na hora de atravessar, recorra às passarelas ou aos semáforos com faixa de pedestres. Em caso de não haver nenhum em grande distância, o jeito é procurar um trecho em que haja total visibilidade – esqueça as curvas e áreas com inclinação – e esperar o momento adequado para pôr o pé na pista;
· Poucos carros não são sinal de segurança. Ao atravessar a pista, preste atenção para o trânsito, mesmo que o movimento esteja fraco. Às vezes é melhor que haja trânsito, mas os carros estejam em baixa velocidade, do que ter a pista quase limpa e veículos a mais de 100 km/h passando aos poucos;
· Evite atravessar em frente a obstáculos visuais. Quando pôr o pé na pista, assegure-se de que você está visível. Não comece a atravessar em pistas com ônibus, caminhões e outros veículos pesados, pois estes podem “esconder” você do olhar dos motoristas das outras faixas;
· Não “desfile” na pista. Quando for atravessar, o melhor é correr ou andar rápido, mesmo que a pista esteja vazia. Não fale ao celular enquanto estiver andando, tampouco vire o rosto para conversar ou olhar o movimento. Tenha em mente que ali é lugar de carro, não de pedestre;

ALGUNS ACIDENTES FATAIS RECENTES

5/7 – O ciclista João Nazareno, de 27 anos, atravessava a BR-316 à noite do primeiro domingo de julho quando foi atropelado pelo sargento Paulino Gomes, de 40 ano, em Ananindeua. Os dois ainda chegaram a ser levados para o Hospital Metropolitano, mas não resistiram.

6/7 – Uma caminhonete Hilux se chocou com um micro-ônibus, invadiu o canteiro da BR-316 e matou o vigilante Marcelo Cordovil Soares, de 32 anos. O acidente transcorreu por volta de 15h, em Ananindeua. A vítima estava no canteiro da rodovia. O motorista e um outro pedestre ainda ficaram feridos.

11/7 – Um dos mais graves acidentes de trânsito registrados na BR-316 em julho, à altura do quilômetro 8, deixou três pessoas gravemente feridas, um menino de 11 anos morto e fez a população revoltada fechar uma das pistas da rodovia. Um Fiat Uno em alta velocidade perdeu a direção, derrubou uma palmeira do canteiro central e atropelou duas crianças e duas mulheres que estavam no local.

18/7 – A autônoma Wanderlúcia Costa Souza, de 26 anos, protagonizou uma morte dramática na rua da Cerâmica, em Marituba. Ela foi atropelada por um caminhão por volta de 20h, mas conseguiu salvar o filho, que estava em seu colo, jogando-o ao acostamento da rua antes de ser esmagada pela roda do veículo.

19/7 – Um homem de identidade desconhecida foi atropelado e morto na rodovia BR-316, em frente à loja Belém Importados, por volta das 21h30. O acidente foi na pista do sentido Belém-Ananindeua. A vítima do atropelamento morreu no local, vítima de múltiplas fraturas.

24/7 – Maria Luiziane Pinheiro, de 24 anos, que estava grávida de nove meses, morreu em um acidente ocorrido às 7h15 no quilômetro 45 da BR-316, em Santa Izabel. O irmão de Luziane tentou “atravessar” ela e mais dois filhos de um lado a outro da pista em uma motocicleta, quando o veículo foi atingido por um micro-ônibus. Nenhum dos “passageiros-pedestres” estava de capacete.

25/7 – O ciclista Vicente Marques de Lima, de 53 anos, foi atropelado e morto às 18h30 no quilômetro 92 da BR-316, próximo ao ramal da Yamada. A vítima pedalava pela rodovia quando foi atingida por um Ford Fiesta em alta velocidade.

30/7 – O aposentado Agnaldo de Araújo Monteiro, 54, e seu neto de apenas um ano e cinco meses morreram após serem atropelados por um trator pertencente à Prefeitura Municipal de Belém (PMB) no bairro do Murubira, no Distrito de Mosqueiro. O veículo era conduzido por um funcionário cuja habilitação estava vencida. As vítimas foram esmagadas pela roda traseira do trator e socorridas, mas não resistiram aos ferimentos.

1/8 – Posidônio Barbosa foi a vítima fatal da tarde do 1º de agosto na rodovia BR-316, quilômetro 2. Ele morreu após ter sido atropelado por uma caçamba, quando atravessou a pista com o sinal fechado para pedestres. Ao tentar desviar do ciclista, o condutor do veículo invadiu a calçada da rodovia.

2/8 – Duas mortes encerraram o veraneio sangrento de 2009. A primeira vítima foi o ciclista Carlos Augusto Siqueira Costa, atropelado por um veículo enquanto tentava atravessar a BR-316 à altura de Ananindeua, por volta de 0h. A segunda foi uma mulher não identificada, atropelada no quilômetro 8 por um investigador de Polícia Civil ao tentar atravessar a pista, às 3h.

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