sábado, 15 de agosto de 2009

Avenida é centro de polêmica ecológica

Moradores mantêm opiniões bem diferentes sobre a Independência. Risco de dano ambiental ao Parque Ecológico de Belém aquece debate.

(Jornal "Amazônia - Edição de 14/06/2009)

GUTO LOBATO
da Redação

Um embate sem precedentes toma conta do projeto de prolongamento da avenida Independência, executado pela Secretaria de Estado de Projetos Estratégicos (Sepe), do governo do Estado, com licença ambiental concedida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma). As obras iniciadas há poucos meses são motivo de polêmica por conta do trajeto da via, que deve cortar o Parque Ecológico de Belém, no bairro da Marambaia, por cerca de 900 metros. Os impactos ambientais, segundo a Sepe, serão em 8,5% dos 44 hectares da unidade de proteção, mas os moradores dos conjuntos Médici e Bela Vista, que cercam a área, não gostaram da ideia e já acionaram o Ministério Público do Estado (MPE), que pediu a paralisação da obra. Por outro lado, quem mora no Bengui e no Mangueirão faz campanha a favor do governo, alegando que a avenida reduzirá os engarrafamentos no complexo do Entroncamento.

Apesar de só agora ter voltado à pauta de ações para melhorar o trânsito na Região Metropolitana de Belém (RMB), o projeto da avenida Independência está prestes a completar 18 anos. Ele fez parte de um plano elaborado pela Agência Japonesa de Cooperação Internacional (Jica) em 1991 junto ao governo do Estado, que recebeu atualizações periódicas e previu a necessidade de se criar um novo canal para o tráfego de veículos entre a região central de Belém e suas zonas de expansão.

No plano original, que acabou integrado ao Plano Diretor Urbano (PDU) de Belém e transformado na lei municipal nº 8.655, a Independência deveria servir como alternativa às únicas saídas da cidade - a BR-316 e a Augusto Montenegro. Saindo do município de Ananindeua, ela seguiria até a avenida Júlio César, de onde haveria acesso alternativo ao centro da capital pela Pedro Álvares Cabral e pelo Canal São Joaquim. O problema é que, até hoje, a Independência só vai do conjunto Paar à Augusto Montenegro, o que mantém a concentração de veículos domésticos e transporte público na área do complexo viário do Entroncamento.

Com o novo projeto, que recebeu licença ambiental da Semma em janeiro, a Sepe pretende expandir a avenida até a Júlio César, contornando o Parque Ecológico de Belém e revitalizando-o para o uso público. Seis pistas de 28 metros de largura passariam pela lateral leste do parque, o que comprometeria 3,6 dos 44 hectares da área de proteção permanente. Um elevado conduziria à avenida à Júlio César e daria acesso ao binário Senador Lemos-Pedro Álvares Cabral. No final das contas, a Independência teria 4,78 km de extensão total na conclusão das obras, prevista para maio do ano que vem.

Mesmo iniciado, no entanto, o prolongamento continua gerando muita discussão entre os moradores dos bairros que serão mais afetados pela nova Independência - Bengui, Mangueirão e Marambaia. Neste último, há um intenso movimento de resistência à ideia de atingir o Parque Ecológico, em especial nos conjuntos Médici e Bela Vista, que cercam o Parque Ecológico; os argumentos da população vão desde os riscos de dano ambiental até os de aumento da violência e da superpopulação na área.

Moradores do conjunto Bela Vista temem dano ambiental

'Essa é uma área de proteção regulamentada por lei, repleta de espécies de flora e fauna. A gente sempre fez de tudo para mantê-las preservadas e longe de qualquer ação humana. Não acredito que valha a pena derrubar tanta coisa em vez de procurar outras soluções viáveis para o trânsito em Belém', diz o engenheiro Robert Oliveira. 'Além disso, a área próxima à avenida vai ser invadida. Queremos saber para onde vai a segurança pública', complementa a dona de casa Sílvia Mara.

Robert e Sílvia fazem parte de uma família que mora há 40 anos na rua Florianópolis, do conjunto Bela Vista, logo em frente ao parque. Do quintal, eles podem ver a circulação de macacos-de-cheiro e outros animais; chegam até a dar comida para eles. 'Eles vêm pedir todo dia, de tarde', comenta Sílvia. O convívio diário com a natureza, embora nem sempre de forma assumida, é outro argumento para que os moradores da área repudiem as obras da Independência: a pista passaria a poucos metros do muro de suas casas, trazendo poluição e barulho a quem se acostumou à calmaria da floresta urbana.

Membros de um movimento que mantém diálogo com o MPE para tentar embargar a obra aproveitaram o último dia 5, Dia Mundial do Meio Ambiente, para fazer um manifesto. Eles caminharam levando cartazes até o local em que as obras já estão mais avançadas, no matagal que fica ao lado do Bela Vista. A pedagoga Rosângela Carvalho afirmou que não há justificativas para a continuidade da obra, já que outras vias de escoamento poderiam ser aproveitadas pelo Estado.

'A Transmangueirão, por exemplo, está pronta e pavimentada. Era só desviar a Independência para lá. Ninguém teria de cortar o parque e desestruturar o equilíbrio natural que já se criou aqui', comentou. Opinião semelhante é a de dona Gladys Cardoso da Silva, 82 anos de idade e mais de vinte morando no Bela Vista. 'Não é egoísmo nosso, até porque não usamos o parque ecológico como quintal. Ele é protegido, e é isso que queremos que continue. Não somos contra a avenida Independência, só exigimos que ela seja construída sem degradar o meio ambiente sem necessidade', afirmou.

Quem mora no Bengui e arredores ressalta benefício social

Quem mora do outro lado das obras de prolongamento, no entanto, argumenta que os benefícios do novo corredor viário suplantam os danos ambientais. 'Primeiro, eles se comprometeram a revitalizar o parque. Segundo, a pista nem vai mais entrar nele, vai ficar contornando por todos os 900 metros. Os animais da área, que precisam de alimentação especial, estão sendo domesticados pelos moradores do Bela Vista e, também, sendo atropelados na rua, já que não há nenhum gradeamento que evite a exposição deles ao perigo. Isso é uma irresponsabilidade', avalia Marco Antônio Costa Silva, agente comunitário membro da Comissão Fiscalizadora (Cofis) da obra.

Morador do bairro do Bengui há vinte anos, ele diz ter se acostumado ao descaso do Poder Público para com o bairro. As obras na Independência ajudariam nesse sentido, já que trariam ao menos uma avenida pavimentada para o uso da população. 'O problema é que ninguém quer ceder. Muitos de nós serão remanejados para que a avenida passe, mas o pessoal do Bela Vista não quer perder o contato com a natureza. Só que temos que pensar no bem da cidade, também', afirma Marco.

Todas as manhãs, moradores do Bengui e dos arredores do Mangueirão levam cartazes ao canteiro das obras da Independência - que caminham a passos lentos por conta da polêmica no MPE - na Transbengui, para pedir apoio da população local. O autônomo Juarez do Socorro afirma que o conflito por conta da avenida só trará transtornos. 'Nós vivemos afundados na lama há muito tempo. Não tem nem uma rua que dê acesso bom ao centro. Agora que pelo menos uma medida do Poder Público começa a andar, o pessoal reclama, chama o Ministério Público. Assim ninguém vai entender o que queremos', reclamou.

Projeto de secretaria inclui estruturação completa do parque

A Secretaria de Estado de Projetos Estratégicos (Sepe) garante entregar até o ano que vem outros projetos para resolver o problema do tráfego de veículos entre centro e zona de expansão da RMB. Ao final da avenida, haverá um elevado que conduzirá os motoristas direto para a Júlio César. No cruzamento desta com a Pedro Álvares Cabral, um elevado e um trevo de quatro pétalas ajudariam a remover o sinal de quatro tempos e reduzir engarrafamentos na área, segundo o coordenador de Planejamento e Gestão do Ação Metrópole Paulo Ribeiro.

'Há um problema muito sério neste cruzamento, e a Independência não poderia desembocar lá sem mudanças no fluxo. O projeto geral, que ainda inclui a recuperação da rodovia Artur Bernardes e o trevo da Júlio César, fará com que um corredor viário novo seja criado para a entrada e saída de veículos do centro de Belém', afirmou. 'Um estudo da Jica indica que a velocidade média dos veículos pode chegar a 5 km/h nas vias principais da Região Metropolitana em 2012. Não há condição nenhuma para que isso continue, por isso a criação de outro corredor viário', complementou.

Além disso, foi acordado entre Semma e Sepe que o Parque Ecológico deverá ser estruturado e aberto para a visitação, com a implantação de muros, pórticos de acesso no Bela Vista e no Médici, trilhas ecológicas, espaço multiuso, ponte sobre o Canal São Joaquim, espaços com brinquedos recreativos e um centro de formação de agentes ambientais. Tudo fica sob responsabilidade do Estado e deve ser entregue à medida que as obras forem concluídas.

'Isso faz parte da medida compensatória exigida por lei para obras que gerem impacto ambiental. Como vamos comprometer 8,5% do parque, firmamos o compromisso de inaugurar o parque e abri-lo de forma segura à população, o que nunca foi feito antes', afirmou o coordenador.

MP afirma que não há sustentação técnica na obra

As obras da Independência estão sendo alvo de polêmica, também, no Ministério Público do Estado (MPE). À metade do mês passado, o órgão enviou uma recomendação de paralisação da obra à Semma, alegando irregularidades na licença ambiental concedida por ela ao governo do Estado. O 1º Promotor de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural de Belém, Benedito Wilson Sá, argumenta que ainda não há sustentação legal e técnica para que a obra seja executada.

'Não há um estudo de impacto ambiental eficiente na licença concedida pela Semma. Além disso, a medida não teve nenhuma participação cidadã. Muitos moradores do entorno se sentem desrespeitados e estão enviando denúncias ao MP', conta. 'Fora isso, não há respaldo legal na intervenção dentro do Parque Ecológico. Ele foi criado por uma lei municipal e não prevê quaisquer obras dentro da área de proteção; então é necessária a edição de uma lei municipal específica para poder alterá-la', explicou.

Depois de não ter atendido à recomendação do MP - que expirou no dia 5 -, a Semma tem até dez dias para rever a licença ambiental e articular a paralisação das obras na Secretaria de Estado de Projetos Estratégicos (Sepe). Caso não haja resposta, a promotoria poderá ingressar com duas ações civis públicas - uma exigindo o embargo imediato do projeto e outra que irá responsabilizar os titulares da Sepe (Marcílio Monteiro) e Semma (José Carlos Lima) por improbidade administrativa.

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