segunda-feira, 3 de agosto de 2009

"Novo Enem" já motiva debates no Pará

Proposta do MEC de vestibular nacional repercute de forma polêmica entre professores, alunos e gestores de educação. Universidades paraenses ainda não formalizaram adesão ao método.

GUTO LOBATO
Da Redação

(Publicado no Jornal Amazônia - Edição de 03/05/2009)

Se você é estudante ou professor de Ensino Médio – ou mesmo conhece ou é parente de algum –, provavelmente ficou apreensivo ao saber da nova proposta de vestibular lançada ao início do mês passado pelo Ministério de Educação (MEC). Não é à toa: além de gerar mudanças na estrutura dos processos seletivos de universidades federais de todo o País, o chamado “novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)” exigirá ajustes na lógica de preparação dos candidatos a uma vaga no ensino superior. Do formato das questões aos critérios de ingresso, o exame unificado tem motivos de sobra para levantar discussões dentro do espaço escolar.

O “novo Enem” – que permanece sem título definido – é anunciado como a maior revolução no vestibular brasileiro desde o ano de sua criação, 1911. A razão para tal é que, assim que adotado por alguma universidade, ele passa a pôr no mesmo patamar de concorrência todos os cerca de 5 milhões de vestibulandos brasileiros, sendo que as notas deles podem ser submetidas à aprovação em cursos de até cinco universidades. Estas ainda podem optar pelo uso de outra etapa avaliativa, complementar ao exame.

Em resumo: assim como um paraense poderia fazer a prova em Belém e escolher entrar na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) por ter boa nota, um paulista poderia ingressar na Universidade Federal do Pará (UFPA) usando a nota que tirou ao fazer o exame em São Paulo, por exemplo. Outro diferencial diz respeito ao conteúdo: ao invés de questões ligadas a disciplinas isoladas, o exame vai valorizar a análise crítica do aluno e sua capacidade de relacionar assuntos. O MEC ainda não precisou o conteúdo programático da prova, mas o que se espera é uma evolução das questões multidisciplinares do Enem (veja quadro).

Apesar de ainda não ter todos seus meandros divulgados, o “novo Enem” já é de conhecimento de vestibulandos, professores e coordenadores de escolas e cursinhos do Pará. As avaliações são as mais variadas possíveis: há quem ache que a concorrência nacional incentivará o maior preparo dos alunos, há quem veja o exame como mais uma ferramenta que desrespeita as desigualdades regionais de acesso e qualidade da educação.

Ao ser questionada sobre a possibilidade de adesão ao vestibular unificado no Pará, a professora de Ensino Médio Inês Pereira destacou que o aluno poderá ser beneficiado de várias formas. “Há o lado da competição com alunos mais bem preparados de outras regiões, é verdade, mas o ‘novo Enem’ vai ajudar o paraense", avalia. "Os conteúdos serão padronizados e a prova, unificada, o que fará com que o aluno fique menos sobrecarregado e tenha tempo para se preparar de forma menos apressada", garante.

A mesma opinião é seguida pelo professor de Matemática do Ensino Médio Walter Luiz. Para ele, o “novo Enem” ainda ajudaria o aluno a desenvolver o espírito competitivo e se preparar para concorrer com o resto do País. “A unificação vai gerar problemas imediatos de desigualdade no nível dos candidatos, claro, mas, se houver uma educação decente, não há com o que se preocupar. O importante não é o número de concorrentes, e sim a preparação”, analisa.

Uepa e Ufra ainda não vão aderir ao método

Uma coisa que pode tranquilizar os que chegam ao 3º ano do Ensino Médio até o ano de 2011 é que, até agora, tanto a UFPA quanto a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) não figuram entre as 51 federais interessadas em adotar o “novo Enem” de imediato. Da mesma forma, a Universidade Estadual do Pará (Uepa) já sinalizou não estar disposta a abrir mão de seus processos seletivos (Prosel e Prise) para aderir à proposta do MEC, que também é optativa para as instituições particulares e estaduais.

Em uma reunião realizada no último dia 23, o Conselho Universitário da Ufra decidiu provisoriamente não aderir ao processo seletivo do MEC. A ideia é que falta um “aprofundamento da discussão, reunindo a comunidade interna e externa à instituição, para que se possa ampliar as perspectivas sobre o assunto”. Já a decisão da Uepa, segundo o Pró-Reitor de Graduação da instituição Neivaldo Oliveira Silva, tem a ver com o fato de que a mudança no método avaliativo demanda um debate sobre os prós e contras da ideia em relação ao vestibular convencional.

“A Uepa trabalha historicamente com o Prise e Prosel, então não é algo que possamos mudar da noite para o dia. Mas estamos atentos a esse debate”, desconversou, reforçando que alguns dos pontos mais polêmicos do “novo Enem” precisam ser considerados. “Um processo para todo o Brasil tem um lado nada favorável, que é o risco de sermos injustos com o estudante paraense, que tem uma formação repleta de fragilidades e poderá perder ‘suas’ vagas para gente de outros Estados. Por outro lado, sua aprovação em faculdades de fora do Pará será facilitada”, disse.

Polêmicas permeiam debate em conselho da UFPA

Já na UFPA, instituição paraense que centraliza os debates sobre o “novo Enem”, a questão tem rendido muita polêmica. Em reunião no último dia 16, o Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe/UFPA) decidiu não aplicar o modelo até 2010, já que o Processo Seletivo Seriado (PSS) já está em curso para milhares de alunos de Ensino Médio. As mudanças no PSS, no entanto, já estariam em pauta de discussão mesmo antes de o MEC anunciar sua proposta, segundo a assessoria da instituição.

Duas soluções foram elencadas ao final da reunião e permanecem em aberto: ou a UFPA não adere ao “novo Enem”, ou faz dele uma das etapas de avaliação do vestibular da instituição – mesmo assim, somente a partir de 2011. A decisão final da UFPA só será divulgada no segundo semestre, mas alguns conselheiros já têm opiniões bem formadas – é o caso da Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Sobre Educação Superior (GEPS) da universidade, a socióloga e mestre em Educação e Políticas Públicas Vera Jacob.

Dotada de um olhar bastante crítico em relação ao exame, Vera afirma que as falhas do antigo Enem se repetirão no novo método, só que em maior intensidade. “Alguns dados do Enem mostram que o problema está na formação do aluno. Das maiores notas da prova, só 8% foram tiradas por alunos de escolas públicas”, avalia. “Ao invés de gastar rios de dinheiro com novos exames e ideias mirabolantes, o governo devia mesmo investir nesse aluno, dando a ele isenção de taxas e subsídios mínimos para que ele concorra de forma justa com um aluno da rede privada”, completa a socióloga.

Segundo ela, é impossível fomentar a ideia de concorrência nacional enquanto o Pará mantiver sua posição nos relatórios do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica do Brasil (IDEB), o indicador mais confiável da qualidade de ensino do Brasil. Nele, o Estado aparece com a segunda pior média do país, precedido apenas por Pernambuco.

“O resultado disso é que o ensino ficará ainda mais elitizado. Quem tem mais dinheiro para bancar boa educação vai se dar melhor, incluindo os de fora do Pará. O resultado: continuaremos vendo as federais lotadas de pessoas de alta renda familiar, enquanto o Estado paga bolsas do Prouni para quem estudou no ensino público. É uma lógica completamente equivocada”, analisa.

Novo modelo pode promover mudanças no preparatório

Não só alunos vão ser submetidos a mudanças caso o “novo Enem” passe a vigorar nos próximos anos nas universidades paraenses. Por conta das mudanças de conteúdo, toda a estrutura de Ensino Médio e dos cursinhos preparatórios do Estado teria de ser adaptada ao formato do exame, que terá mais questões e uma abordagem menos voltada à memorização, segundo o MEC. Tanto no ensino privado quanto no público, no entanto, ainda não há plano de mudanças, já que nenhuma adesão ao novo método foi formalizada pelas universidades paraenses.

Funcionária de uma escola privada que oferece Ensino Médio e cursos pré-vestibular, a orientadora pedagógica Viviane Pitman diz que, mesmo assim, já vem sinalizando aos alunos a mudança de eixos do vestibular brasileiro. “Mesmo nos vestibulares normais, a ideia do ‘decoreba’ já soa ultrapassada. Com ou sem o ‘novo Enem’, é fato que a formação do aluno não pode mais ficar só na aquisição de conhecimentos em sala, mas sim ao uso deles para a avaliação e o raciocínio crítico”, avalia.

A também orientadora pedagógica Suely Berenice Rolim, da Escola de Ensino Fundamental e Médio Lauro Sodré, revela que o debate sobre o tema é, de fato, incipiente – a prova disso é que, segundo ela, muitos professores só ficaram sabendo do “novo Enem” pela imprensa. “Muitos só souberam após ler matérias e ver nos telejornais. Mas já há reuniões acontecendo entre as escolas para discutir esse novo método”, frisou. “É preciso que o modelo seja discutido a fundo, já que ainda há muita incerteza"

O que os estudantes de Ensino Médio pensam do novo vestibular

Na hora de avaliar o “novo Enem”, boa parte do alunado paraense repetiu o discurso de que a chance de usar a mesma nota em cinco universidades ajuda não só no acesso ao ensino superior, como acaba com o estresse de ter de estudar para várias provas ao mesmo tempo. Houve também quem criticasse a “concorrência desleal” do aluno local com o de regiões como o Sudeste:

- Beatriz Bergman, 15 anos, estudante de 2º ano da rede pública
"Para quem ainda não tem uma ideia do curso que quer fazer, não tem coisa melhor que esse novo processo seletivo. Até por ele ser nacional, o leque de opções aumenta bastante, tanto nos cursos quanto nas instituições"

- Camille Souza, 16 anos, estudante de 3º ano da rede privada
"Essa medida é muito errada. A prova do Enem já é um erro, pois fica centrada nos conteúdos programáticos do Sudeste e não tem espaço para nossas especificidades, imagine esta, que vai ser aplicada em todo o Brasil. O que vai acontecer com nossos escritores, nossa cultura?"

- Victor Leandro Menezes, 16 anos, estudante de 3º ano da rede privada
"Para mim, é uma furada. Vai complicar ainda mais nossa vida e não ajudar em nada. Já é difícil ingressar nas universidades daqui, aí com esta prova generalista não vai haver nivelamento, seleção. O pessoal do Centro-Sul vai tomar conta da UFPA, da Uepa"

- Amanda Matos, 16 anos, estudante de 2º ano da rede pública
"No final das contas, a fórmula para passar no vestibular vai ser a mesma: estudar muito (risos)! Mas, de forma geral, achei essa proposta do MEC inteligente. Nós do ensino público vamos ter mais chance, com mais universidades e cursos"

- Paloma Dantas, 16 anos, estudante de 3º ano da rede privada
"A concorrência é desleal, isso é um fato. O conteúdo programático da nova prova vai ser focado na realidade deles, que têm mais acesso à educação básica e fundamental. Vou me sentir deslocada, perdida diante de concorrentes mais preparados"

- Rafael Martins, 17 anos, estudante de 3º ano da rede pública
"Ainda estou em dúvida sobre que curso fazer, e acho que pessoas como eu podem ser ajudadas com este novo vestibular. Passando nas cinco opções, a gente pode experimentar mais cursos para escolher qual levar adiante"

- Abner Braz, 16 anos, estudante de 2º ano da rede pública
"Acho que vai ficar mais fácil. A gente pode escolher entre cinco cursos de todo o País, caso passe neles, o que é bom para quem ainda não se decidiu direito ou quer estudar fora daqui, conhecer outros lugares"

- Fernanda Souza, 16 anos, estudante de 1º ano da rede pública
"O maior problema do vestibular hoje em dia é o estresse de fazer quatro, cinco, até seis provas para tentar pegar uma vaga no curso que você gosta. Com esse novo método, dá para fazer uma só prova, mais elaborada, o que tira um peso desnecessário do aluno"

Entenda o “novo Enem”

- O que é?
É uma nova proposta de vestibular unificado para todo o País, em que o aluno faz somente um exame e pode aplicar sua nota em instituições de ensino do Brasil no Sistema de Seleção Unificada (SSU).

- Como vai ser a prova?
Serão 200 questões objetivas, mais uma redação. As provas serão aplicadas em dois dias. A distribuição por assuntos é centrada nos eixos de linguagem (50 testes e redação), ciências humanas (50 testes), ciências da natureza (50 testes) e matemática (50 testes).

- Quem pode fazer?
Qualquer pessoa com diploma de conclusão do ensino médio.

- Qual vai ser o conteúdo cobrado na prova?
O MEC ainda não se pronunciou, mas a expectativa é que conteúdos de valor prático para o desenvolvimento do raciocínio lógico prevaleçam.

- Quem pode adotar o método?
Tanto universidades federais quanto estaduais e de ensino particular que estejam interessadas em adotá-lo.

- Quais universidades vão aderir?
No Pará, até agora, nenhuma instituição formalizou adesão ao “novo Enem” para 2010. As três maiores - UFPA, Ufra e Uepa -, inclusive, já anunciaram não adotá-lo no próximo vestibular. No entanto, ainda há chance de alguma particular paraense adotar a prova, já que o MEC estendeu o prazo de adesão até o próximo sábado, 8.

- Para que serve?
Os alunos poderão submeter sua nota à avaliação para ingressar em até cinco cursos de até cinco universidades brasileiras. Os vestibulandos serão selecionados nos cursos conforme a nota obtida, a ordem das opções escolhidas à hora da inscrição e o limite de vagas.

- Como e quando vai ser usado pelas universidades?
As universidades têm quatro opções de uso: ou o “novo Enem” é a fase única de aprovação, ou fica valendo como primeira fase, ou é aplicado somente nas vagas ociosas ou é usado junto aos vestibulares normais. No entanto, o MEC dá autonomia às instituições para que elas decidam se querem ou não adotar o novo exame.

- Qual a vantagem?
O aluno não terá de fazer dezenas de provas para tentar o curso de sua escolha em várias universidades. Além disso, pode entrar nas federais de outros Estados sem ter de viajar para fazer exames diferenciados ou estudar conteúdos específicos de outras regiões (autores de Literatura, por exemplo).

- Qual o risco?
Por conta do mau desempenho do estudante paraense no Enem, há a chance de as vagas das universidades públicas paraenses serem "tomadas" por estudantes de Estados com maior índice de desenvolvimento. Além disso, a prova pode se tornar generalista e não exigir conteúdos adequados à realidade da região.

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